A Revolução de 1930
A promessa de um novo país
A tentativa do então presidente da República, o paulista Washington Luís, de substituir a “política do café com leite” pela do café com café, alijando Minas Gerais da disputa eleitoral, pôs em marcha uma série de acontecimentos inesperados que mudariam a face do país.
Entre outras consequências, a manobra de Washington Luís fez emergir um dos personagens centrais história do Brasil: Getúlio Dorneles Vargas.
Ao fim e ao cabo, a revolução de 1930 representaria muito mais que a simples queda de um governo, como afirma o historiador e cientista político Boris Fausto: “Rompia-se, por fim, o quadro sociopolítico da dominação oligárquica, sob a hegemonia da burguesia cafeeira”.
A política do café com leite
A Revolução de 1930
Cronista de seu tempo, Noel Rosa resumiu o cenário econômico e político do Brasil das décadas de 1920 e 1930 no clássico “Feitiço da Vila”, composto em parceria com Vadico:
São Paulo dá café,
Minas dá leite,
e a Vila Isabel dá samba.
Exaltações musicais à parte, era assim o Brasil daquela época: São Paulo dava café e Minas Gerais dava leite, e os dois estados alternavam-se na Presidência da República. A lei, apesar de não escrita, era clara: um presidente paulista deveria dar lugar a um presidente mineiro, que por sua vez daria lugar a um presidente paulista, e assim por diante, até o fim dos tempos — ou o esgotamento do modelo político-econômico.
Acontece que, sim, Minas Gerais dava o leite, mas o café respondia sozinho por nada menos que 70% das exportações brasileiras, e era, portanto, o produto de maior peso econômico para o país.
Em 1928, o presidente da República, Washington Luís (fluminense de Macaé, mas radicado em São Paulo), resolveu substituir a chamada “política do café com leite” pela do café com café. Em vez de dar a vez a um mineiro, indicou como candidato à própria sucessão o também paulista Júlio Prestes. Foi o estopim de um dos episódios mais marcantes da história do Brasil: a Revolução de 1930.
Preterido na sucessão presidencial, o então presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, buscou o apoio do Rio Grande do Sul, que era então a terceira economia do Brasil. O Rio Grande do Sul — que dava arroz e charque — não tinha protagonismo político no cenário nacional, mas ainda assim era um aliado fundamental. Para se juntar aos mineiros contra Washington Luís, os gaúchos exigiram que o candidato oposicionista fosse um conterrâneo: o então presidente do estado, Getúlio Vargas.
A oposição foi derrotada nas urnas, debaixo de muitos protestos e acusações de fraude. Mas o resultado não arrefeceu os ânimos exaltados da época. À instabilidade política somou-se a crise do café, decorrente da quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Principais compradores, os Estados Unidos reduziram drasticamente a importação do café brasileiro. Para conter a queda dos preços, o governo comprou e queimou toneladas do produto. Mas não foi o bastante para os cafeicultores, que exigiram moratória e novos financiamentos.
Mesmo na sua base social, Washington Luís e Júlio Prestes sofriam desgastes.
Às urnas!
A Revolução de 1930
Em agosto de 1929, os líderes políticos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul formalizaram uma coligação oposicionista de âmbito nacional, com o objetivo de disputar as eleições presidenciais de 1º de março de 1930. Além desses dois estados, a recém-nascida Aliança Liberal teve a adesão da Paraíba e de forças dissidentes de São Paulo e do então Distrito Federal (Rio de Janeiro). Em 20 de setembro, em convenção realizada no Rio de Janeiro, a coligação oficializou as candidaturas de Getúlio Vargas, para presidente da República, e do então presidente da Paraíba, João Pessoa, para vice.
No início de janeiro de 1930, Getúlio Vargas leu a plataforma da Aliança Liberal diante de uma multidão concentrada na Esplanada do Castelo (Rio de Janeiro). Bastante avançada para a época, a plataforma propunha, entre outros pontos:
- Anistia “plena, geral e absoluta” para os presos políticos processados e perseguidos desde 5 de julho de 1922 (quando os tenentes tentaram tomar o poder).
- Revogação das “leis compressoras da liberdade do pensamento”.
- Reforma da legislação eleitoral, para coibir as fraudes e garantir “o livre exercício do voto”.
- Difusão do ensino técnico e “liberdade didática e administrativa” para os institutos de educação superior, com adoção do regime de universidades autônomas.
- Medidas de amparo aos proletariados urbano e rural.
- Política de desenvolvimento econômico baseada em “produzir, produzir muito e produzir barato, o maior número aconselhável de artigos”, para libertar o país não só do “perigo da monocultura, sujeita a crises espasmódicas, como também das valorizações artificiais, que sobrecarregam o lavrador em benefício dos intermediários”.
- Subdivisão da terra onde “impera ainda o latifúndio, causa comum do desamparo em que vive, geralmente, o proletariado rural, reduzido à condição de escravo da gleba”.
- Plano de viação geral, “de modo que as estradas de ferro, as rodovias e as linhas de navegação se conjuguem e completem”.
