Waldemar Henrique tornou-se conhecido por cantar os mitos e lendas da Amazônia. Em Belém, Pará, estudou piano, violino, violão e canto. Suas primeiras canções datam na década de 1920. Em 1933 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, nas décadas de 1940 e 1950, consagrou-se como artista extremamente popular.
Foi ele quem apresentou, por meio de sons e palavras, a Floresta Amazônica aos brasileiros, em canções como “Foi Boto, Sinhá!”, “Boi-bumbá”, “Cobra-grande”, “Tambatajá”, “Matintaperera”, “Uirapuru”, “Curupira”, “Manha-nungara”. Seu repertório singular e diferenciado despertou a atenção dos ouvintes não só pela qualidade artística, mas também pelos temas sobre a natureza e a cultura da Amazônia.
Mário de Andrade e Heitor Villa-Lobos eram alguns dos admiradores incondicionais do trabalho de Waldemar Henrique, que traduziu a fauna e a flora da região, a exuberância de suas matas e rios e o fascínio exercido pela arte, sabedoria e modo de vida de um povo quase desconhecido nas grandes cidades do país. Sua música diminuiu distâncias e aproximou culturas.
Caymmi compôs menos de cem canções, na maioria clássicos de nossa música popular e que, em seu conjunto, apontam para uma utopia de Brasil — projetam um país afetivo, mestiçado, imune a conflitos sociais, intocado pelas mazelas do capitalismo e da modernidade.
Essa utopia também se revela como um enigma: a convocação para algo que ainda não aconteceu, que permanece como esperança, e nessa categoria o compositor tem muito a dizer sobre os valores que deveriam permear o convívio entre os brasileiros: suas canções nos lembram dos vínculos que nos mantêm reunidos.
A utopia de Dorival Caymmi trata principalmente disto: da promessa de felicidade que o Brasil continua devendo a si mesmo.
Em quase cinquenta anos de carreira, Luiz Gonzaga fez do Nordeste, pela imaginação, um espaço de saudade. Em suas canções, a região parecia imutável, alheia às transformações que punham fim a muitas de suas tradições. O tocar de sua sanfona trazia à tona as lembranças de um Nordeste que, à primeira vista, parecia não mais existir. Além de “rei do baião”, o famoso sanfoneiro de Exu, Pernambuco, entrou para a história da música popular brasileira como embaixador do sertão.
Para familiarizar os ouvidos do sul com o sotaque das gentes do Nordeste, Luiz Gonzaga gravou, em 1953, a canção “ABC do Sertão”, composta em parceria com seu conterrâneo Zé Dantas. Os compositores definem o sertão como espaço onde prevalece uma forma comum e ao mesmo tempo singular de nomear as letras — bê, cê, dê, fê, guê, ji, lê, mê, nê, pê, quê, rê, si, tê, vê e zê —, um abecê até então desconhecido dos habitantes de outras regiões do Brasil.
O samba de São Paulo tem um nome: Adoniran Barbosa. Suas canções deram vida a marcantes testemunhas de um Brasil urbano que moravam na “cidade que mais cresce no mundo” — como a capital paulista era conhecida nos anos 1950, quando Adoniran andava pelas ruas do Bexiga (Bela Vista), do Brás e da Mooca, bairros habitados principalmente por operários e imigrantes.
Adoniran Barbosa cantava sua São Paulo observando o modo de vida dos trabalhadores, vagabundos, malandros, contraventores, biscates, boêmios e marmiteiros — pessoas simples, nascidas e criadas na linha da miséria e que lutavam por um lugar ao sol na maior cidade do país.
Em suas narrativas, Adoniran deu visibilidade social à gente anônima da periferia. Mato-Grosso, Joca, Moacir, Arnesto, Iracema, Pafunça e Malvina, personagens de suas músicas mais conhecidas, eram brasileiros dispostos a participar da construção da democracia — sujeitos de um embate que visava criar uma nova esfera de participação, autoafirmação e conquista de direitos.
Dolores Duran é uma das mais importantes compositoras brasileiras do século 20. Sua obra, construída em um período marcado pelo predomínio masculino na criação musical, caracterizou-se pela linguagem familiar, acessível a todos os estratos da sociedade.
Apesar de inúmeras mulheres terem marcado época como as “Rainhas do Rádio”, poucas se aventuraram no ofício de compor. Dolores Duran não apenas se aventurou, como ganhou destaque ao criar canções que primaram não só pelo talento mas também pela sátira social e forte ironia.
Como cantora, Dolores alcançou grande êxito e, no auge do samba-canção, entre os anos 1940 e 1950, foi uma das crooners mais disputadas pelas boates de Copacabana.
José Gomes Filho, mais conhecido como Jackson do Pandeiro, entrou para a história da canção popular como o “rei do ritmo”, graças à inconfundível capacidade de combinar sua vivacidade e carisma à voz e à destreza com o instrumento que virou sobrenome e fez dele um artista consagrado em todo o país.
