Entre as décadas de 1940 e 1960 surgiram no Brasil algumas publicações voltadas especificamente para o debate da produção cultural e a reflexão sobre as tendências e os movimentos estéticos em diferentes áreas: literatura, artes plásticas, música popular, arquitetura e urbanismo, design, etc. Ao mesmo tempo, essas revistas culturais refletiram também as preocupações políticas e sociais da época em que nasceram, adquirindo forte marca geracional.
Publicadas quase sempre por grupos de intelectuais e artistas de vanguarda, com recursos escassos e sem apoio oficial, essas publicações tiveram vida curta, mas deixaram registros importantes sobre as inquietações do seu tempo.
Edifício
Em janeiro de 1946, Autran Dourado lançou em Belo Horizonte a revista “Edifício”, que reuniu, em suas quatro edições, colaborações de jovens escritores mineiros que logo protagonizariam a cena literária nacional, como Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Alphonsus de Guimaraens Filho, Lúcio Cardoso e Jacques Prado Brandão. O corpo editorial, por sua vez, era composto por Sábato Magaldi, Wilson Figueiredo, Francisco Iglésias, Pedro Paulo Ernesto, Walter Andrade e Edmur Fonseca.
Tendo o poeta Carlos Drummond de Andrade como patrono e fonte de inspiração — seus versos eram utilizados como epígrafes —, "Edifício" falava de uma geração que sobrevivera ao Estado Novo e à ameaça do nazifascismo europeu. Frustrados, mas extremamente politizados, os jovens que produziam e liam a revista preocupavam-se em elaborar discussões políticas por meio de textos ensaísticos que abordavam temas de extrema seriedade.
No projeto da revista, a dimensão estética, formalmente inovadora, combinou-se com uma produção literária efervescente e com a reflexão e o debate sobre as inquietações, questionamentos, angústias e buscas da geração do pós-ditadura e do pós-guerra.
Joaquim
Entre 1946 e 1948, circularam as 21 edições da revista curitibana “Joaquim”, editada inicialmente por Erasmo Pilotto, Antônio P. Walger e Dalton Trevisan. “Joaquim”, em “homenagem a todos os joaquins do Brasil”, inseria-se no contexto do pós-guerra, no qual tinham grande importância questões como o modernismo, o progresso e a modernização. Disposta a romper com um modo de pensar que considerava isolacionista, engessado e conservador, a revista se propunha a ultrapassar o provincianismo e a discutir novos paradigmas artísticos e culturais.
Trevisan já afirmava: “a literatura paranaense se inicia agora”. O projeto foi além das fronteiras regionais e ganhou destaque nacional, principalmente graças ao time de colaboradores que foi reunindo. Nomes consagrados nacionalmente, como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, José Paulo Paes e Antonio Candido, trabalharam lado a lado com figuras importantes da intelectualidade do Paraná, como Violeta Franco, Guido Viaro e Euro Brandão.
A revista parou de circular apenas dois anos depois do seu lançamento.
Orfeu
Porta-voz dos poetas da Geração de 45, a revista “Orfeu” circulou entre 1947 e 1953, seguindo uma linha editorial contrária aos ideais do movimento modernista. Fundada por Fernando Ferreira de Loanda, poeta nascido em Angola, a publicação trazia poemas, ensaios e contos dos principais autores da época.
Esses autores participaram do movimento artístico e literário conhecido como Geração de 45, que pretendia desenvolver inovações de linguagem, temáticas e estilísticas. Chamado de terceira fase do modernismo brasileiro e também considerado “pós-modernista”, o grupo assumiu críticas ao rigor formal e criativo estabelecido pela Semana de Arte Moderna de 1922. Seus principais expoentes foram os escritores João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Ariano Suassuna e Lygia Fagundes Telles.
Críticos da rigidez estética que não propunha transformações formais significativas, os diretores e colaboradores da “Orfeu” sustentavam um discurso que valorizava a superação dos ideais literários do modernismo. Frustrados e insatisfeitos com as produções artísticas anteriores, os autores da revista perseguiram, no ambiente de interrogações do pós-guerra e do pós-ditadura, do início da Guerra Fria e das expectativas ante o governo de Juscelino Kubitschek, um projeto estético que lhes permitisse explorar novas possibilidades literárias.
Noigandres
“Noigandres”, palavra que causa certo estranhamento, significa “algo que protege do tédio” e é uma fusão das palavras francesas “ennui” (tédio) e “gandir” (proteção). Citada pelo poeta norte-americano Ezra Pound em "Cantos", ela se tornou a expressão ideal para dar título ao periódico cultural de Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos.
