Brasília começa a nascer
‘Palácio de tábuas’ foi residência provisória de Juscelino
Construído para ser residência e escritório provisórios do presidente da República em suas visitas às obras da nova capital, o Catetinho foi inaugurado em 10 de novembro de 1956. A pequena construção de madeira — chamada na época de ‘palácio de tábuas’ — foi a primeira erguida na região e abrigava também visitantes e acompanhantes do presidente. O projeto fora rascunhado por Oscar Niemeyer e imediatamente aprovado por Juscelino.
Na clareira aberta no Cerrado foi erigida uma construção retangular, com telhado de uma só água, dois cômodos e uma varanda. O Catetinho foi ampliado em 1957, com a construção de um segundo prédio, residencial, igual ao primeiro. As obras mobilizaram caravanas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, levando um jipe e um trator, além de ferramentas e materiais necessários. A equipe incluía amigos de longa data de Juscelino, como Roberto Pena e Bernardo Sayão. O material foi pago por meio de uma nota promissória assinada pelo engenheiro José Ferreira (Juca) Chaves e pelo próprio Niemeyer, e descontada no Banco de Minas Gerais.
A construção não duraria mais de dez dias — entre 22 e 31 de outubro daquele ano — e sua inauguração ocorreria dias depois, com um almoço oferecido por Juscelino aos convidados. O nome foi dado pelo compositor Dilermando Reis, um dos idealizadores do prédio, em referência jocosa ao palácio do Catete, sede do governo federal no Rio de Janeiro.
Cobras, gambás, tamanduás e outros animais cruzavam o caminho dos habitantes urbanos do Catetinho. Um regato próximo garantia o abastecimento de água. Um gerador foi trazido para fornecer energia. Da varanda, Juscelino e os visitantes contemplavam, à noite, o céu incomparavelmente estrelado do planalto Central. Amante da música, às vezes ele trazia amigos seresteiros para uma violada ao luar.
O Catetinho é hoje uma obra tombada e funciona como museu.
Galeria
Histórias do Catetinho
O milagre do gelo
Cercada de histórias curiosas e “causos” duvidosos, a construção de Brasília logo ganharia sua primeira lenda.
Conta-se que, à meia-noite do dia em que chegou ao local a primeira caravana de operários para erigir o Catetinho, os pioneiros, exaustos, resolveram tomar um uísque antes de se recolher. Mas não havia gelo para refrescar a bebida, até que uma violenta tempestade de granizo desabou sobre o acampamento, fornecendo as pedras de gelo desejadas.
O próprio Juscelino confirmaria mais tarde a história, acrescentando que isso acontecera logo na primeira noite da construção, quando o gelo caído do céu, do tamanho de bolas de gude, fora tratado quase como um milagre.
O jornalista Murilo Melo Filho, porém, na época repórter da oposicionista “Tribuna da Imprensa”, daria uma versão diferente: essa providencial chuva de granizo e o aproveitamento do gelo teriam realmente ocorrido, só que bem mais tarde, quando o “palácio de tábuas” já estava finalizado.
A galinha preta
Em outubro de 1956, durante as escavações para terraplanagem e construção do Catetinho, operários comandados pelo engenheiro Atahualpa Schmitz capturaram e comeram uma galinha preta que passou em frente à obra. Dois anos depois, uma senhora muito idosa, chamada Isaura, reclamou ao engenheiro Schmitz que uma de suas galinhas, muito tempo antes, havia sido levada pelos operários. O engenheiro, para resolver o problema, se viu então obrigado a pagar vinte cruzeiros pela galinha preta que tinha virado jantar dos trabalhadores.
A pista de pouso
Na época da construção de Brasília, havia duas pistas de pouso nas proximidades das obras. Uma delas, construída pelo engenheiro Bernardo Sayão, tinha 2.700 metros de extensão; já a segunda era uma pista precária, de pequeno porte, construída ao lado do Catetinho. Essa foi palco de pelo menos dois episódios da história da cidade.
O primeiro foi em 2 de fevereiro de 1957, quando uma aeronave Cessna, recém-adquirida, explodiu ao tentar pousar, matando na hora o piloto Termosires Belo. A segunda vítima foi o administrador do Catetinho Agostinho Montandon, também aviador, retirado com vida dos destroços. Seu estado de saúde, porém, era tão crítico, que o médico Édson Porto precisou usar os alto-falantes da obra para convocar doadores de sangue. Apesar dos esforços, porém, Agostinho Montandon não resistiu aos ferimentos.
O segundo episódio não é trágico, e confirma a frase que Juscelino gostava de repetir — que voava em qualquer tempo e pousava em qualquer pista. O presidente anunciou que aterrissaria no aeródromo às 2 horas da manhã. Como a pista não tinha condições de pouso noturno, o engenheiro Schmitz mandou acender buchas de balão — feitas com estopa embebida em graxa, breu e sebo — ao longo da pista para que o piloto pudesse visualizá-la e, assim, pousar em segurança.
O penico das moças
Em junho de 1957, o general Higino Craveiro Lopes, então presidente de Portugal, desembarcou no planalto Central para visitar as obras da futura capital do Brasil e ficou hospedado no Catetinho com sua mulher. De madrugada, ele bateu na porta do quarto de Juscelino e lhe pediu que providenciasse um penico, dizendo ainda: “Sabe como é, são os costumes”. Juscelino chamou um assessor e lhe ordenou que trouxesse um penico com máxima urgência, “questão de segurança nacional!”.
Na madrugada, o jipe da Presidência rodou a Cidade Livre na tentativa de encontrar alguma loja aberta. Um boêmio sugeriu que procurasse o tal objeto num dos prostíbulos da região — e deu certo. A proprietária escolheu o melhor exemplar da casa e o entregou aos emissários com um recado ao presidente: “Diga a ele que este é um presente das moças da zona”.
Aos risos, Juscelino foi até o quarto do visitante português com o penico nas mãos e disse: “Está aqui, tenho certeza de que será prazeroso o seu uso”.