1937 - 1945

A revolução entre dois fogos

Ditadura do Estado Novo

Num curto espaço de tempo, o Brasil saiu de uma renascença democrática, com Getúlio Vargas, para uma ditadura feroz, com Getúlio Vargas. Da promulgação da nova Constituição, em julho de 1934, à instalação do Estado Novo, em novembro de 1937, foram três anos e quatro meses que abalaram as instituições do país.

A longa noite de repressão política, com o prosseguimento do projeto de modernização econômica, só chegou ao fim em 1945, quando Getúlio Vargas foi deposto por um golpe de Estado comandado pelo mesmo general que oito anos antes o ajudara a dar o golpe do Estado Novo.


Constituição e ditadura
São Paulo perdeu a guerra em 1932, mas Getúlio convocou as eleições para a Constituinte. No entanto, longe de pacificar o país, a nova Constituição — uma das principais bandeiras dos paulistas revoltosos — deu início a mais um período de turbulência política, pois não agradou a Getúlio. Além de limitar seu mandato a quatro anos e proibi-lo de concorrer à reeleição, ela também propunha um Estado mais liberal e menos centralizador do que o desejado pelo líder da Revolução de 1930.

Getúlio temia o retorno, pelo voto, das oligarquias que derrotara pelas armas. Ao mesmo tempo, o agora presidente constitucional não via com bons olhos o fortalecimento de movimentos de massa livres da tutela do Estado.

Os ventos democráticos soprados pela nova Constituição insuflaram no povo o desejo de participar efetivamente da vida política. Em março de 1935 foi criada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização oposicionista de forte base popular, comandada não só por comunistas, mas também pelos revolucionários de 1930 insatisfeitos com o governo.

O rápido crescimento da ANL, em apenas um mês de existência, assustou o governo. A primeira reação de Getúlio veio na forma da Lei de Segurança Nacional, que, aprovada em abril, poria a ANL na ilegalidade três meses depois.

A Lei de Segurança Nacional atropelou diversos avanços democráticos contidos na Constituição de 1934. Entre outros dispositivos, previa a censura aos meios de comunicação, o fechamento das entidades sindicais consideradas suspeitas e a prisão de um a dez anos para quem estimulasse ou promovesse manifestações de indisciplina nas Forças Armadas ou greve nos serviços públicos.

Era o ovo da serpente, que eclodiria dois anos depois com o Estado Novo.

1937 - 1945

O 'perigo vermelho'

Ditadura do Estado Novo

O fechamento da ANL e a prisão de vários de seus líderes abriram caminho para a radicalização que acabaria levando à Revolta Comunista de novembro de 1935, pejorativamente chamada pelos adversários de “intentona”, ou seja, um projeto insensato.

Foram três levantes quase simultâneos, no Rio de Janeiro, Recife e Natal. Rapidamente debelada pelo governo federal, a revolta teve dois grandes efeitos imediatos: desencadeou uma espiral de repressão política por parte do governo, que levou a inúmeras perseguições, prisões e torturas, e fortaleceu o papel de Getúlio como o único capaz de enfrentar e derrotar o “perigo vermelho”. Em pronunciamento ao povo brasileiro, o presidente não deixou margem a dúvidas:

“Os fatos não permitem mais duvidar do perigo que nos ameaça. Felizmente, a nação sentiu esse perigo e reagiu com todas as suas reservas de energias sãs e construtoras. [...] O comunismo, encarado como força desintegradora e agente provocador de sérias perturbações, constitui, no Brasil, pela sua profunda e extensa infiltração, já comprovada mas desconhecida ainda do público, perigo muito maior do que se possa supor”.

O “perigo vermelho” era já o inimigo nº 1 do país. Mas ainda era preciso imputar aos comunistas uma atividade criminosa de tal gravidade que justificasse o fechamento do regime. E a oportunidade viria, às vésperas da eleição que deveria consolidar nossa democracia.

1937 - 1945

O conveniente Plano Cohen

Ditadura do Estado Novo

Em 30 de setembro de 1937, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Góis Monteiro, anunciou pelo rádio a descoberta de uma conspiração para derrubar Getúlio: o Plano Cohen, supostamente arquitetado pelo Partido Comunista Brasileiro em conluio com organizações comunistas internacionais.

Essa espécie de segunda “Intentona Comunista” previa, segundo a denúncia, a eliminação de chefes militares, a sublevação de operários e estudantes, a libertação de presos políticos e o sequestro de ministros de Estado e dos presidentes do Supremo Tribunal e das casas congressuais, além de saques, depredações e incêndios.

No dia seguinte à divulgação da “descoberta”, Getúlio Vargas obteve, do Congresso Nacional, a decretação do estado de guerra, com a qual pôde dar início a uma intensa perseguição aos opositores do governo em geral, especialmente os comunistas.

Desde 1936, ao mesmo tempo em que tentava prorrogar seu mandato via Congresso, Getúlio estreitava a aliança com os militares, sobretudo com o general Góis Monteiro, que defendia a estruturação de um Exército forte, profissional e impermeável à política, portanto livre do fantasma da insubordinação, que assombrava o alto oficialato desde a Revolta dos Tenentes, em 1922.

Em 10 de novembro de 1937, com o terreno preparado para o endurecimento do regime e com o apoio dos chefes militares, Getúlio suspendeu as eleições, fechou o Congresso e impôs uma Constituição inspirada no nazifascismo: nascia o Estado Nacional, que logo seria chamado de Estado Novo, por suas semelhanças com a ditadura portuguesa.

Somente em 1945, em meio à crise do Estado Novo e pouco antes de derrubar o presidente que ajudara a chegar ao poder, o general Góis Monteiro enfim revelaria: o Plano Cohen, que ele mesmo havia denunciado no rádio, não passara de uma fraude.

O documento havia sido escrito pelo capitão Olímpio Mourão Filho, na época chefe do Serviço Secreto da AIB. A pedido de Plínio Salgado, dirigente da entidade, Mourão Filho redigiu, para efeito de estudo, um texto simulando uma hipotética revolução comunista. Uma cópia desse texto, porém, chegou ao conhecimento da cúpula das Forças Armadas, que o divulgou como se fosse a prova concreta de uma conspiração real.

Os integralistas nada fizeram para desfazer a fraude, já que o Plano Cohen caiu como uma luva para suas pregações anticomunistas, além de justificar a permanência de seu aliado Getúlio Vargas no poder e a repressão ao “perigo vermelho”.

1937 - 1945

Constituição à polonesa

Ditadura do Estado Novo

Na noite em que foi deflagrado o golpe, em 10 de novembro de 1937, Getúlio transmitiu pelo rádio uma proclamação ao povo brasileiro, anunciando a nova Constituição que entrava em vigor e apresentando os motivos que o levaram a promulgá-la:

“Tanto os velhos partidos como os novos, em que os velhos se transformaram sob novos rótulos, nada exprimiam ideologicamente, mantendo-se à sombra de ambições pessoais ou de predomínios localistas, a serviço de grupos empenhados na partilha dos despojos e nas combinações oportunistas em torno de objetivos subalternos. [...]

Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração. A tanto havia chegado o país. A complicada máquina de que dispunha para governar-se não funcionava. Não existiam órgãos apropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos da sua vontade.”

A solução jurídica para “legalizar” a ditadura veio na forma de uma nova Constituição, outorgada no mesmo dia do golpe. O texto havia sido encomendado por Getúlio ao jurista Francisco Campos, nomeado ministro da Justiça às vésperas do anúncio.

Partidário de convicções antiliberais, Campos via na nova Carta o dispositivo legal necessário para atender “às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários”. Para ele, a situação do Brasil exigia “remédios de caráter radical e permanente”, devido ao “estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda”.

A oposição não tardaria a apelidar o texto constitucional de “Polaca”, numa referência à Constituição autoritária outorgada na Polônia em 1935, durante a ditadura do marechal Józef Pilsudski.

Entre outras medidas ditatoriais, a “Polaca” deu amplos poderes a Getúlio, extinguiu os partidos políticos, aboliu a liberdade de imprensa e instituiu a censura prévia. O mandato presidencial foi prorrogado até a ocorrência de um plebiscito — que jamais foi convocado. Instituiu-se ainda o estado de emergência, que permitia ao presidente suspender as imunidades parlamentares, prender e exilar cidadãos e invadir domicílios. Bandeiras dos estados foram queimadas em cerimônia pública, numa demonstração da nova unidade nacional.