“Noigandres” foi uma publicação dos poetas do Grupo Ruptura, cuja proposta artística se caracterizava pela experimentação de linguagens e pela inovação estética. “Experimentar” seria a palavra de ordem do movimento concretista na poesia, que ia na contramão dos processos criativos da geração pós-modernista, preocupada mais com o conteúdo do que com as construções formais.
A publicação de Pignatari e dos irmãos Campos valorizava a poesia e a criação de verdadeiros “inventores”, interessados em subverter as normas e as estruturas de produção artística vigentes até então. Em suas cinco edições, entre 1952 e 1962, “Noigandres” consolidou-se como um espaço próprio para a experimentação desses novos poetas e artistas e para a divulgação de seus trabalhos.
Dionysos
Publicação fundamental para o desenvolvimento de estudos e críticas sobre o teatro brasileiro, a revista “Dionysos” foi lançada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1953. Seu intuito era incentivar a reflexão sobre a produção teatral nacional, divulgar textos da dramaturgia, documentar as peças montadas e contribuir para a preservação da memória dos palcos.
Ciente das dificuldades enfrentadas pelos estudiosos da dramaturgia — não havia bibliografia sistematizada sobre o assunto —, o periódico dirigido por Adonias Filho encarregou-se de ampliar os espaços institucionais sobre o tema. A revista publicava artigos sobre as variadas manifestações teatrais no Brasil e, com isso, pretendia estimular a discussão crítica sobre os movimentos empreendidos pelos grupos e companhias de teatro nacionais.
A partir da década de 1970, o caráter monográfico de “Dionysos” rendeu edições especiais, que abordavam movimentos específicos da história do teatro brasileiro. Esses números combinavam críticas especializadas e reportagens originais sobre peças dos diferentes movimentos. Alguns dos grupos abordados pela “Dionysos” nessas edições especiais foram o Teatro do Estudante/Teatro Universitário, o Teatro Brasileiro de Comédia, o Teatro de Arena, o Teatro Oficina e O Tablado.
Revista de Cinema
Uma publicação destinada a suprir a carência de textos reflexivos e críticos sobre a produção cinematográfica brasileira e internacional — essa era a intenção de Cyro Siqueira, Jacques do Prado Brandão, José Roberto Duque Moraes e Guy de Almeida ao criar a “Revista de Cinema”, publicada em Belo Horizonte, a partir de 1954, como um desdobramento do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC). Ela teve duas fases de circulação, totalizando 29 edições: a primeira, de 1954 a 1957, e a segunda, de 1962 a 1964.
Já no lançamento, Cyro Siqueira deixava claro que a revista pretendia ocupar uma posição-chave na crítica cinematográfica brasileira, até então limitada a dois extremos: textos curtos em jornais diários ou ensaios longos publicados esporadicamente. Com seu forte enfoque analítico e crítico, a “Revista de Cinema” contribuiu para ampliar e consolidar a crítica cinematográfica no país, apontando novas formas de ver e entender essa arte. Entre os principais colaboradores da publicação estavam Silviano Santiago, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Paulo Emílio Sales Gomes e Maurício Gomes Leal.
Em sua primeira fase, os artigos da revista defendiam o neorrealismo italiano do pós-guerra e propunham a revisão dos conceitos críticos predominantes na época, pois julgavam que as abordagens tradicionais não eram capazes de compreender as novas formas de produção cinematográfica.
Na segunda fase, a “Revista de Cinema” antecipou o papel fundamental da Nouvelle Vague francesa para o cinema mundial e discutiu a produção de cineastas norte-americanos que só mais tarde seriam reconhecidos, como John Ford, Elia Kazan e Nicholas Ray. Outra corrente prontamente acolhida nas páginas da publicação foi o Cinema Novo brasileiro, a partir das obras de Paulo César Saraceni e Glauber Rocha.
Revista da Música Popular
Em sua breve existência, a “Revista da Música Popular” teve papel fundamental em nossa crítica musical. Discutindo temas importantes da música popular brasileira, quase sempre bastante atuais — como a morte de Cármen Miranda, que mereceu uma edição especial em 1955 —, os fundadores da publicação, Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes, buscaram valorizar a produção nacional. Esse trabalho tinha como foco os compositores, intérpretes e músicos responsáveis pelo extraordinária diversidade e riqueza da música popular no Brasil.
No editorial do primeiro número, os fundadores afirmaram: “A ‘Revista da Música Popular’ nasce com o propósito de construir. Aqui estamos com a firme intenção de exaltar essa maravilhosa música que é a popular brasileira”.
