O “Bogotazo”
Os anos de 1946 a 1957 foram um período tão turbulento na história da Colômbia que ficaram conhecidos como “la violencia". O país parecia ter o tamanho da fictícia Macondo, aldeia do romance “Cien Años de Soledad”, onde os dois principais partidos do país, o conservador e o liberal, se envolveram numa guerra civil que parecia interminável.
Ambos os partidos surgiram em meados do século 19. Os conservadores prezavam a manutenção das estruturas políticas consolidadas no período colonial, ao passo que os liberais eram mais abertos à modernidade. Os partidos se enfrentavam em distintas instâncias do poder e, não raro, seus projetos políticos se confundiam.
Em 1946, o político Jorge Eliécer Gaitán rompeu com o partido liberal e se lançou em uma candidatura independente nas eleições presidenciais. O caráter reformista de suas propostas logo foi abraçado pelas camadas populares: defendia, principalmente, a reforma agrária e a criação de uma legislação trabalhista e previdenciária, que resguardasse os trabalhadores.
Os conflitos começaram quando Gaitán perdeu as eleições e se tornou oposição radical ao presidente eleito, o conservador Mariano Ospina Pérez. Gaitán promoveu greves e manifestações, nas quais discursou em nome do povo mais humilde e de suas bandeiras políticas. O Estado reagiu com truculência: as mobilizações acabavam em massacres e demissões em massa.
Em 9 de abril de 1948, Jorge Eliécer Gaitán foi assassinado no centro de Bogotá por Juan Roa Sierra, que supostamente sofria de distúrbios mentais. A notícia foi recebida com revolta por amplos setores sociais, que enxergavam em Gaitán um líder político atento às necessidades populares e disposto a modernizar a Colômbia. Milhares de pessoas saíram às ruas para protestar. Era o início de uma grande rebelião popular que ficaria conhecida como “Bogotazo”.
Embora nada indicasse o envolvimento dos conservadores no assassinato de Gaitán, a população enfurecida atacou prédios, jornais e símbolos associados ao partido. De Bogotá, a violência se estendeu por diversos departamentos e cidades, como Cali, Remedios e Zaragoza. No departamento de Tolima, os gaitanistas, apoiados pelo Partido Social Democrata (PSD), organizaram uma frente armada composta por camponeses. A resposta dos conservadores foi violenta: quase dois mil camponeses foram massacrados pela polícia.
A partir de 1949, ainda sob o impacto do assassinato de Gaitán, lavradores e militantes ligados ao Partido Comunista Colombiano (PCC) passaram a organizar guerrilhas no interior do país. Os liberais também partiram para a ação armada contra o governo.
Enquanto a violência se acentuava nas cidades, também recrudesciam as lutas agrárias e a repressão no campo. Era a guerra civil. Do fim dos anos 1940 até o início da década de 1960, as guerrilhas comunistas multiplicariam suas ações e controlariam várias regiões no interior do país. O governo, controlado pelo Partido Conservador, não hesitaria em reprimir os opositores — fossem eles liberais, fossem comunistas.
Em 1953, o general Gustavo Rojas Pinilla, do Partido Conservador, tornou-se presidente do país após um golpe de Estado e passou a governar com o Exército, reprimindo fortemente as guerrilhas e tornando ilegal o PCC em 1956.
Em 1958, os conservadores e a direção dos liberais se aproximaram e criaram a Frente Nacional, com o objetivo inicial de formar um governo de coalização que pusesse fim à violência política. Mas não foram bem-sucedidos: setores liberais, insatisfeitos com a posição oficial de seu partido, criaram o Movimento Revolucionário Liberal, que se aliou aos comunistas e lançaria candidatos nas eleições de 1960 e 1962.
Após 1959, a Frente Nacional aumentou ainda mais a repressão aos movimentos populares e às forças de esquerda, receosos de que o movimento guerrilheiro, estimulado pela vitória da Revolução Cubana, instalasse o socialismo no país.
Durante dois governos de membros da frente — o liberal Alberto Lleras Camargo (1958-1962) e o conservador Guillermo Léon Valencia (1962-1966) —, o Exército colombiano acentuou o combate aos focos guerrilheiros. Em 1964, surgiriam as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), pregando a instalação de um Estado socialista no país por meio de ações guerrilheiras armadas.
Literatura
Livro: “El Día del Odio”, 1952
Autor: J. A. Osorio Lizarazo (1900-1964), Colômbia
Osorio Lizarazo possui uma extensa obra literária, dedicada sobretudo ao tema do abandono institucional e da degradação social dos trabalhadores urbanos. Foi um dos propulsores do gênero novela urbana na Colômbia e, ao longo de sua carreira jornalística, esteve próximo do dirigente revolucionário Jorge Eliécer Gaitán, cujo assassinato foi o estopim para o "Bogotazo".
No romance “El Día del Odio", o universo social colombiano é representado por uma personagem principal: a camponesa Tránsito, que chega à cidade grande em busca de melhores condições de vida. Em Bogotá, Tránsito enfrenta todos os tipos de humilhação, sendo descriminada por sua fala provinciana e por sua baixa condição social. Vivendo no submundo de uma cidade grande, Tránsito se aproxima dos núcleos operários, das prostitutas e dos ladrões.
Partindo de uma descrição quase naturalista, esse universo construído por Osorio Lizarazo representa a configuração da marginalidade social de Bogotá. Gaitán surge como o elemento aglutinador das classes oprimidas, capaz de fazer brotar, do ódio acumulado, o sentimento de rebeldia.
Tal como a morte de Gaitán, um acontecimento trágico ao final do livro interrompe esse processo de intensa mobilização das camadas populares.
Sugestões de leitura
- “La Vorágine” (1924) — José Eustasio Rivera
- “La Marquesa de Yolombó” (1928) — Tomás Carrasquilla
- “El Cristo de Espaldas” (1952) — Eduardo Caballero Calderón
- “La Casa Grande” (1962) — Álvaro Cepeda Samudio
- “Cien Años de Soledad” (1967) — Gabriel García Márquez
- “La Nieve del Almirante” (1986) — Álvaro Mutis