Israel Pinheiro
Mineiro de Caeté, Israel Pinheiro da Silva nasceu em 1896 e formou-se em engenharia pela Escola de Minas de Ouro Preto. Era enérgico e voluntarioso, características que contribuíram para seu êxito como um dos responsáveis pela construção de Brasília em apenas 42 meses.
De fisionomia fechada, quase não sorria; era autoritário, direto e seco, às vezes áspero. Mas era também conhecido pela honestidade e pelo caráter generoso e solidário. No comando, era dinâmico, prático e objetivo, mais afeito a fazer do que a planejar, e dotado de uma enorme disposição para o trabalho. Seu ritmo seguia o “tempo de Brasília”: trabalhava das seis da manhã às oito da noite.
Filho do ex-governador mineiro João Pinheiro da Silva, Israel já tinha uma respeitável biografia como homem público ao assumir a presidência da Novacap, em setembro de 1956. Tendo participado da Revolução de 1930, fora nomeado secretário estadual dos Negócios da Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas, em dezembro de 1933, pelo interventor federal Benedito Valadares. Revelou-se um inovador: construiu escolas, expandiu o ensino superior e impulsionou a industrialização do estado.
Designado pelo presidente Getúlio Vargas para integrar, em 1941, a Comissão de Acordos de Washington, negociou com os Estados Unidos as compensações ao Brasil pelo ingresso na Segunda Guerra ao lado dos Aliados — entre elas, o financiamento para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Novamente indicado por Vargas, liderou em 1942 a criação da Companhia Vale do Rio Doce, da qual seria o primeiro presidente. Deixou o cargo em 1946 para eleger-se deputado à Constituinte de 1946, reelegendo-se em 1950 e em 1954. Na Constituinte, ao lado do amigo Juscelino Kubitschek, já defendia a mudança da capital da República, de preferência para a região do Triângulo Mineiro, por considerar esse um projeto estratégico ao desenvolvimento nacional. No final de 1956, quando aceitou o convite de Juscelino para ajudá-lo na construção de Brasília, era um deputado prestigiado, que presidia a Comissão de Finanças da Câmara.
Israel Pinheiro tinha o perfil político e profissional para enfrentar um desafio tão grande e num prazo tão curto, pois pensava como administrador público e agia como tocador de obras, evitando os excessos da burocracia — além, claro, de seu prestígio político, o que lhe valeu também o cargo de presidente da Novacap. A nova função, porém, exigiria seu afastamento da Câmara.
Seu filho, o ex-deputado Israel Pinheiro Filho, revelaria anos depois que Juscelino convidara seu pai a acompanhá-lo numa viagem de avião, de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, planejando fazer o convite durante o voo. Mas como o tempo passava e Juscelino, constrangido, não entrava no assunto, o próprio Israel resolveu o problema: “Tá bem, Juscelino! Você não precisa me convidar, eu aceito!”.
Durante a construção de Brasília, Israel Pinheiro dava exemplo diário de trabalho e determinação. Logo cedo, percorria os canteiros de obra, tomava as providências mais urgentes, cuidava pessoalmente de inúmeros aspectos logísticos e até mesmo da moradia para os que chegavam. Quando não estava no escritório da Novacap, podia ser encontrado em sua Rural Willys — o carro utilitário da época —, cujo para-brisa tinha um papel colado com o número 1.
Quando lhe pediam alguma coisa, primeiramente negava. Depois pensava, ouvia os argumentos e acabava concordando, se fosse convencido. Teve muitos atritos com o arquiteto Oscar Niemeyer, sempre em função dos prazos.
Anos depois, ao observar uma velha fotografia, Niemeyer recordaria o entusiasmo com que ele e Israel penetraram pela primeira vez no Cerrado, ansiosos para dar início à construção do palácio da Alvorada e demais obras da nova capital. Juntos demarcaram a área em que seria construído o palácio presidencial, com suas colunas que se tornariam símbolo de Brasília.
Quando as obras já iam adiantadas, Israel Pinheiro foi viver com a família na Granja do Ipê. Ela deveria se chamar Granja Israel, e até uma placa com esse nome foi afixada na porta. Um dia, porém, um importante líder político do mundo árabe foi visitar as obras de Brasília, justamente quando se acirravam os conflitos entre árabes e israelenses no Oriente Médio. Como seria pouco diplomático receber o visitante num local chamado “Israel”, a granja foi rebatizada às pressas como Granja do Ipê. Embora o novo nome pareça uma referência à bela árvore do Cerrado, na verdade ainda se referia ao presidente da Novacap: I de Israel e P de Pinheiro.
Fumante, Israel fora proibido pelos médicos de manter o vício. Mas toda manhã pedia um cigarro ao engenheiro responsável pelas obras da Granja do Ipê. Quando dona Coracy, sua mulher, aparecia, ele jogava o cigarro no chão. Pelas costas, passaram a chamá-lo de “marido de dona Coracy”.
Embora Israel fosse o “soberano de Brasília”, quando achava algo errado numa obra mandava mudar, justificando a correção com uma frase clássica: “Eu sou engenheiro há muito mais tempo que você”.
Depois de liderar o esforço de construção da cidade, tornou-se o primeiro prefeito da capital, cargo que deixou com a posse do presidente eleito Jânio Quadros, em 31 de janeiro de 1961. Após o golpe de 1964, elegeu-se governador de Minas Gerais pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1965. Sua eleição, bem como a de Negrão de Lima no antigo estado da Guanabara e a de outros três candidatos da oposição, não foi bem assimilada pelos militares. Em represália, eles editaram o Ato Institucional nº 2, que cassou mandatos e tornou indiretas as eleições para presidente e governador.
