O Brasil na Guerra

Uma ditadura em luta pela democracia

Além da atuação heroica dos pracinhas brasileiros, a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) ficou marcada por uma contradição: enquanto cerrava fileiras com as nações defensoras da democracia em luta contra o nazifascismo, o país vivia internamente a ditadura do Estado Novo. 

 

O jogo de Getúlio

Presidente flerta ao mesmo tempo com o Eixo e com os EUA

No início do conflito que dividiu o mundo entre os Aliados (Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França) e o Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o Brasil optou pela neutralidade. Em alguns momentos, chegou mesmo a flertar com o inimigo. Em 11 de junho de 1940, por exemplo, Getúlio Vargas pronunciou discurso considerado simpático ao fascismo, ao se declarar partidário das mudanças sociais, econômicas e políticas exigidas pela época.

Em outro episódio, o governo brasileiro ameaçou desapropriar firmas britânicas instaladas no país, em retaliação à apreensão, pela marinha do Reino Unido, em novembro de 1940, do navio “Siqueira Campos”, que transportava armamento apreendido da Alemanha nazista. Um terceiro episódio, este mais sombrio: a proibição de entrada no Brasil dos fugitivos do Holocausto. Um dos motivos: “[Os judeus] não interessam à composição da raça brasileira”

Ao mesmo tempo, o país usufruía da chamada “política de boa vizinhança” dos Estados Unidos para a América Latina, implementada durante os governos de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945). Tal política se pautava pela colaboração econômica e militar, com os objetivos de manter a estabilidade no continente e consolidar a liderança norte-americana.

Os laços com os Estados Unidos estreitaram-se ainda mais com a assinatura, em março de 1939, de acordos econômicos relacionados à criação do Banco Central do Brasil, ao pagamento de créditos comerciais, à compra de equipamentos norte-americanos e ao fornecimento de técnicos agrícolas. Os Estados Unidos só entrariam na guerra em dezembro de 1941, após o ataque japonês à base militar havaiana de Pearl Harbor, mas já acompanhavam com preocupação os avanços da Alemanha nazista na Europa e viam no Brasil e nos demais países latino-americanos aliados estratégicos para o que viria pela frente.

Em 15 de fevereiro de 1942, um episódio dramático selaria o posicionamento do Brasil, que já abrigava bases militares norte-americanas em seu território: o ataque do submarino alemão U-432 ao navio mercante “Buarque”. Em 31 de agosto do mesmo ano, quando o país entrou oficialmente na guerra, mais de vinte embarcações brasileiras haviam sido torpedeadas por alemães e italianos.

Enquanto Getúlio Vargas declarava guerra a Hitler e Mussolini, setores da oposição a seu governo fundavam a Sociedade Amigos da América. O objetivo, declarado, era apoiar os Aliados na luta pela preservação dos ideais democráticos no mundo. Na verdade, a instituição revelou-se um núcleo de oposição ao Estado Novo e foi duramente reprimida pelo governo, recebendo, por isso, a solidariedade de organizações como a União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1945, a Sociedade Amigos da América foi absorvida pela União Democrática Nacional (UDN), partido que, anos mais tarde, deflagraria incansável campanha contra Getúlio Vargas, denunciando a existência de um suposto “mar de lama” no governo. Essa guerra sem trégua acabaria levando o presidente — então democraticamente eleito — ao suicídio, em 24 de agosto de 1954.

Os pracinhas no front

O Brasil na guerra

Em 2 de julho de 1944, o navio USS "General Mann” zarpou do Rio de Janeiro com destino à Itália, levando a bordo o 1º Escalão de Embarque da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Em meados de setembro, os pracinhas já estavam na linha de frente, incorporados ao 5º Exército dos Estados Unidos.

Em 21 de fevereiro de 1945, após quatro tentativas frustradas, os brasileiros conquistaram sua principal vitória: a tomada do monte Castelo. Enfrentando um frio de –18°C, os pracinhas — com apoio dos norte-americanos — derrotaram as forças alemãs entrincheiradas no alto da montanha, permitindo a ofensiva final dos Aliados no norte da Itália.

Ao lado de 25 mil soldados brasileiros na Itália, lá estavam 73 enfermeiras brasileiras, todas civis e voluntárias. Para ser convocadas, essas jovens só precisaram apresentar diploma de enfermagem  e coragem, para enfrentar os horrores da guerra. Depois de passar por um treinamento intensivo, elas seguiram para o campo de batalha, onde trabalharam em hospitais de campanha, dormiram em barracas impróprias para o inverno europeu e salvaram vidas não só de soldados brasileiros, mas também dos alemães. Numa época em que o protagonismo feminino era negado, a atuação das nossas enfermeiras volunt tornou-se exemplo inspirador para as futuras gerações.

Outros brasileiros ocuparam posições no front: os correspondentes de guerra. Muito antes do advento da televisão, cabia a nomes como Joel Silveira (“Diários Associados”), Rubem Braga (“Diario Carioca”), Egídio Squeff (“O Globo”) e Raul Brandão (“Correio da Manhã”) revelar à população brasileira o que acontecia no distante campo de batalha. Entre todos eles, Joel Silveira obteve a maior consagração, não só por trabalhar no mais poderoso grupo jornalístico da época — por isso suas reportagens chegavam primeiro ao Brasil —, mas também porque se dedicou a escrever vários livros sobre os pracinhas e sua experiência em meio aos combates.