- Remodelação do Banco do Brasil, que passaria a atuar como “propulsor do desenvolvimento geral, auxiliando a agricultura, amparando o comércio, fazendo redescontos, liderando, em suma, todo o nosso sistema bancário”.
Realizadas as eleições, em meio a acusações de fraude de ambas as partes, Vargas foi derrotado: obteve 737 mil votos, contra 1,1 milhão dado ao candidato situacionista, Júlio Prestes.
Às armas!
A Revolução de 1930
Com a derrota nas urnas, muitos dos integrantes da Aliança Liberal aderiram à proposta de insurreição armada. Na verdade, já no final de 1929 — antes das eleições, portanto — essa hipótese era levantada pela ala mais jovem e radical da coligação (João Neves da Fontoura, Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco), que buscou a aproximação com os tenentes revolucionários de 1922, exilados ou não.
A primeira reação de Getúlio Vargas foi aceitar a derrota nas urnas, considerando “quixotesca” a continuação da luta. A ala radical, porém, não se conformou — e intensificou a conspiração. Por iniciativa de Osvaldo Aranha, os revoltosos encomendaram armas à Tchecoslováquia, no valor de 16 mil contos de réis. Desse valor, o Rio Grande do Sul participaria com metade, Minas Gerais arcaria com 6 mil contos, e a Paraíba, com 2 mil.
Um trágico acontecimento tornaria irreversível a opção pelas armas: em 26 de julho de 1930, João Pessoa (o candidato a vice pela Aliança Liberal) foi assassinado no Recife. Embora o crime tivesse características passionais, na época os aliancistas lhe atribuíram motivações políticas, e assim o movimento revolucionário ganhou fôlego, já com a adesão de Getúlio Vargas.
Em 3 de outubro, a revolução foi desencadeada simultaneamente em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e na região Nordeste, e em poucos dias estava vitoriosa em quase todo o país, com o apoio de grande parte da população, dos militares e das polícias estaduais.
Itararé: a batalha que não houve
Aquela que seria a maior e mais sangrenta de todas as lutas da revolução de 1930 acabou conhecida como “a batalha que não houve”.
No final de outubro, os revoltosos já haviam tomado o poder em quase todo o território nacional — exceto São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pará, sob comando do presidente Washington Luís. O front decisivo da guerra estava na divisa de São Paulo com o Paraná, mais precisamente em Itararé (SP), onde as forças revolucionárias vindas do Sul do país viram-se diante de uma das maiores concentrações militares governistas.
Em 24 de outubro, porém, sem que um único tiro fosse disparado, a batalha malogrou, graças ao golpe militar que depôs o presidente. Uma junta governista provisória, formada pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha, assumiu o poder.
Essa junta logo enviou a Getúlio uma série de telegramas propondo a suspensão total das hostilidades em todo o país, porém sem mencionar nenhuma eventual transferência do poder aos comandantes da revolução. Enquanto isso, o novo chefe de polícia no Rio, o coronel Bertoldo Klinger, prometia reprimir quaisquer manifestações públicas em favor dos revolucionários.
Getúlio, de imediato, anunciou que as forças revolucionárias continuariam a avançar em direção à capital do país, caso ele não fosse reconhecido como chefe do governo provisório. A junta militar recuou e, em 31 de outubro, o líder da revolução e mais 3 mil soldados gaúchos chegaram ao Rio de Janeiro, sendo recebidos com entusiasmo pela população.
Getúlio Vargas tomou posse da Presidência em 3 de novembro de 1930, e os soldados gaúchos fizeram o gesto simbólico da vitória: amarraram seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, em plena capital da República.
A construção de um país novo
A Revolução de 1930
No célebre discurso da vitória, proferido em 3 de novembro no Rio de Janeiro, Getúlio Vargas apresentou um resumo do seu programa de governo, reafirmando os principais pontos da plataforma eleitoral da Aliança Liberal. O texto exaltava ainda a revolução — “a expressão viva e palpitante da vontade do povo brasileiro, afinal senhor de seus destinos e supremo árbitro de suas finalidades coletivas” — e anunciava o nascimento de um novo Brasil, mais forte e menos desigual:
“No fundo e na forma, a revolução escapou [...] ao exclusivismo de determinadas classes. Nem os elementos civis venceram as classes armadas, nem estas impuseram àqueles o fato consumado. Todas as categorias sociais, de alto a baixo, sem diferença de idade ou de sexo, comungaram em um idêntico pensamento fraterno e dominador: a construção de uma pátria nova, igualmente acolhedora para grandes e pequenos, aberta à colaboração de todos os seus filhos.”
Oito dias depois, ele assinaria decreto dissolvendo o Congresso Nacional, as assembleias estaduais e as câmaras municipais, assumindo plenos poderes para governar o país até a eleição de uma assembleia constituinte. Além disso, com exceção de Minas Gerais, onde manteve o presidente Olegário Maciel, Getúlio nomeou interventores federais para todos os estados — na maioria, tenentes revoltosos de 1922.