Uma capital no interior
Precedentes históricos de um sonho realizado
Brasília foi sonhada durante mais de dois séculos, com projetos esboçados ainda na fase colonial. Uma capital no interior do país garantiria a soberania nacional sobre os vastos territórios despovoados e mal-explorados, proporcionaria mais segurança política e, principalmente, interiorizaria o desenvolvimento, até então restrito ao litoral.
José Bonifácio de Andrada e Silva, presidente da Assembleia Constituinte de 1823, incluiu a mudança da capital entre as prioridades nacionais. A Assembleia, porém, foi dissolvida pelo imperador Pedro 1º, e o assunto só seria retomado em 1891, na primeira Constituição da República, que fixou como meta a transferência da capital. Disso resultou, em 1892, a criação da Missão Cruls — grupo de 21 cientistas, técnicos e engenheiros chefiado pelo geógrafo belga Louis Cruls e encarregado de explorar e conhecer a região. O grupo demarcou uma área de 14,4 mil quilômetros quadrados, chamado de “Quadrilátero Cruls”, que abrigaria o futuro Distrito Federal. O relatório, entretanto, foi engavetado.
O presidente Getúlio Vargas debruçou-se duas vezes sobre a ideia. Primeiro no Estado Novo, quando lançou, na década de 1940, a Marcha para o Oeste, mas acabou cedendo a outras prioridades. A proposta reapareceria no artigo 4º das Disposições Transitórias da Constituição de 1946. Em 1953, Getúlio, já presidente eleito, criou a “Comissão de Localização”, presidida pelo general José Pessoa, que iria a campo no turbulento ano de 1954, concluindo seus trabalhos já no governo de Café Filho. Pessoa alterou o quadrilátero fixado por Cruls.
Não foi acidental, portanto, o episódio apontado como decisivo para a realização do velho sonho. Candidato a presidente, Juscelino Kubitschek participava de um comício na cidade goiana de Jataí, em 4 de abril de 1955. Do meio do povo, um popular o interrompeu com uma pergunta: já que o candidato falava tanto em cumprir a Constituição, cumpriria o artigo que previa a mudança da capital para o Planalto Central? Era Toniquinho da Farmácia, então com 28 anos. Juscelino titubeou por um momento, mas assumiu o compromisso. Os técnicos que elaboravam seu Plano de Metas foram surpreendidos pela inclusão da chamada meta-síntese, a construção de Brasília em apenas quatro anos. Eleito, o presidente deu início à epopeia que seria uma das maiores provas da capacidade realizadora dos brasileiros.
Anos mais tarde, JK diria que o projeto só não foi barrado pela oposição porque a UDN apostava no fracasso da empreitada, cujo efeito seria seu enterro político.
Fragmentos da história de Brasília
Brasília foi construída entre 1956 e 1960. Durante quatro anos, a paisagem inóspita do Planalto Central brasileiro foi radicalmente alterada pela abertura de largas avenidas e quadras e pela construção de palácios e edifícios. Por trás dessa empreitada estavam vidas que para ali afluíram dos quatro cantos do país em busca de um objetivo comum: participar de um projeto que mudaria o Brasil e suas vidas. Operários, engenheiros, arquitetos, mestres de obra, prostitutas, famílias inteiras, todos com seus sonhos individuais, deram vida ao canteiro de obras e suas imediações.
Quem olha hoje para a metrópole moderna e cosmopolita talvez não consiga imaginar como foram os anos de sua construção. Naquele período, o presidente viveu entre o Catete — onde trabalhava, no Rio — e o Catetinho — a rústica estrutura de madeira no Cerrado, construída para servir de gabinete provisório da Presidência. É difícil presumir que uma cidade “paralela”, a Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante, tenha se iniciado de maneira voluntária, abrigando operários e alojamentos de construtoras, enquanto as obras avançavam. Quem vê o espelho tranquilo do lago Paranoá cortado por veleiros e lanchas não tem ideia de como ele se formou.
Neste Extra, essas e outras histórias são contadas em torno de oito eixos — Os criadores; O Catetinho; Os candangos; A Cidade Livre; Os tocadores de obras; O massacre da GEB; O conflito das capitais na canção popular; A inauguração —, e você terá acesso a fragmentos cotidianos da construção da cidade que seria conhecida como a “Capital da Esperança”.
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