Entre as organizações dissolvidas estava a AIB, agremiação de cunho fascista que em 1º de novembro de 1935 levara 40 mil “camisas-verdes” a marchar no Rio de Janeiro em apoio a Getúlio, sob o comando do líder Plínio Salgado e aos gritos de “Anauê!”. A dissolução da AIB foi o estopim para o levante de 11 maio de 1938, quando os integralistas cercaram e atacaram o palácio Guanabara, residência oficial de Getúlio e sua família. Fracassado o movimento, cerca de 1.500 adeptos foram presos só no Rio de Janeiro, afastando o último risco de resistência armada ao Estado Novo.

1937 - 1945

Repressão

Ditadura do Estado Novo

A máquina de repressão política funcionava a pleno vapor mesmo antes da instalação do Estado Novo. Sob o impacto dos levantes da ANL em 1935, o Congresso passou a conceder ao Executivo poderes de repressão praticamente ilimitados. Uma emenda constitucional aprovada em dezembro daquele ano autorizava Getúlio a declarar estado de guerra caso ocorressem manifestações que subvertessem as instituições políticas e sociais.

Logo depois, sob a alegação de que era preciso conter o “perigo vermelho”, Getúlio declarou estado de sítio e, no ano seguinte, o estado de guerra, suspendendo os direitos civis. Todas as pessoas consideradas ameaçadoras à “paz nacional” passaram a ser perseguidos.

Desde então o governo federal deteve — e torturou — cidadãos à revelia das instituições e da sociedade. Em 1936, foram presos os líderes comunistas Luís Carlos Prestes e sua companheira, Olga Benário, que estava grávida. De origem judaica, Olga seria logo depois deportada para a Alemanha nazista, onde seria executada num campo de extermínio.

Entre os presos ilustres estava também o escritor Graciliano Ramos, levado ao cárcere também em 1936, sob a acusação de participar do levante comunista. A temporada na prisão daria origem à obra “Memórias do Cárcere”, mais tarde levada ao cinema por Nélson Pereira dos Santos. Aqui, um pequeno e emblemático trecho do livro:

“Certos escritores se desculpam de não haverem forjado coisas excelentes por falta de liberdade — talvez ingênuo recurso de justificar inépcia ou preguiça. Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer.”

Mais tarde, Darcy Ribeiro escreveria sobre as perseguições políticas desencadeadas pelo que chamava de “autogolpe” de Getúlio Vargas:

“O sustentáculo do Estado Novo é a repressão conduzida por Filinto Müller e legalizada pelo Tribunal de Segurança Nacional, que mantém o povo sob pavor, prendendo, torturando, mutilando, matando e condenando milhares de cidadãos pela simples suspeita de que conspirassem ou soubessem de alguma conspiração.”

Ao mesmo tempo que a repressão recrudescia, Getúlio investia na divulgação das realizações do governo, no fortalecimento do patriotismo e no culto a seu nome. Tais tarefas cabiam ao Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que em dezembro de 1939 foi substituído pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

Tanto o DNP quanto o DIP foram responsáveis também pela censura feroz à imprensa escrita e falada. O Código de Imprensa, publicado em dezembro de 1937, tornava ilegal qualquer referência considerada desrespeitosa às autoridades públicas.

1937 - 1945

Propaganda

Ditadura do Estado Novo

Ao mesmo tempo que a repressão recrudescia, Getúlio investia na divulgação das ações positivas do governo, no fortalecimento do espírito de nacionalidade e no engrandecimento de seu nome. Tal tarefa cabia ao Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que em dezembro de 1939 foi substituído pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

Tanto o DNP quanto o DIP foram responsáveis também pela censura feroz à imprensa escrita e falada. O Código de Imprensa, publicado em dezembro de 1937, tornava ilegal, por exemplo, qualquer referência desrespeitosa às autoridades públicas.

