Resistência à ditadura de Alfredo Stroessner
De 1869 a 1904 o Paraguai teve 14 presidentes, e cada um governou o país durante, em média, dois anos e meio. De 1905 até 1912, nenhum deles conseguiu cumprir integralmente seu mandato — os que não foram depostos acabaram assassinados. Nem mesmo depois da vitória contra a Bolívia na Guerra do Chaco, em 1935, o Paraguai conseguiu superar sua instabilidade política. Entre 1948 e 1949, o governo foi substituído quatro vezes.
Como consequência dessa alternância, a economia ia mal, e o país pouco conseguia se modernizar, sendo obrigado a recorrer frequentemente aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI). A inflação crescia de forma exorbitante, levando milhares de paraguaios a abandonar o país com destino a Argentina, Brasil e Uruguai, em busca de melhores condições de vida.
Essa era a situação política e econômica do país, quando, em agosto de 1954, o general Alfredo Stroessner assumiu a Presidência e iniciou uma das ditaduras mais sólidas e duradouras da América Latina, que só terminaria em 1989.
Uma das características marcantes da ditadura de Stroessner foi o uso da repressão, orientada pela doutrina norte-americana de segurança nacional, cujo objetivo era o combate às esquerdas na América Latina. Assim que chegou ao poder, ele tratou de eliminar a oposição dentro do Partido Colorado, do qual era membro, e das outras forças políticas, organizadas principalmente em torno do Partido Liberal (PL) e do Partido Revolucionário “Febrerista” (PRF). Para isso, fechou o Congresso, proibiu manifestações de rua e decretou estado de sítio. Milhares de opositores foram exilados. Depois vieram o controle dos meios de comunicação e a extinção dos partidos políticos: o Paraguai pagaria caro para alcançar uma relativa estabilidade política.
Com um discurso anticomunista afiado e a estratégia de usar a repressão na lógica de uma guerra preventiva deram ao ditador a aura de defensor dos princípios democráticos e cristãos. Para manter uma fachada de legalidade, as eleições eram convocadas como de costume, mas a máquina eleitoral criada por Stroessner era efetiva: os resultados eram sempre favoráveis ao Partido Colorado e a seu eterno candidato à reeleição. Nesse cenário surgiram, entre 1959 e 1960, os dois principais movimentos de resistência armada ao governo: o Movimento 14 de Maio (M-14) e a Frente Unida de Libertação Nacional (Fulna).
O M-14 teve sua origem ligada à experiência do exílio. Articulada na Argentina por militantes dos partidos Liberal e Febrerista, tinha como prioridades depor pelas armas o presidente Stroessner e permitir o regresso dos exilados. O M-14 organizou duas tentativas de invadir o Paraguai e chegar ao poder.
A primeira foi em dezembro de 1959, quando guerrilheiros liderados por Juan José Rotela entraram no país pela fronteira argentina, com a missão de tomar as prefeituras e conquistar o apoio da população. Entretanto, foram identificados enquanto atravessavam o rio Paraná, e quase todos foram mortos pela polícia.
A segunda tentativa foi em junho de 1960, quando alguns sobreviventes insistiram, mais uma vez, em entrar no país, dessa vez pela fronteira do atual estado do Mato Grosso do Sul, no Brasil. Novo fracasso: presos pelo Exército brasileiro, os trinta militantes foram fuzilados sumariamente na fronteira entre os dois países. O M-14 estava derrotado.
A Fulna foi uma organização fundada no Uruguai, mas dessa vez por iniciativa do Partido Comunista Paraguaio (PCP), com a mesma estratégia: unir forças para entrar no Paraguai e derrubar Stroessner. A estrutura, porém, se baseou na criação de dezenas de comitês comandados por Fabian Zaldívar Villagra e Lorenzo Arrúa, que estabeleceram contatos com militantes que viviam clandestinamente em Assunção, capital do Paraguai.
Os camponeses tiveram uma atuação destacada na Fulna, iniciando suas ações armadas em maio de 1960 com a Coluna Mariscal López. Organizaram um assalto ao povoado de Barrero Grande, próximo da capital do país, ocupando uma estação de rádio e a delegacia de polícia, onde obtiveram armas. A coluna era liderada por Arturo López, professor de origem camponesa que, com o pseudônimo de Agapito Valiente, tornou-se quase uma lenda no meio camponês.
Na Argentina, o comando organizava e treinava a Coluna Ytororó, principal agrupamento da Fulna e cujo objetivo era chegar à cordilheira de Ybytyruzú, na parte oriental do Paraguai, onde estabeleceriam o centro de operações da organização. Novamente, porém, o sistema repressivo de Stroessner tomou ciência dessas ações e matou 52 dos 54 integrantes da coluna.
Literatura
Livro: “Yo el Supremo” (1974)
Autor: Augusto Roa Bastos (1917-2005), Paraguai
Como era comum a tantos outros escritores do continente, Augusto Roa Bastos era considerado uma “persona non grata” em seu país. Exilado por 49 anos, escreveu sua obra mais importante, “Yo el Supremo” (1974), que se insere na tradição latino-americana de “novelas de ditadores” cujos principais autores são, além de Roa, Alejo Carpentier (“Recurso del Método”, 1974), Gabriel García Márquez (“El Otoño del Patriarca”, 1975) e Arturo Uslar Pietri (“Oficio de Difuntos”, 1976). Suas obras têm em comum os tiranos que desprezam a democracia, pisoteiam os direitos humanos e sustentam-se sobre um regime de terror.
O personagem central de “Yo el Supremo” é o ditador José Gaspar Rodríguez de Francia, que esteve na linha de frente da política paraguaia de 1816 até sua morte, em 1840. O romance é intencionalmente labiríntico, ordenado de forma caótica e não linear. Supostos “documentos históricos” se entrecruzam com conversas do ditador, citações de livros, anedotas. Francia aparece já velho, delirante em suas divagações megalomaníacas.
O romance de Roa Bastos sugere, a todo momento, um paralelo entre Francia e Stroessner, num país que pouco conviveu com a democracia ao longo de sua história.
Sugestões de leitura
- “Mario Pareda” (1939) — Gabriel Casaccia
- “Ceniza Redimida” (1950) — Hérib Campos-Cervera
- “Don Inca” (1965) — Ercilia López de Blomberg