Ao mesmo tempo, outros brasileiros estavam em guerra, só que em sua país natal, num front inesperado: a Floresta Amazônica. Recrutados pelo governo, cerca de 30 mil nordestinos emigraram para a Amazônia, com a missão de suprir de látex os Estados Unidos, depois que o domínio japonês das ilhas do Pacífico cortou-lhes o fornecimento. Os “soldados da borracha”, como ficaram conhecidos, trabalhavam seis dias por semana, numa floresta desabitada e inóspita. Milhares deles tombaram nessa outra guerra — nenhum foi lembrado como herói.

Em março de 1942, o Brasil havia assinado, em Washington, uma série de acordos sobre matérias-primas estratégicas, entre as quais a borracha.

Os Justos

Ainda bem! Diplomatas e funcionários na contramão de uma política de Estado

Eles contrariaram as ordens do governo brasileiro e concederam vistos de entrada no país a centenas de perseguidos pelo nazismo, salvando suas vidas. Por isso, Araci Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, funcionária do consulado em Hamburgo (Alemanha), e Luís Martins de Sousa Dantas, embaixador brasileiro em Paris, têm seus nomes inscritos no Jardim dos Justos do Museu do Holocausto, em Jerusalém.

Durante a guerra, o governo brasileiro considerava os judeus indesejáveis, por suposta ameaça à segurança nacional. Outra alegação, em consonância com a ideologia nazista, era a de que os judeus "não interessavam à composição da raça brasileira”.

Araci, que recebeu o apelido de “Anjo de Hamburgo”, era chefe do setor de passaportes do consulado. Além de emitir documentos com nomes falsos para judeus que tentavam fugir para o Brasil, a então colega e futura esposa do diplomata e escritor João Guimarães Rosa chegou a transportá-los até a fronteira, em seu próprio carro.

Sousa Dantas ficaria conhecido como o “Schindler Brasileiro”, em referência ao empresário alemão que salvou 1.200 judeus do Holocausto. Ele concedeu pelo menos 500 vistos não apenas a judeus, mas também a homossexuais, ciganos, ativistas de esquerda e outras vítimas da perseguição nazista.

Os quinta-colunas

O Brasil na guerra

Durante a guerra contra Hitler e Mussolini, os imigrantes alemães e italianos, muitos deles no Brasil há várias gerações, passaram a ser tratados como “quinta-colunas” — expressão que define pejorativamente pessoas ou grupos que traem seus companheiros, sua organização ou sua pátria em favor de um grupo rival ou nação agressora.

Escolas chegaram a ser fechadas nas colônias alemãs e italianas, por suspeita de doutrinação inimiga. Embora bandeiras nazistas e fotografias de Hitler tenham sido encontradas em escolas do sul do país que ensinavam em alemão, a repressão acabou punindo indistintamente imigrantes que pretendiam apenas preservar sua identidade cultural.

Na reportagem “Um altar para Hitler em cada casa de Blumenau”, publicada na revista “Diretrizes”, Joel Silveira reproduziu o seguinte diálogo entre o general Meira de Vasconcelos e diretores de escolas alemãs em Santa Catarina:

– O governo alemão permitiria uma escola essencialmente brasileira em Berlim ou em qualquer outra cidade alemã? Uma escola onde a única língua adotada fosse a brasileira, onde os hinos, as bandeiras e os livros adotados fossem brasileiros?

Os professores vacilaram. O general Meira teimou:

– Quero que respondam. O Reich permitiria?  Pois, de agora em diante, o governo brasileiro também não permitirá. Os senhores têm 48 horas para fechar esta escola.

Uma ditadura pró-democracia

O Brasil na guerra

A contradição de lutar contra regimes totalitários, sendo ele próprio um regime totalitário, custou caro ao Estado Novo. De acordo com a historiadora Maria Helena Capelato, a entrada do Brasil na guerra expôs as contradições e contribuiu decisivamente para a queda do regime, em 1945.

“A conjuntura internacional, marcada por acontecimentos extremamente importantes, que culminaram com a eclosão da Segunda Guerra, obrigaram o país a redimensionar suas relações internacionais e assumir posições que se definiam a partir do complexo jogo militar e diplomático. Portanto, a conjuntura externa também ajuda a explicar as mudanças ocorridas durante o Estado Novo, desde sua ascensão até a queda.”

A revelação dos horrores cometidos pelo inimigo — o nazifascismo — fortaleceu as críticas internas ao totalitarismo do Estado Novo. A aliança do Brasil com os defensores da democracia — Estados Unidos à frente — e o repúdio aos ataques de submarinos alemães a navios brasileiros tornaram insustentável a permanência no governo de admiradores do nazifascismo, enfraquecendo o regime como um todo.

O final da guerra foi também o fim do Estado Novo. Em outubro de 1945, Getúlio foi deposto por seu ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra.