Apresentação
Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960. A data não fora escolhida ao acaso: o novo centro de decisões da República viria ao mundo oficialmente no Dia de Tiradentes, símbolo da luta pela independência e pelos valores republicanos no Brasil.
O dia foi intenso: missa, festas, apresentações, baile, abertura de espaços, desfile da Caravana de Integração Nacional e fogos de artifício. No entanto, para que a solenidade saísse como planejada, além do trabalho duro já realizado nos canteiros de obras e na finalização urbanística, muitas providências foram tomadas na última hora.
Galeria
O vestido de dona Sarah
Para o grande baile de inauguração de Brasília, a primeira-dama Sarah Kubistchek não mediu despesas: encarregou da criação de seu vestido o estilista Denner Pamplona de Abreu, conhecido pelo luxo e originalidade de sua moda. Tecidos e adornos vieram da famosa Casa Canadá, do Rio de Janeiro.
Denner caprichou: fez um tomara que caia de organza de seda pura branca que consumiu 12 metros de tecido. Para arrematar, mandou costurar na peça 5 mil cristais, vidrilhos e lantejoulas, distribuídos em bordados florais.
Brasília dava ibope
Na segunda quinzena de março de 1960, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) divulgou os resultados de uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro sobre a transferência da capital e a construção de Brasília. Resultado: 85% dos entrevistados acreditavam que Brasília contribuiria para o desenvolvimento brasileiro. Os homens eram mais otimistas que as mulheres — 88% contra 81%. Aprovavam a mudança da capital 73% dos cariocas, e apenas 24% a reprovavam. Novamente, o otimismo masculino era maior: 76% de homens aprovavam a mudança, contra 68% das mulheres. Ninguém ficou alheio ao debate.
Vai dormir onde?
Quando faltavam apenas 15 dias para a inauguração de Brasília, os funcionários da Novacap perceberam a dificuldade que teriam para abrigar a multidão que viria do país inteiro e do exterior para assistir à festa. Os hóspedes ilustres tinham acomodação garantida: ficariam no palácio da Alvorada e no Brasília Palace Hotel. Mas e as famílias dos engenheiros, operários e funcionários em geral que não queriam perder aquele momento?
A solução foi dada por Israel Pinheiro com seu conhecido pragmatismo: determinou que a Novacap comprasse 20 mil colchões de mola (da marca Probel) e montasse vários pontos de distribuição gratuita na cidade. O interessado chegava, dizia quantos hóspedes estava esperando, assinava um recibo precário e levava os colchões, com o compromisso de devolvê-los depois.
Ninguém devolveu os colchões, e a Novacap nunca os cobrou. Quando alguém reclamava com Israel Pinheiro que era necessário fazer a cobrança, ele perguntava: “Meu filho, o que a Novacap vai fazer com tanto colchão usado?“
Cadê os travesseiros?
Resolvido o problema dos colchões, a Novacap descobriu que também faltavam travesseiros. Eli Válter Couto, dono da loja Pioneira da Borracha, instalada desde 1958 na Cidade Livre, vendia travesseiros e era um comerciante esperto. Foi à fábrica da Pirelli, em São Paulo, encomendou quatro mil travesseiros e cruzou os dedos. A encomenda chegou a apenas dois dias da festa, em 19 de abril, mas Eli pôde respirar aliviado: foram todos comprados pela Novacap, que os distribuiu rapidamente pelos apartamentos, casas e alojamentos das construtoras e da própria empresa.
Cine Brasília e Cine Bandeirantes
Em matéria de lazer e cultura, Brasília ainda deixava a desejar: tinha dois cinemas e nada mais. O Cine Brasília, projetado por Oscar Niemeyer, abrigava até 1.200 pessoas e costumava lotar a cada sessão. O Cine Bandeirantes funcionava na Cidade Livre e também não ficava atrás: abria a bilheteria no início da tarde, e em poucas horas os ingressos estavam esgotados.
Na semana da inauguração da nova capital, os dois cinemas capricharam na programação. O Brasília apostou numa programação variada: a comédia de Black Edwards “Anáguas a Bordo”, o policial de sucesso “Anatomia de um Crime”, de Otto Preminger, e o drama suave de Richard Pottier “Paris, Música, Mulheres”. Já o Bandeirantes preferiu investir no sucesso garantido: programou sete filmes de faroeste, um para cada dia da semana.
