Após ter estudado com os mestres Lívio Abramo e Oswaldo Goeldi, na virada da década de 1950 o pernambucano Gilvan Samico já era um dos grandes nomes da gravura brasileira. Mas a partir da década de 1960, por intermédio de Ariano Suassuna, Samico estabelece um intenso contato com o romanceiro popular do Nordeste. Encontra na representação visual do cordel uma maneira de homenagear e ampliar o léxico imaginário da cultura popular. As xilogravuras de Samico são povoadas por um rico repertório imagético, entre o fantástico e o real: personagens bíblicos e lendários, animais comuns e mágicos – todos dotados de expressividade, seja por seus semblantes, seja pelo uso preciso das cores, realçadas em contraste com o preto e o branco intenso. A rica simbologia de suas imagens permite ao leitor dessas figuras criar diferentes significações, imaginar enredos em movimento e pensar a riqueza mítica da tradição popular do Nordeste, um dos pilares da cultura brasileira.
A gravura foi uma das técnicas mais utilizadas por artistas brasileiros para veicular suas denúncias e exercitar sua militância em favor de um mundo mais igual, explicitando injustiças e desigualdades sociais. Durante a década de 1950, Renina Katz se debruçou quase que exclusivamente sobre esta temática em suas xilogravuras – técnica bastante apropriada para se trabalhar um realismo social. A força dramática com que ela retrata esses duros traços da realidade brasileira ganha nitidez nos contrastes entre o preto e o branco: um trabalho objetivo, mas detalhado.
Para além da qualidade técnica, um pormenor sobressai em toda a obra da artista: em muitas de suas figuras marginalizadas, urbanas e rurais, nota-se um olhar de expectativa, ainda que não altivo, mas para frente. O impacto e a dureza estão ali, no rosto de retirantes e favelados; mas há também uma face decidida a continuar a luta cotidiana, mirando o horizonte que se apresenta naquele momento.
Devido a seu baixo custo de impressão, a gravura foi o meio pelo qual diversos artista procuraram fazer de sua obra uma militância e um ato político. Não apenas uma ilustração: tratava-se de fazer dela o texto a ser lido no papel, a mensagem a ser interiorizada na imaginação e passada adiante.
No Brasil, uma das experiências mais relevantes desta simbiose entre gesto artístico e ato político foram os Clubes de Gravura do Rio Grande do Sul. O da cidade de Bagé surgiu em 1948 e em seguida o de Porto alegre, em 1950. Nas palavras de um de seus criadores e um de seus nomes mais importantes, Carlos Scliar, “é propósito do Clube de Gravura não só o desenvolvimento dessas técnicas entre os nossos artistas, como a divulgação do gosto pela gravura entre camadas cada vez mais vastas de nosso povo”. Essa busca pela democratização do acesso à arte através das gravuras ganha maior significação quando observadas as temáticas destas imagens: além de mensagens antibelicistas e de união latino-americana, as tradições sulistas, a vida nas estâncias, o folclore e os elementos materiais da cultura gaúcha foram as principais representações executadas pelos integrantes do Clube de Gravura de Porto Alegre. Dentre os artistas deste grupo, que ajudaram a gravar e ampliar a cultura brasileira, destacam-se, além de Scliar, Vasco Prado, Glauco Rodrigues e Danúbio Gonçalves.