A primeira observação de quem estuda o “coronelismo” é, natural e acertadamente, atribuí-lo à hegemonia social do dono de terras. Mas é preciso entender essa hegemonia apenas em relação aos dependentes de sua propriedade, que constituem o seu maço de votos de cabresto. Não é possível compreender essa hegemonia em relação a todo o município.
“Coronelismo, Enxada e Voto”, 1949
Quando se candidatou à cátedra de Ciência Política da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), Victor Nunes Leal definiu-se como um “rapazinho caipira de Carangola”. Mesmo não dominando nenhuma língua estrangeira nem tendo cursado sequer o mestrado, Victor se tornaria um dos mais originais intérpretes do Brasil, com suas reflexões sobre os vínculos entre a política municipal e os governos estaduais e federal durante a Primeira República. Seu livro "Coronelismo, Enxada e Voto: o Município e o Regime Representativo no Brasil", de 1949, escrutinou a realidade em que os donos de terras, os coronéis, controlavam os municípios com a conivência ou o descaso do Estado nacional.
Após concluir o curso secundário, mudou-se de Carangola (MG), onde nasceu em 1914, para o Rio de Janeiro, onde se diplomou em Direito pela FNFi, em 1936. Em 1939 trabalhou no gabinete do ministro da Educação, Gustavo Capanema, e em 1943 foi indicado para ocupar, interinamente, a cadeira de Ciência Política na Universidade do Brasil. Começou então a preparar a tese com que concorreria à titularidade da cátedra. Observando os concursos, constatou que os candidatos frequentemente escolhiam temas muito gerais e teóricos para seus trabalhos, optando por abordar a questão do município no sistema representativo brasileiro durante a Primeira República.
Na sua tese, defendida com êxito em 1948, sustentava que a falta de autonomia legal dos municípios convivia com a autonomia extralegal dos chefes políticos locais, gerando um sistema fundado na troca de favores entre líderes locais, estaduais e federais. O coronelismo confundia o público e o privado e extraía seu poder de um sistema representativo baseado no voto individual que se degenerava no “voto de cabresto”, em função da dependência socioeconômica dos eleitores do interior em relação aos coronéis. Diagnóstico feito, Victor Nunes Leal defendeu a ideia de que só com maior autonomia dos poderes legislativos e a descentralização do poder político se instauraria no Brasil um autêntico sistema de representação democrática.
Além de sua vasta produção intelectual — que inclui artigos, pareceres e súmulas, resultados de sua atuação no campo do Direito —, Victor teve uma notável trajetória política. Foi chefe da Casa Civil do governo Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1959, e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de 1960 até 1969, quando foi aposentado com base no AI-2.
Morreu no Rio de Janeiro, em maio de 1985.
Principal obra
Coronelismo, Enxada e Voto: o Município e o Regime Representativo no Brasil, 1949.