As 14 edições da “Revista da Música Popular”, que circularam entre 1954 e 1956, reuniram extenso grupo de colaboradores das áreas da literatura e da pesquisa musical — como Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Jorge Guinle, Ari Barroso, Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, entre outros —, que fizeram do periódico uma referência para a imprensa musical nacional.
Módulo
Criada em 1955 pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a revista “Módulo” consagrou-se como uma das mais relevantes publicações brasileiras sobre arquitetura. Além de abordar temas específicos relacionados à arquitetura e ao urbanismo, ela abriu espaço para arte, cinema e design. Integravam sua direção e redação nomes importantes do cenário cultural brasileiro, como Lúcio Costa, Joaquim Cardoso, Rubem Braga, Flávio de Aquino, Hélio Uchoa, Carlos Leão, Oswaldo Costa e José de Souza Reis.
“Módulo” foi um veículo essencial para que seu fundador defendesse os conceitos orientadores de suas obras, que ganharam o mundo logo depois da Segunda Guerra Mundial. Em uma época de pouca ênfase nas inovações arquitetônicas, devido ao conflito que arrasara a Europa, os projetos de Niemeyer tiveram grande impacto e despertaram muita polêmica.
“Módulo” foi duramente perseguida pela ditadura militar. Um ano depois do golpe, a revista deixou de circular. Renasceu em 1975, paralelamente à luta pela redemocratização do país. “Módulo”, cujo projeto gráfico tornou-se um marco na imprensa brasileira, deixou de existir definitivamente em 1989.
Norte
Entre fevereiro e agosto de 1952, foram às bancas de Belém (Pará) as únicas três edições da revista “Norte”, que, sob a direção do filósofo e crítico literário Benedito Nunes e do poeta Max Martins, promoveu uma reflexão sobre a vida cultural paraense.
Importante expoente do pensamento cultural do Norte brasileiro na década de 1950, a revista publicou, em seus três números, contos, traduções, poemas e capítulos de romances, além de resenhas e artigos sobre literatura, política, cinema e teatro.
Um dos colaboradores da “Norte” foi o crítico, poeta e tradutor piauiense Mário Faustino, que na última edição assinou o poema “No Trem, pelo Deserto” (1952) e a tradução de “Poema sobre o Sábado de Aleluia”, do autor norte-americano Robert Stock, que, na época, morava em Belém.
Senhor
A publicação mensal “Senhor” já deixava claro, no próprio nome, quem era seu público-alvo: os senhores que apreciassem o design sofisticado e inovador, ou seja, homens viajados, interessados em cultura, progressistas, bem-humorados e maduros. Essa estética particular, que inseriu a “Senhor” na vanguarda dos periódicos da imprensa brasileira, condizia com o contexto do período em que suas 59 edições foram às bancas.
Modernização, bossa nova, concretismo e a construção de Brasília foram alguns dos elementos que provocaram, em amplos setores da intelectualidade, um sentimento crescente de que enfim o país ocuparia um lugar entre as nações desenvolvidas. Por seu projeto gráfico inovador e pela excelência do conteúdo, “Senhor” ainda é lembrada como um dos principais símbolos daquele momento em que o brasileiro confiava na modernidade e no progresso do país.
Editada no Rio de Janeiro entre março de 1952 e janeiro de 1964, “Senhor” foi idealizada por Nahum Sirotsky, primeiro redator-chefe e editor da revista. Sua equipe reunia profissionais capazes de se apropriar das influências de publicações internacionais — como “Esquire” e “The New Yorker” — para produzir uma revista orgulhosamente brasileira.
O editor-assistente era Paulo Francis; o editor-assistente-executivo e autor de várias matérias (não assinadas) e seções bem-humoradas, Luiz Lobo; o diretor de arte, o artista plástico Carlos Scliar, ao lado de Glauco Rodrigues e do cartunista Jaguar.
Além dos temas tradicionalmente abordados pelas revistas masculinas — economia, política, cultura e entretenimento —, “Senhor” tinha forte presença na ficção. Renomados autores brasileiros, como Jorge Amado, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Nelson Rodrigues, e estrangeiros, como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Franz Kafka, Vladimir Nabokov e Jorge Luis Borges, tiveram seus textos publicados na revista, sob a forma de contos ou de traduções inéditas.
Moderna, inovadora, criativa e refinada, “Senhor” tornou-se um modelo de jornalismo cultural brasileiro numa época em que modernidade e progresso eram as palavras de ordem.