No início da carreira, o ritmo veloz de suas mãos acompanhou cantores do primeiro time do rádio, como Sílvio Caldas e Ângela Maria, além de instrumentistas do calibre de Waldir Azevedo e Sivuca. Depois de percorrer várias cidades do Nordeste, Jackson foi para o Rio de Janeiro em 1953, quando começou a ganhar fama apresentando emboladas, rojões, cocos, batuques, forrós e arrasta-pés.
Um de seus maiores sucessos foi “Chiclete com Banana”, de Almira Castilho — sua mulher e parceira musical — e Gordurinha. A canção satiriza a crescente influência dos Estados Unidos no período do pós-guerra, quando o chamado “american way of life” tomou conta da cultura brasileira.
Ao lado de Ari Lobo, Marinês, Gordurinha e Luiz Vieira, Jackson do Pandeiro foi responsável por projetar, no cenário nacional, toda uma nova geração de artistas nordestinos.
O casal de cantores Nora Ney e Jorge Goulart ganhou fama não apenas pela qualidade artística: os dois faziam parte do elenco da Rádio Nacional, a mais importante emissora radiofônica do Brasil, numa época em que o rádio era o único meio de comunicação capaz de integrar um país continental. O ambiente cultural da emissora carioca foi propício para que Nora Ney e Jorge Goulart se valessem da condição de figuras públicas para defender seus ideais políticos.
Além de gravar sambas que abordavam as más condições de vida da população, o casal era também militante comunista. Durante o governo Kubitschek, eles aproveitaram a política de reaproximação do Brasil com o bloco socialista e fizeram várias excursões pela União Soviética, China e Leste Europeu, divulgando a cultura brasileira. Por essas razões, sofreriam perseguições e represálias após o golpe de 1964.
O movimento da bossa nova, orquestrado pelo maestro Antônio Carlos Jobim, ao lado de João Gilberto e Vinícius de Moraes, nos distinguia do mundo e ao mesmo tempo nos incluía nele — sempre na condição de brasileiros. Em suas composições desde o final da década de 1950, Tom vislumbra um Brasil capaz de transpor as marcas e os estigmas do subdesenvolvimento e de produzir um paradigma estético e cultural de validade internacional, ao mesmo tempo particular e não pitoresco nem folclórico.
Essa leitura do Brasil posta em cena por Tom Jobim, no entanto, aponta para uma escolha não entre o antigo e o moderno, mas entre aquilo que está prestes a desaparecer e o que ele ilumina no instante de seu desaparecimento: a promessa que não se cumpriu, o seu outro e seu contrário. Nesse sentido, sua obra faz o registro detalhado de tudo que o Brasil modernizado não conseguiu aproveitar e descartou por improdutivo, supérfluo, inútil: o encantamento com as pequenas coisas que cercam nosso cotidiano, a durabilidade do gesto amoroso, o alumbramento com o mundo natural, a intimidade de uma vida privada plenamente desenvolvida.
A partir de 1960, centenas de jovens de todo o país passaram a partilhar o mesmo encantamento com o violão e o canto de João Gilberto. Muitos compositores dessa geração afirmaram, diversas vezes, que decidiram se arriscar na vida artística depois de ouvir “Chega de Saudade” gravada por ele em 1958.
A famosa batida no violão inventada por João Gilberto inaugurou não apenas um movimento musical, mas uma espécie de padrão estético. Como movimento, a bossa nova teve vida curta: surgiu em 1958 e durou até por volta de 1963. No plano da linguagem, porém, sua temporalidade é outra: pelas mãos de João Gilberto, a bossa nova criou um modelo de intervenção estética, de concisão e de depuração sonora que, até o final do século 20, serviria também de âncora para as gerações seguintes.
O violão de João Gilberto estabeleceu uma linguagem radicalmente nova, capaz de repartir meio a meio palavra e som. Para muitos, repartiu também, entre antes e depois, a história da música popular brasileira.
Baden Powell reinventou a forma de tocar violão no Brasil, criando uma nova escola ao unificar a tradição de violonistas como Dilermando Reis, Garoto e João Pernambuco à modernização trazida pela bossa nova e à cultura africana das rodas de samba.
Baden começou sua carreira acompanhando cantores e solando jazz em boates da noite carioca. Já no início da década de 1960, percorreu a Europa numa série de concertos que se tornariam cada vez mais frequentes, especialmente na França e na Alemanha. Entre 1962 e 1963, após uma temporada na Bahia, aprofundou seus conhecimentos sobre os rituais do candomblé e os sons do berimbau, instrumento próprio da capoeira.
Essa experiência repleta de estranhamentos, mas também de busca pelo reconhecimento da cultura afro-brasileira, resultou em várias composições feitas em parceria com Vinícius de Moraes e conhecidas como afrossambas — canções inspiradas em cânticos e rituais dos terreiros baianos, como “Berimbau” e “Canto de Ossanha”. A partir daí, a presença da ancestralidade africana e o sincretismo religioso passam a ser revalorizados pela música popular.