Um mundo dividido
Para muitos, a democracia era um sonho distante
Durante muito tempo, acreditou-se que era possível definir os países pelo nível de desenvolvimento (ou de subdesenvolvimento) a que estavam submetidos. Parecia que todos caminhos levavam a Roma — ou, pelo menos, a Londres, Nova York e Paris. Durante muito tempo, os homens acreditaram que a história era a mestra da vida e que todas as nações caminhavam em direção à civilização e à modernidade.
Essa ingenuidade não existe mais: as duas Guerras Mundiais desmitificaram a crença inabalável dos homens na razão. O mundo, a partir de 1945, parecia se dividir em três: o Ocidente, dito capitalista, dominado pelas leis do mercado; o Leste, comunista, onde o Estado tinha poderes mais alargados; e, enfim, o Terceiro Mundo, em que os países em desenvolvimento e periféricos estavam amarrados entre si pelo passado colonial.
Nesse cenário fragmentado, a América Latina parecia manter certa unidade, no que diz respeito a seu modo de desenvolvimento e suas formas de mobilização social. Uma América Latina que se produzia e se destruía, atravessada por sublevações populares que se alimentavam da esperança revolucionária — quase sempre interrompidas por bruscos golpes militares. O nacionalismo, a busca de certa identidade cultural e a luta contra o imperialismo norte-americano ou contra o comunismo fizeram do continente um pavio de pólvora.
Nos tempos da Guerra Fria, em que os Estados Unidos e a União Soviética disputavam a hegemonia política do mundo, a América Latina se reinventava, experimentava projetos e experiências políticas próprias de sua realidade histórica.
Foi o caso da Argentina de Perón e de Evita, que assumia uma “terceira posição” — nem a favor do “capitalismo selvagem”, nem do “comunismo ateu”. Foi o caso também da Guatemala, que pela primeira vez em sua história ousou questionar — pela democracia — o poderio da United Fruit Company, que era dona de quase toda a América Central. E foi assim também na República Dominicana do ditador Rafael Trujillo, cuja família possuía cerca de 70% das terras do país e chegou ao ponto de mudar o nome da capital, Santo Domingo, para Ciudad Trujillo.
Para muitos países, a democracia era ficção, um sonho distante, como no Paraguai, que, nas mãos de Alfredo Stroessner, viu milhares de compatriotas serem banidos, obrigados a viver e morrer longe de sua pátria. Já no caso da Bolívia, a democracia existia, mas era insuficiente: os camponeses indígenas precisaram pegar em armas e fazer uma revolução para ter a posse legal da terra que sempre lhes pertencera. E houve a Revolução Cubana, que, a meros 200 quilômetros da costa da maior potência capitalista, transformou-se num novo paradigma para as esquerdas do mundo.
Não por acaso, o realismo mágico nasceu na América Latina. Quando Gabriel García Márquez foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1982, fez um desabafo:
Nós, criaturas daquela realidade desaforada, tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável.
A história da América Latina entre os anos 1945 e 1964 parece não desmentir o escritor colombiano.