Na imaginação cultural brasileira, poucas figuras foram tão agudas como Abdias do Nascimento. Poeta, pintor, intelectual, dramaturgo e ator, Abdias proclamou a negritude como identidade e lutou para que o Brasil fizesse o mesmo. A tônica de sua obra foi fazer o Brasil reconhecer-se e assumir suas históricas e permanentes contradições raciais, refinando, ao mesmo tempo, seu senso estético.
Nas produções do Teatro Experimental do Negro (TEN), heróis e personagens, como Otelo, Orfeu e Jesus, eram negros. Em um país como o Brasil, passar graxa preta no rosto de um ator branco para compor um personagem “de cor” significava expor o racismo enraizado (e disfarçado) na sociedade brasileira. Segundo Abdias, “o TEN existiu como um desmascaramento sistemático da hipocrisia racial que permeia a nação”.
Além de grupo de encenação teatral, o TEN era um espaço de conscientização e tomada de posição política. Em sua trajetória, lançou luz sobre a negritude, assumindo-a como substância imprescindível à composição da cena cultural brasileira e ao aprimoramento da democracia.
Nélson Rodrigues foi um mestre na arte de quebrar barreiras morais e estéticas. Apontando fraquezas e atiçando feridas, teatralizou crueldades e mesquinharias incrustadas na cultura brasileira. “Anjo Negro”, peça escrita em 1946, trouxe cenas e personagens — como a criança que não queria mais ser negra — que fizeram refletir sobre a condição do negro e a chaga do racismo na sociedade brasileira.
Segundo Nélson Rodrigues, o negro aparecia no teatro apenas como “moleque gaiato”. Questionado se havia de fato “preconceito de cor no Brasil”, ele respondeu que, desde criança, lia e ouvia a negativa dessa afirmação, sob argumentos que ele achava bastante discutíveis:
“Afirma-se, por exemplo, que aqui não se lincham negros e nos Estados Unidos sim. De acordo. Mas não vejo em que isso prove coisíssima alguma. O preconceito pode ter milhões de outras maneiras de se manifestar, maneiras menos agressivas, menos contundentes e, no entanto, com uma crueldade não pequena”.
A peça marcaria definitivamente a imaginação brasileira, pois o drama se incorporava à vida de cada espectador.
Para muitos, um dos símbolos mais fortes da brasilidade era o malandro carioca, personagem de forte presença em nosso imaginário. Sempre de terno de linho, chapéu e gravata de cores vivas, avesso aos vínculos — empregatícios ou amorosos —, mestre da navalha e, principalmente, dono de uma ginga que lhe preservava a liberdade, o malandro era a encarnação do individualismo.
Em 1957, Paulo Francis resolveu dar vida a um texto de Antônio Callado e dirigiu “Pedro Mico”, peça em que o malandro adquire potencial revolucionário. Suas impossíveis escapadas da polícia, na visão da amante, seriam sinal de corpo fechado. Para ela, se Pedro tomasse consciência de sua classe — não a dos malandros, mas a dos favelados —, poderia, com sua astúcia e talento, liderar a luta contra o criminoso de luxo que morava ao lado dos “castelos de pobreza” onde viviam.
No final da peça, Pedro Mico, ao ser questionado se já cogitara liderar essa revolução contra a desigualdade social, responde: “Não. Mas vou pensar”.