“A Bossa Nova estava destinada a viver pouco tempo”, afirmou Carlos Lyra em novembro de 1962. “Era apenas uma forma musicalmente nova de repetir as mesmas coisas românticas e inconsequentes que vinham sendo ditas há muito tempo. Não alterou o conteúdo das letras. O único caminho é o nacionalismo”. Ao fazer essa declaração, Carlos Lyra, que já havia participado, no ano anterior, da criação do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC), tornou-se o primeiro dissidente da Bossa Nova. Em 1961 ele lançou “Quem quiser encontrar o amor”, em parceria com Geraldo Vandré, composição que rompia com o tema-síntese da turma da bossa nova: “o amor, o sorriso e a flor”. O segundo passo na direção de uma arte mais “participante” ou “nacionalista” foi o lançamento do disco “Depois do carnaval”, em 1962, com destaque para a canção “Influência do Jazz”. Nesse mesmo período, Sérgio Ricardo gravava “Zelão”, outra canção que fugia aos parâmetros da Bossa Nova ao tematizar as dificuldades enfrentadas por moradores dos morros e favelas cariocas. A ruptura definitiva viria com o lançamento por Nara Leão, conhecida como “ a musa da Bossa Nova”, de seu LP “Opinião de Nara”, um dos marcos iniciais da nascente “canção engajada” na resistência cultural contra o golpe de 1964.
Em 1962, o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes gravou e distribuiu um disco de vinil composto por cinco canções: “O subdesenvolvido”, “João da Silva”, “Grileiro vem”, “Zé da Silva” e “Canção do trilhãozinho”. As composições de O povo canta abordam problemas ligados à vida cotidiana, que refletem a luta das populações marginalizadas do país. Seu maior sucesso foi “Subdesenvolvido”, que, de forma bem humorada, mostra a dependência do Brasil de Portugal, da Inglaterra e dos Estados Unidos ao longo da nossa história – e como isso formou um modo dependente de pensar os problemas nacionais. O disco busca cumprir a função que o CPC atribuía à arte: tratar dos problemas, da realidade brasileira, com uma linguagem acessível ao público mais amplo possível. A venda desse compacto arrecadou fundos para a construção do Teatro do CPC da UNE, mas, depois do golpe militar, o disco foi retirado de circulação pela censura. O texto da contracapa do disco dizia: “O povo canta é o primeiro ‘long-play’ que o Centro Popular de Cultura, cumprindo o seu objetivo de fazer arte com e para o povo, entrega ao público”.
O Zicartola foi um dos mais importantes pontos de encontro entre artistas e intelectuais do Rio de Janeiro no início dos anos 1960. O bar e restaurante criado por Dona Zica e Cartola, que havia passado a década de 1950 afastado do meio cultural, ficava no segundo andar de um sobrado no número 53 da Rua da Carioca, centro do Rio de Janeiro. As reuniões e shows realizados no Zicartola foram responsáveis pela renovação da vida artística e pelo fortalecimento do samba do morro, ao promover o encontro entre sambistas da velha guarda, como Nelson Cavaquinho e Nelson Sargento, e os compositores da nova geração, como Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho e Carlos Lyra, entre outros. Entre 1963 e 1965, o Zicartola atraiu um grande público, cada vez mais interessado na cultura popular. A efervescência social, artística e política que nasceu nas suas mesas e rodas de samba deu origem depois a espetáculos como os shows “Opinião”, que reuniu Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão, e “Rosa de Ouro”, com Aracy Cortes e Clementina de Jesus e os sambistas Elton Medeiros, Nelson Sargento, Anescarzinho, Jair do Cavaquinho e Paulinho da Viola. O Zicartola trouxe reconhecimento à obra do mestre Cartola e ao mesmo tempo proporcionou ao novato Paulinho da Viola os primeiros cachês de sua carreira.