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Massacre de União de Jeová

Ecoporanga 1952 / 1953

Na década de 1940, impulsionados pela expansão da fronteira agrícola, centenas de camponeses chegaram a Ecoporanga, então distrito de Joeirana, numa região quase deserta no noroeste do estado. Em poucos anos conseguiram prosperar, o que atraiu o interesse de grileiros, pessoas que, para se apropriar de terras alheias, forjam títulos de propriedade.

Em pouco tempo, o conflito tornou-se extremamente violento, pois, como se tratava de uma área litigiosa – disputada por Minas Gerais e pelo Espírito Santo -, não havia intervenção efetiva de nenhum dos dois governos estaduais. Os grileiros derrubaram casas, incineraram plantações e mataram a criação. Prenderam lavradores e, depois de espancá-los, obrigaram-nos, sob ameaça de morte, a assinar documentos pelos quais abriam mão de suas propriedades.

Entre esses posseiros estava Udelino Alves de Matos, Natural de Alagoinhas (BA), ele havia chegado à região para lecionar numa escola, mas acabara se tornando lavrador. Por ser ali um dos poucos homens alfabetizados, além de muito religioso, Udelino passou a ajudar os outros camponeses no “entendimento das letras”, evitando, muitas vezes, que fossem enganados. Assim, em pouco tempo conquistou a simpatia e a confiança dos lavradores, assumindo uma posição de liderança.

Em 1945, Udelino foi enviado como representante oficial dos posseiros ao Rio de Janeiro, portando um documento com 866 assinaturas, para ser entregue ao presidente Getúlio Vargas. Retornou com a seguinte história: havia sido designado pelo presidente como "delegado de mata", cargo com autoridade para expulsar os grileiros da região e redistribuir as terras entre os camponeses.

Udelino passou então a construir uma “comunidade de posseiros”, bastante organizada, com administrador, fiscal de matas e lotes, secretário-geral, presidente, e claro, um delegado, responsável pela manutenção da ordem. Na prática, os camponeses, após recorrerem dezenas de vezes ao governo do estado, sem nenhuma ajuda, chegaram à conclusão de que só eles poderiam resolver seus problemas.

Com o apoio de centenas de trabalhadores, do deputado federal Wilson Cunha e do prefeito de Barra de São Francisco, Cristolino Cardoso, Udelino ordenou aos grileiros que deixassem a região. A reação não tardou. A pedido dos fazendeiros, destacamentos das polícias mineira e capixaba se deslocaram para o local, empreendendo uma verdadeira caçada aos posseiros.

O confronto final se daria em fevereiro de 1953, quando o major Djalma Borges, a mando do governador, Jones dos Santos Neves, cercou a “Casa de Tábua”, lugar de reunião dos posseiros. Sem encontrar resistência, a polícia prendeu mais de 30 camponeses, enquanto muitos fugiram pela mata, entre eles Udelino, de quem não se teve mais notícia.
Parte da historiografia atribui a esse movimento um caráter messiânico, afirmando que Udelino, católico fervoroso, tinha pretensões de fundar um novo estado, a União de Jeová, e construir uma “nova Canudos”.

Massacre de Cotaxé

Ecoporanga (Zona do Contestado) 1954 / 1964

No final da década de 1940, o então distrito de Ecoporanga (na chamada Zona do Contestado, área de litígio entre Minas Gerais e Espírito Santo) começou a receber desbravadores das frentes pioneiras: homens e mulheres que, em busca de um pedaço de terra, dispunham-se a colonizar regiões inóspitas, ainda cobertas por florestas, convivendo com animais selvagens e doenças. Milhares de famílias construíram ali suas vidas. Entretanto, na década seguinte, quando as terras se valorizaram, devido à expansão da pecuária e da indústria madeireira, dezenas de grileiros apareceram na região com falsos títulos de propriedade emitidos por cartórios de Minas Gerais.

Francisco Modesto era um desses grileiros. Apesar de ter apenas uma pequena área legalizada, requereu grandes extensões de terra, boa parte habitada por posseiros. Com apoio da Polícia Militar, desencadeou ações violentas para expulsar os antigos lavradores. Numa delas, policiais prenderam homens, mulheres e crianças, obrigando-os a dançar nus e a lamber as patas dos animais no curral.

Os posseiros que conseguiram escapar dirigiram-se a Vitória, capital do estado, onde denunciaram as arbitrariedades ao governador Francisco de Lacerda Aguiar, que garantiu que as terras eram capixabas e que eles poderiam voltar.

Nesse período, os camponeses começaram a se organizar, conquistando o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), já atuante na região. Dirigentes estaduais do partido, como Eneas Pinheiro e Hermes da Silva Freire, passaram a viajar constantemente a Cotaxé.

Com a ajuda dos sindicatos operários de Vitória, os camponeses organizam o 1º Congresso Estadual dos Lavradores, que deu grande visibilidade ao conflito de Cotaxé. No final do evento, foi criada a Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Espírito Santo (Altaes). Em 1960, quando foi trocado o governo do Espírito Santo, a questão das terras ainda não havia sido resolvida. Os grileiros voltaram a investir contra os lavradores, contando agora com um verdadeiro exército de jagunços. Deu-se então uma escalada de violência, e um dos líderes dos posseiros, Francisco Calazans Pinheiro, foi baleado em uma emboscada.

O atentado mobilizou os sindicatos rurais e urbanos de todo o norte do estado. Diante da repercussão, a Secretaria de Agricultura, Terras e Colonização iniciou o cadastramento dos posseiros da região a fim de realizar uma desapropriação por interesse social.

Os grileiros então mudaram de estratégia. Com o auxílio do juiz de Nanuque, forjaram processos por assassinato contra os líderes do movimento, que foram presos e brutalmente torturados. O dirigente da ALTAES José da Cruz, não podendo ser incriminado, foi assassinado.

Em 1961, o grileiro Francisco Modesto vendeu as terras – tanto as legalizadas quanto as não legalizadas – para o baiano Lamartine Loureiro, que declarou guerra aos posseiros. Com o apoio de um destacamento da Polícia Militar, Lamartine enviou um agrimensor às glebas dos posseiros, estes porém impediram a medição das terras e a reação da polícia veio imediatamente: vários posseiros foram mortos.

Após o golpe de 1964, o Partido Comunista foi desarticulado e aumentaram as perseguições contra os posseiros. Muitos acabaram partindo em busca de outras terras em Mato Grosso, Rondônia e Paraná.