Democracia de massas

Iguais perante a lei

A base da democracia é o voto, e todos os brasileiros são iguais perante a lei. A Constituição aprovada depois do Estado Novo proclamou claramente esses princípios. E os brasileiros acreditaram neles. No lugar dos acordos e conchavos entre os donos do poder — barões do café, grandes pecuaristas, coronéis do cacau e senhores de engenho que dominaram a República Velha —, entrava em cena a disputa pelos corações e mentes do eleitorado.

Cresce o número de eleitores e incorporam-se novos setores sociais

O primeiro impacto da mudança foi quantitativo, com um crescimento significativo do número de eleitores.

Em 1930, apenas 1,83 milhão havia ido às urnas escolher entre Júlio Prestes e Getúlio Vargas. Em 1945, o número de eleitores que optaram entre o general Dutra, o brigadeiro Eduardo Gomes e o engenheiro Iedo Fiúza foi três vezes maior: 5,87 milhões.

Esses números continuariam a crescer nas eleições presidenciais seguintes: foram 8,255 milhões em 1950, 9,1 milhões em 1955 e 12,586 milhões em 1960. Ou seja, o eleitorado brasileiro aumentou quase seis vezes em apenas 30 anos.

Nas eleições de 1930, apenas 5% dos 37 milhões de brasileiros foram às urnas. Em 1945, o percentual quase triplicou: 13% dos 46 milhões de habitantes do país votaram para presidente da República.

Essa proporção também subiu nos pleitos que se seguiram: 17% em 1950 e 18% em 1960.

A nova cara do eleitorado

O crescimento do eleitorado não decorreu apenas do aumento populacional, mas também da incorporação de novos segmentos da sociedade à vida política, notadamente as mulheres e a classe trabalhadora.

Com a entrada em cena de novos eleitores, oriundos de diferentes estratos sociais, tornou-se impossível manter o antigo jogo político, restrito ao círculo das oligarquias.

Quem quisesse governar teria de conquistar novas fatias do eleitorado, a começar pelas mulheres, cujo direito de voto fora reconhecido com a aprovação do Código Eleitoral de 1932 — mas só puderam exercê-lo numa eleição presidencial após o fim do Estado Novo, 13 anos depois.

Além das mulheres, também a classe média ganhou relevância política e passou a influir diretamente nos ânimos e rumos da vida nacional. O fenômeno já havia começado com o tenentismo, na Primeira República, e se intensificado, na Revolução de 1930, com o surgimento da Aliança Nacional Libertadora (à esquerda) e da Ação Integralista Brasileira (à direita). Após a queda de Getúlio Vargas, no entanto, a classe média conquistou ainda mais protagonismo, com a fundação da União Democrática Nacional (UDN).

Os novos atores incorporados à cena política, porém, não se limitaram às camadas intermediárias da sociedade. O processo foi muito além. Lutando por melhores salários, fazendo greves, escolhendo candidatos, filiando-se a partidos e participando do debate político, os trabalhadores ocuparam seu lugar na cena política nacional.

No Estado Novo eles já tinham embarcado no bonde de São Januário para ir ao trabalho (como dizia o samba de Wilson Batista e Ataulfo Alves), conquistaram direitos trabalhistas e um primeiro status de cidadania. Dessa vez, nos embates políticos, eles se deram conta de que, para ir mais longe e exercê-la com plenitude, precisavam influir na eleição de representantes e governantes sintonizados com seus problemas e aspirações.

Os três grandes partidos

Fundados no primeiro semestre de 1945, três grandes partidos dominariam a cena política brasileira pelos 19 anos seguintes: Partido Social Democrático (PSD), União Democrática Nacional (UDN) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

É certo que outras legendas, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), também teriam influência nas disputas políticas, mas sempre na condição de coadjuvantes.

Nas eleições parlamentares de 1945, o PSD conquistou 151 das 268 cadeiras em disputa na Câmara dos Deputados. A UDN elegeu 77 deputados, e o PTB, 22.