E faltou água no Alvorada
No dia 20 de abril, o palácio da Alvorada estava apinhado de hóspedes ilustres. Com tanta gente, as caixas-d’água secaram no início da tarde, inclusive as que abasteciam os banheiros. Os hóspedes ficaram desconsolados: precisavam se aprontar para o esperado baile de gala daquela noite no Brasília Palace Hotel.
Israel Pinheiro botou os caminhões-pipa da Novacap na estrada, atrás de água tratada. No início da noite um deles regressou, com água suficiente para abastecer as caixas e garantir o banho dos hóspedes.
O primeiro acidente de trânsito em Brasília
Na noite do dia 20 de abril, as ruas de Brasília estavam agitadas, com grande número de carros em circulação. O deputado gaúcho Clóvis Pestana, ao tentar atravessar a avenida W3 Sul, que não tinha semáforos nem faixas para pedestres, foi atropelado por uma Rural Willys e acabou no hospital.
Os jornais fizeram um escarcéu, e a Câmara dos Deputados mandou abrir inquérito. Era o primeiro acidente de trânsito com vítima na nova capital.
Cadê a mobília que estava aqui?
No dia 20 de abril, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, desembarcou em Brasília de mudança, acompanhado da família, de um punhado de assessores e da mobília novinha em folha para seu apartamento funcional, que ficava no quinto andar do prédio. Como o elevador não estava funcionando, ele e seus acompanhantes tiveram de subir pelas escadas, deixando a mobília embalada no saguão do edifício. Ao retornar, os volumes haviam sumido.
Foi uma confusão tremenda, até que a história se esclareceu. Instalado no mesmo prédio, o deputado Etelvino Lins de Albuquerque, ex-governador de Pernambuco, recebeu um apartamento vazio. Quando saiu atrás de colchões e encontrou aquele mobiliário novinho no saguão, não vacilou: elogiou a eficiência da Novacap e carregou tudo para dentro de casa. Ao saber que os móveis pertenciam a Mazzilli, Etelvino os devolveu, é claro.
O assunto rendeu. Na Câmara, alguns zombaram de Etelvino, outros disseram que Mazzilli merecia ficar sem os móveis, por ter conduzido a votação que aprovara a transferência da capital.
O deputado incendiário
Os deputados, e não só os da oposição, inicialmente detestaram a transferência da capital, que os obrigou a trocar o Rio de Janeiro por uma cidade no meio do sertão goiano, que nem estava concluída.
Clemens Sampaio, do PTB baiano, exagerou: furioso com o improviso da mudança, com a falta de estrutura e com o apartamento sem móveis, resolveu protestar ateando fogo ao elevador do prédio recém-construído. Os outros moradores, também deputados, tentaram conter o colega incendiário, mas sem sucesso: o ato de vandalismo causou danos e ganhou as manchetes dos jornais no mesmo dia em que Brasília foi inaugurada.
O primeiro cidadão brasiliense
Brasiliano Pereira da Silva — ou Brasil, como ficou conhecido — foi a primeira criança a nascer em Brasília, na manhã da inauguração da nova capital. Os padrinhos, naturalmente, foram Juscelino e dona Sarah. Brasiliano nasceu em casa, com a ajuda da parteira Luísa, bem na hora em que os fogos de artifício começaram a estourar. Era filho de candangos que moravam no antigo acampamento da Vila IAPI, na Cidade Livre.
Casacas e pés descalços
Traje a rigor, poeira e lama, um cenário de faroeste e uma festa de arromba. Havia senhores de fraque e cartola na cerimônia de inauguração a céu aberto, enquanto candangos sem camisa e de bermuda ainda trabalhavam para deixar pronta a praça dos Três Poderes, a tempo de receber os convidados do governo JK.
Foi assim que casacas e pés descalços dividiram o mesmo espaço na festa de inauguração, numa síntese dos extremos que se juntaram para tornar Brasília uma realidade.
E o presidente abriu o baile
Juscelino tinha fama de boêmio e sedutor, adorava festas e era reconhecidamente um exímio dançarino. Durante o baile de gala promovido no moderníssimo salão do Brasília Palace Hotel, ante a cúpula da República e dezenas de delegações estrangeiras, ele não hesitou: abriu o baile e dançou a primeira valsa com a Miss Brasília 1959, Marta Garcia.
O baile dos fraques e cartolas
Juscelino sempre buscou conferir pompa e imponência aos eventos de seu governo e não seria diferente na inauguração de Brasília, a menina de seus olhos.