1937 - 1945

Autoritarismo e modernização econômica

Ditadura do Estado Novo

Nem só de autoritarismo político viveu o Estado Novo. Getúlio procurou conjugar os arcaicos vícios ditatoriais com a modernização da economia. O modelo agroexportador centrado no café chegava ao esgotamento, e a industrialização trouxe a necessidade cada vez maior de produtos importados, o que levou a um sério desequilíbrio na balança comercial. Em abril de 1938, Getúlio afirmou, em discurso sobre as metas econômicas do Estado Novo:

“A grande tarefa do momento é a mobilização dos capitais nacionais para que tomem um caráter dinâmico na conquista das regiões atrasadas. O imperialismo do Brasil consiste em ampliar suas fronteiras econômicas e integrar um sistema coerente em que a circulação de riquezas se faça livre e rapidamente, baseada em meios de transporte eficientes que aniquilarão as forças desintegradoras da nacionalidade”.

Em 1939 foi lançado o Plano Quinquenal, que tinha como meta, entre outras, a construção da usina hidrelétrica de Paulo Afonso, de uma usina de aço e de uma fábrica de aviões, além da ampliação de ferrovias e rodovias e a compra de navios alemães.

Ainda que nem todas as intenções tenham saído do papel, o projeto econômico do Estado Novo promoveu grandes mudanças. O Estado, que antes protegia apenas o setor agrário, passou a atuar também na produção de bens de consumo, tornando-se o principal investidor no setor industrial.

O controle estatal sobre as indústrias de base tornou-se fundamental para Getúlio, que, em abril de 1938, declarou de propriedade da União as jazidas de petróleo eventualmente descobertas no território nacional. O governo também determinou a nacionalização do refino de petróleo, tanto o importado quanto o nacional. Em julho de 1938, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo.

O desenvolvimento de uma indústria petrolífera, no entanto, não era ainda considerado de grande prioridade. A questão crucial, naquele momento, era a instalação da grande indústria do aço, tratada por Getúlio como o “problema capital da nossa expansão econômica”.

O sonho tornou-se realidade com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fruto do acordo diplomático entre Brasil e Estados Unidos, que previa a construção de uma usina siderúrgica capaz de fornecer aço para os Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. A usina foi instalada em Volta Redonda, município fluminense no Vale do Paraíba, região que entrara em decadência após o declínio do café.

Desenhava-se assim a decisão de Getúlio de, no âmbito externo, cerrar fileiras ao lado da democracia contra o nazifascismo — o mesmo nazifascismo que servira de inspiração para seu governo.

Por ironia da história, a vitória do lado que Getúlio escolheu como aliado apressaria sua queda e a derrocada do Estado Novo.

1937 - 1945

A queda

Ditadura do Estado Novo

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, que decretou a derrota dos ideais nazifascistas, o autoritarismo do Estado Novo perdeu força diante das novas tendências democráticas mundiais. No início de 1945, quando as tropas aliadas já se aproximavam de Berlim, Getúlio convocou eleições para presidente e para o Congresso, mas anunciou que não as disputaria.

Muitos, porém, duvidaram que ele manteria tais compromissos, ainda mais depois que o movimento queremista — referência à palavra de ordem “Queremos Getúlio!” — tomou as ruas do país, em meados do ano, com amplo apoio do governo. O movimento, que defendia a convocação da Assembleia Nacional Constituinte e o lançamento da candidatura de Vargas à Presidência, ganhou força no segundo semestre, com grandes manifestações populares organizadas em diferentes regiões do país.

Enfraquecido, mas ainda não derrotado, Getúlio dava mostras de que pretendia usar a voz das ruas para se manter no poder. Seus planos, no entanto, acabaram atropelados em 29 de outubro de 1945, por um golpe de Estado comandado pelo general Góis Monteiro — o mesmo que divulgara o Plano Cohen e apoiara Getúlio na instalação do Estado Novo. A Presidência foi ocupada interinamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, e Getúlio, depois de 15 anos ininterruptos comandando os destinos do país, retirou-se para sua fazenda em São Borja, no Rio Grande do Sul.

Mas o autoexílio durou pouco. Nas eleições de dezembro de 1945, Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente, e Getúlio, senador pelo Rio Grande do Sul e por São Paulo, além de deputado federal pelo Distrito Federal e por seis estados. Optou pelo cargo de senador, com o qual exerceu oposição a Dutra — a quem discretamente apoiara na campanha.

Nas eleições de 1950, Getúlio Vargas lançaria sua candidatura à Presidência da República e voltaria ao Catete nos braços do povo. O retrato do “velho” ficaria outra vez na parede.