O grande fenômeno eleitoral do período foi o crescimento contínuo e intenso do PTB. Amparado na participação crescente dos trabalhadores na vida política nacional, a legenda quase quintuplicaria seus assentos na Câmara dos Deputados em menos de 20 anos, enquanto o PSD e a UDN apenas manteriam suas posições. Veja os números de deputados eleitos pelos três partidos nas eleições de 1950, 1954, 1958 e 1962:

1950
PSD — 112
UDN — 81
PTB — 51

1954
PSD — 114
UDN — 74
PTB — 56

1958
PSD — 115
UDN — 70
PTB — 66

1962
PSD - 118
UDN — 91
PTB — 116

1962
PSD - 118
UDN – 91
PTB – 104

Intolerância

com a democracia

Os setores conservadores da sociedade reagiram muito mal à crescente participação política dos trabalhadores e das camadas populares. Sem propostas para lidar com as demandas da maioria da sociedade e sem compromisso com os valores fundamentais da democracia, os conservadores logo passaram a questionar os resultados eleitorais e a apelar para quarteladas e golpes de Estado.

Para atingir esse propósito, buscaram conquistar apoio dentro das Forças Armadas, especialmente nos altos-comandos. E foi assim que, de 1954 a 1964, o país enfrentou quatro tentativas de golpe desfechadas pelas cúpulas militares, além de sublevações menores e movimentos abertos de indisciplina. Na maioria dos casos, esses motins tiveram o apoio ostensivo da União Democrática Nacional (UDN), especialmente dos seguidores do jornalista e deputado Carlos Lacerda, que depois se elegeria governador do novo estado da Guanabara.

Em 1954, o golpe só não foi vitorioso porque o suicídio de Getúlio Vargas provocou uma imensa comoção nacional, que obrigou os chefes militares a recuar. Em 1955, os comandos da Marinha e da Aeronáutica levantaram-se contra a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, mas foram derrotados pela ação fulminante do Exército, comandada pelo general Henrique Lott, que prendeu os golpistas e assegurou o respeito às urnas.

Em 1961, os golpistas tentaram impedir que o vice-presidente João Goulart assumisse a Presidência, vaga com a renúncia de Jânio Quadros, como mandava a Constituição. Não contavam com a resistência comandada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que conclamou o país a defender a legalidade. O país chegou à beira de uma guerra civil. Diante do impasse, os golpistas recuaram.

Voltariam à carga, porém, em 1964 — e desta vez seriam bem-sucedidos. Com o apoio do governo dos Estados Unidos, as Forças Armadas depuseram o presidente João Goulart e instauraram no país uma brutal ditadura militar, mergulhando o país na mais longa e terrível noite de sua história.

 

A linha do tempo do golpismo

1954: Manifesto dos Coronéis — Por considerar intolerável uma proposta de reajuste de 100% do salário mínimo, 82 coronéis e tenentes-coronéis assinaram um manifesto segundo o qual esse aumento representava um desprestígio para as Forças Armadas, além de abrir caminho para a instalação do comunismo. Getúlio exonerou o autor da proposta e forçou a demissão do ministro do Trabalho, João Goulart, mas manteve o reajuste.   

1954: Suicídio de Vargas — No começo de agosto, o deputado Carlos Lacerda, da UDN, foi vítima de um atentado na rua Tonelero, no Rio de Janeiro, e levou um tiro no pé. O major da Aeronáutica Rubem Vaz, que fazia sua segurança, morreu no ataque. As investigações conduzidas pelos oficiais da Força Aérea descobriram o mandante da ação: Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente, que nada sabia. Os oficiais-generais da Aeronáutica, da Marinha e, depois, do Exército deram um ultimato a Getúlio, exigindo sua renúncia. O presidente, porém, cumpriu a palavra dada no início da crise, de que só sairia morto do palácio do Catete: na manhã do dia 24, matou-se com um tiro no peito. Uma fúria popular tomou conta das ruas do país, obrigando os golpistas a recuar.

1955: Novembrada — Diante da articulação golpista dos ministros da Marinha e da Aeronáutica, com participação da UDN, para impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, o ministro da Guerra, general Henrique Lott, comandou um contragolpe preventivo, com o objetivo de “assegurar a manutenção do quadro constitucional vigente”. Numa ação fulminante, Lott prendeu os chefes militares que conspiravam contra a democracia e garantiu a posse de JK, impondo assim o respeito à vontade popular expressa nas urnas.