Para o baile oficial, no Brasília Palace Hotel, o traje exigido das autoridades masculinas era fraque preto e cartola, e alguns não dispensaram uma elegante bengala. Os que não tinham status de autoridade podiam vestir smoking, mas terno só em último caso. Para as mulheres, vestidos longos, de preferência originários da alta costura francesa ou nela inspirados.
Toda essa pompa, entretanto, teve que enfrentar um problema insolúvel: a poeira vermelha e grudenta, onipresente em Brasília e inevitável no trajeto até o local do baile.
Meio milhão de metros quadrados em mil dias
Ao ser inaugurada, Brasília não estava completamente concluída e muito menos consolidada. Mas já dispunha de construções, infraestrutura e serviços urbanos básicos para funcionar como capital. No dia 21 de abril, a Novacap contabilizava mais de meio milhão de metros quadrados de construção. Desse total, 360 mil metros quadrados estavam concluídos, 106 mil em fase final de acabamento e 37 mil ainda em andamento. Tudo isso foi feito em cerca de mil dias.
E Juracy Magalhães perdeu a aposta
O governador da Bahia, Juracy Magalhães, da UDN, fazia oposição ao governo JK e tinha certeza de que Brasília não seria inaugurada na data programada. Sua convicção era tanta que fez uma aposta com Juscelino — quem perdesse, daria ao ganhador uma gravata importada.
No dia do baile da inauguração, Juracy Magalhães mostrou que era bom perdedor: entregou ao presidente uma gravata que trouxera dos Estados Unidos, quadriculada em preto e branco, que JK usou no dia seguinte, na primeira cerimônia pública do dia 21 de abril.
O primeiro caos aéreo
Com apenas dois voos diários para o Rio de Janeiro, o aeroporto de Brasília entrou em pane entre os dias 22 e 24 de abril, devido ao grande número de visitantes. O Ministério da Aeronáutica teve de improvisar: colocou aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) à disposição. Somente a partir do dia 26 de abril o movimento de passageiros se normalizou, e voos regulares para o Rio de Janeiro e São Paulo começaram a operar definitivamente.
O rato do Cerrado
No ano da inauguração de Brasília, o biólogo mineiro João Moojen de Oliveira descobriu uma nova espécie de roedor na área da nova capital. O rato-candango, como ficou conhecido, era marrom-alaranjado, orelhas curtas, media cerca de 14 centímetros de comprimento e tinha uma cauda que chegava a 10 centímetros.
Desconhecido em outras regiões e na literatura científica, escavava ninhos subterrâneos e se alimentava de formigas. Seu descobridor não teve dúvidas: batizou-o com o nome cientifico de Juscelinomys candango, em homenagem ao presidente. A espécie acabaria extinta, provavelmente por força do crescimento desordenado de Brasília e das cidades-satélites.
240 dias de carroça
Francisco Alves era gaúcho, tinha mulher e quatro filhos e estava desempregado. Vendeu o pouco que possuía, pegou mulher e filhos e saiu do Rio Grande do Sul, de carroça, para tentar uma oportunidade de emprego em Brasília. A viagem demorou 240 dias.
O primeiro baile de debutantes
Depois do baile de inauguração, o Brasília Palace Hotel tornou-se o local ideal para bailes e festas, sempre muito pomposas. Em 1961, o hotel realizou o primeiro baile de debutantes da nova capital, seguindo a tradição de outras cidades brasileiras. A festa foi um sucesso: cinquenta debutantes desfilaram no salão principal totalmente ocupado por convidados, tendo ao fundo o magnífico painel de azulejos de Athos Bulcão.
Para demonstrar que as moças de Brasília não eram provincianas, todas desfilaram de vestidos curtos — quebrando o padrão vigente, que recomendava os longos. As saias vinham se encurtando na Europa, e a nova capital do Brasil seguia a tendência que, em breve, desembocaria no lançamento da minissaia.
A secura do ar
No planejamento da transferência da capital, ninguém se preparou para enfrentar a baixíssima umidade do ar do planalto Central. Os móveis, comprados no Rio de Janeiro ou em São Paulo, começaram a estalar. O clima ressecava a cola utilizada nas junções e afetava a própria madeira, fazendo as mesas se romperem.
No início, o problema foi atribuído à baixa qualidade do mobiliário, e sobraram críticas à Novacap. Mas logo se descobriu que o problema era climático mesmo, e teria sido mais grave não fosse a construção do lago Paranoá.