Intérpretes do Brasil

Roger Bastide

(Foto: Conteúdo Estadão AE)

Assim, o sociólogo que estuda o Brasil não sabe mais que sistema de conceitos utilizar. Todas as noções que aprendeu nos países europeus ou norte-americanos não valem aqui. [...] Seria necessário, em lugar de conceitos rígidos, descobrir noções de certo modo líquidas, capazes de descrever fenômenos de fusão, de ebulição, de interpenetração, noções que se modelariam conforme uma realidade viva, em perpétua transformação. O sociólogo que quiser compreender o Brasil não raro precisa transformar-se em poeta.
“Brasil, Terra de Contrastes”, 1957

Roger Bastide em 1938, ano em que chegou ao Brasil. (Foto: Conteúdo Estadão AE)

Roger Bastide foi “um pesquisador europeu no mundo dos trópicos”, como se definiu certa vez, afirmando que tal condição marcara profundamente suas reflexões sociais. O sociólogo francês chegou ao Brasil em 1938, com a missão francesa que implantou o curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP), e retornou à França em 1954. Ao longo de sua permanência no país, escrutinou temas como as religiões afro-brasileiras, a literatura nacional — de Machado de Assis a poetas negros como Cruz e Sousa — e os encontros culturais entre africanos, indígenas e europeus. Tornou-se um grande conhecedor e admirador da cultura, da arte e da produção intelectual dos brasileiros, dedicando-se compreender e interpretar o Brasil e seus impasses. Seus principais livros foram "Relações entre Negros e Brancos em São Paulo", com Florestan Fernandes, de 1955; "Brasil: Terra de Contrastes", publicado na França em 1957 e no Brasil em 1959; e "Sociologia do Folclore Brasileiro", de 1959.

Nascido em 1898, em Nîmes (França), Bastide estudou Letras na Universidade de Bordeaux e na Sorbonne. Pouco sabia sobre o Brasil quando aceitou integrar a missão de 1938, movido pelo desejo de estudar as “possessões afro-americanas” no país. Na USP, teve alunos que se destacariam nas ciências sociais, como Antonio Candido, Gilda de Melo e Souza, Paulo Emílio Salles Gomes e Florestan Fernandes. Ao chegar, encantou-se com o modernismo, conheceu as religiões de matriz africana e publicou uma série de artigos na imprensa paulista.

A partir de 1940 concentrou-se no estudo do sincretismo religioso, que preferia chamar de “interpenetração de culturas”. Em "Brasil: Terra de Contrastes", sustenta a tese de que a heterogeneidade cultural do país seria um fator de harmonização da sociedade brasileira, e não de desequilíbrio. Dialogando com o conceito de “antagonismo de contrastes”, de Gilberto Freyre, Bastide reitera a existência de um “Brasil africano”, que se faz sentir no folclore, no barroco e na literatura.

Na década de 1950, seu foco se voltou mais especificamente para as religiões de matriz africana e para a questão da mestiçagem. Coordenou, com Florestan Fernandes, o conhecido estudo da Unesco sobre a questão racial no Brasil.

Depois de seu retorno à França, onde manteve o Brasil em seu foco de estudos, voltou ao país em 1962, como professor visitante da USP, e em 1973, a convite da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Morreu na França em 1974.

 

Principal obra 

Brasil: Terra de Contrastes, 1959.

Brasil, terra de contrastes, de Roger Bastide