1956: Revolta de Jacareacanga — Já no primeiro mês de mandato, Juscelino Kubitschek enfrentou uma revolta de militares insatisfeitos com sua eleição. Em 11 de fevereiro, o major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão, ambos da Aeronáutica, tomaram um avião militar no Rio de Janeiro e voaram para a base de Jacareacanga, no Pará. A partir desse quartel-general, os revoltosos dominaram localidades próximas, como Aragarças (GO), Santarém, Cachimbo, Itaituba e Belterra (PA). O movimento chegou ao fim em dia 29 de fevereiro, com a intervenção das tropas legalistas.

1959: Revolta de Aragarças — No dia 2 de dezembro, dezenas de militares e civis, sob a liderança do tenente-coronel João Paulo Burnier, deflagraram o movimento que tinha como objetivo derrotar o comunismo supostamente infiltrado no governo. Do Rio de Janeiro partiram três aviões militares e uma aeronave comercial da Panair, sequestrada pelos rebeldes. Um quinto avião, particular, decolou de Belo Horizonte. Os revoltosos se instalaram em Aragarças (GO), de onde pretendiam decolar para bombardear os palácios das Laranjeiras e do Catete, no Rio. A revolta foi debelada em 36 horas.

1961: Golpe contra a posse de Jango — No final de agosto, o presidente Jânio Quadros, empossado havia sete meses, renunciou ao cargo, surpreendendo o país. O vice-presidente João Goulart, que, segundo a Constituição, deveria assumir a Presidência, encontrava-se em missão na China. Os ministros militares anunciaram então seu veto à posse de Jango e proibiram-no de retornar ao Brasil. Não contavam, porém, com a reação do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que se levantou em armas para garantir o respeito à Constituição. Comandando uma cadeia de rádios pela legalidade, Brizola chefiou a reação do país, recebeu o apoio do comandante do 3º Exército, sediado no sul, e deflagrou um movimento nacional de respeito à Constituição. Diante da iminência de uma guerra civil, os comandantes militares tiveram de recuar. Jango retornou ao Brasil e tomou posse, mas com os poderes reduzidos pelo sistema parlamentarista de governo, recém-implantado pela aprovação às pressas de uma emenda — e que seria derrubado dois anos depois, num plebiscito.

1964: Deposição de Jango — Em 1964, os chefes militares seriam bem-sucedidos em sua quarta tentativa de golpe de Estado. A ditadura militar surgida do golpe — desfechado com apoio dos Estados Unidos, que chegaram a enviar sua 4ª Frota da Marinha para dar apoio aos golpistas — duraria 21 anos.

O som da propaganda eleitoral

A disputa por votos num eleitorado bem maior e diverso trouxe uma novidade: as músicas de propaganda eleitoral, que em pouco tempo se transformariam nos breves e marcantes jingles. Produzidas por encomenda, elas cantavam as propostas dos candidatos, com o objetivo de arrebatar a simpatia dos eleitores.

Inicialmente, as músicas de propaganda eleitoral tinham duração aproximada de três minutos e eram cantadas nas reuniões em geral, como festas e comícios, e transmitidas pelas rádios e alto-falantes nas ruas. Ao contrário dos jingles de 30 segundos que passariam a predominar a partir dos anos 1950, a intenção dessas canções não era tanto fixar ideias e slogans, mas principalmente animar as manifestações, mobilizar partidários e chegar ao ouvido de uma sociedade que se descobria intensamente política.

Canções e seus candidatos
1. O Alfabeto Tem 25 Letras (Getúlio Vargas, 1950)
2. Vou Votar em Madureira (Ademar de Barros, 1955)
3. Baião do Juarez (Juarez Távora, 1955)
4. Sai Governo, Entra Governo (Ademar de Barros, 1955)
5. Quero Dizer Neste Coco pra Você (Jânio Quadros, 1960)
6. Vamos Ganhar (Teixeira Lott e João Goulart, 1960)