A respeito de sua peça “A Moratória”, Jorge Andrade declarou: “Nunca tive nem tenho a pretensão de inovações. Desejo apenas guiar-me, sinceramente, pelos exemplos e lições que a realidade brasileira a cada passo nos apresenta”. Sua preocupação, ao escrever “A Moratória” em 1954, era expor sua visão sobre uma decisiva passagem da história brasileira: a crise econômica de 1929, a Revolução de 1930, a decadência da elite cafeeira e a transição de um país rural para uma sociedade urbana.
Dois planos e tempos dividem o palco: no segundo plano, à esquerda, a ação se passa numa fazenda em 1929; no primeiro plano, à direita, numa pequena cidade perto da fazenda, alguns anos depois. A montagem apresenta engenhosidade cênica: une, no mesmo palco, os espaços rural e urbano, enquanto manuseia o passado e o presente de modo a se tornarem a mesma temporalidade.
Jorge Andrade estabelece em “A Moratória” uma narrativa histórica que revela, num quadro verossímil, rastros das raízes do Brasil. Ao encenar a crise do mundo rural e o surgimento de uma nova estrutura social, o autor demonstra que, todavia, tal transformação não significou uma evolução moral.
Em 1959, um grupo de profissionais da elite teatral brasileira fundou uma das mais importantes companhias da dramaturgia nacional: o Teatro dos Sete, que acabariam reduzidos a cinco: o diretor italiano Gianni Ratto e os atores Fernando Torres, Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e Sergio Britto. Após estrondosos sucessos e alguns fracassos, o grupo encomendou a Nélson Rodrigues um novo texto — e surgiu “O Beijo no Asfalto”.
De caráter realista, o enredo desta “tragédia de costumes” é aparentemente simples: o personagem Arandir presencia um atropelamento fatal. No asfalto, o atropelado revela seu último desejo: um beijo, mesmo que seja de um estranho, como despedida da vida. Arandir, num gesto “extremamente humano”, atende ao pedido, mas a cena é fotografada por um repórter sensacionalista que não hesita em produzir matérias mentirosas para vender jornal. Outro que testemunha a cena é Aprígio, sogro de Arandir, que desfia sua homofobia ao longo da trama, mas no final mata o genro, por quem era secretamente apaixonado.
A peça expôs a hipocrisia da burguesia carioca, cujo tabu em relação à homossexualidade camuflava recalques mesquinhos, mantidos sob máscaras e maquiagens.
Fundado em 1948 pelo empresário italiano Franco Zampari, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) estabeleceu novos parâmetros — profissionais, estéticos e seletivos — para a dramaturgia nacional, tornando-se a principal referência de qualidade na produção de grandes espetáculos. Seus diretores eram inicialmente trazidos da Europa, até que Flávio Rangel, então com 25 anos, foi escolhido por Zampari em 1960 para assumir a direção da companhia.
A despeito de ser um diretor-prodígio, sua escolha fora uma imposição de Dias Gomes, autor da próxima peça a ser encenada pelo TBC — “O Pagador de Promessas”. O autor via em Rangel um ilustrador das coisas nacionais, capaz de dar vida à sua visão imaginativa do Brasil. O jovem diretor, por sua vez, identificava no texto de Dias Gomes uma criação “brasileiríssima”, “uma peça que respira Brasil”.
A arquitetura dramática de “O Pagador de Promessas” buscou, de fato, construir um herói nacional com a humildade, perseverança e pureza de seu personagem, Zé do Burro. Essa representação do povo brasileiro é ambientada na Bahia, lugar de encontros, de sincretismos religiosos e de fertilidade cultural — um retrato do Brasil.