Buscando a sobrevivência política, em 1966 Israel aderiu à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio à ditadura, decisão que turvou sua imagem política mas não apagou o mito do homem que fez surgir Brasília.
Em 4 de julho de 1973, durante almoço no palácio da Liberdade com o governador Rondon Pacheco, Israel Pinheiro sentiu-se mal, foi levado ao hospital mas teve alta no dia seguinte. O mal-estar, segundo os médicos, teria sido consequência de uma hérnia no sistema digestório. No dia seguinte, aos 76 anos, Israel Pinheiro sucumbiu a um infarto. Foi enterrado em Caeté, ao lado do pai, como era seu desejo.
Bernardo Sayão
Nascido no Rio de Janeiro, em 1901, Bernardo Sayão formou-se na Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária de Belo Horizonte. Seu trabalho de desbravador na implantação da Colônia Agrícola de Ceres, no norte de Goiás, despertou a atenção do presidente Juscelino Kubitschek, que o considerava um Fernão Dias do século 20: um bandeirante moderno, que andava de avião e não usava botas, mas também dotado de audácia, coragem e determinação.
Quando o presidente decidiu conhecer pessoalmente a área em que seria erguida a nova capital, o avião que o transportava pousou numa rudimentar pista de terra aberta no meio do Cerrado por Bernardo Sayão, na época vice-governador de Goiás. Na cabeceira da pista, onde hoje fica a desativada Estação Rodoferroviária, Sayão fincou uma tabuleta em que escreveu, com admirável otimismo: “Aeroporto Vera Cruz”.
Sayão morava em Anápolis, cidade goiana a 155 quilômetros do local demarcado para a nova capital, quando foi nomeado para uma das diretorias da Novacap. Todos os dias deslocava-se para Brasília a bordo do seu teco-teco, pequeno avião que Juscelino apelidou de “máquina Singer”, comparando-a a uma máquina de costura popular na época.
Durante a festa de inauguração do Catetinho, Juscelino chamou-o para uma conversa na varanda e pediu-lhe que se mudasse para Brasília. A criação da Novacap não havia sido bem compreendida. A sede da empresa ficava no Rio de Janeiro, onde ainda residiam os outros diretores, e isso vinha gerando críticas. Em Brasília ainda não havia moradias. No começo, mesmo com a distribuição de lotes, ninguém queria morar naquele grande canteiro de obras. Mas Sayão atendeu de pronto o pedido do presidente. No dia seguinte, 11 de novembro de 1956, às seis horas da manhã, um caminhão chegou ao Catetinho, com Sayão, a mulher e as duas filhas. Ele foi o primeiro engenheiro a fixar residência, com a família, em Brasília — numa casinha pré-fabricada de madeira compensada.
Para Juscelino, Sayão representava o espírito, a mística e o ritmo da construção de Brasília. Dormia cedo e levantava cedo. De manhã, sua casa estava sempre cheia. Com seu inconfundível chapelão de feltro, o rosto queimado de sol e muito suado, percorria diariamente os canteiros de obras. Assumia e executava as tarefas mais árduas, sempre de bom humor.
Sayão era responsável pelas obras de infraestrutura, como vias urbanas e redes de água, esgoto, energia elétrica e telefone, mas gostava mesmo é de construir estradas. Ele achava que o material de construção e outros produtos, inclusive alimentos, precisavam ser obtidos o mais próximo possível da cidade em obras e, para isso, empreendeu a construção da estrada ligando Brasília a Goiânia, reunindo em sua equipe pessoas que haviam trabalhando com ele em Ceres e Anápolis. Os trechos eram de terra e descontínuos. Sob seu comando, pontes foram construídas, e a estrada, asfaltada e sinalizada.
Seu maior sonho era construir uma estrada que ligasse Belém à região da nova capital. Já em 1949, quando dirigia a Colônia Agrícola de Ceres, ele havia produzido um primeiro traçado, ligando Belém a Anápolis. Só mais tarde, em meados de 1958, quando a construção de Brasília já estava em ritmo acelerado, é que tiveram início, sob seu comando, as obras de abertura da rodovia Belém-Brasília, atendendo a uma das metas do programa de governo de Juscelino — a integração física nacional. Seria necessário rasgar a selva em mais de 2 mil quilômetros, numa empreitada em duas frentes, uma partindo de Belém e outra da nova capital. Sayão comandou pessoalmente a frente sul, uma tarefa arriscada, penosa, sofrida, desconfortável.
Uma lenda dizia que, para encontrar com mais facilidade os sacos de alimentos jogados pelos aviões no meio da selva, ele mandava pôr gatos dentro deles. Pelos miados, conseguiam localizar os sacos, mesmo quando ficavam presos nas copas das árvores.
Belém-Brasília foi a glória e o túmulo de Bernardo Sayão. Em 14 de janeiro de 1959, para ficar mais perto das turmas de serviço, ele mandou deslocar sua barraca, que ficava na margem de um córrego próximo. No dia seguinte, faltando apenas 15 dias para o encontro das frentes norte e sul — o que representaria a construção do braço superior do cruzeiro rodoviário nacional traçado no Plano de Metas do governo JK —, sua equipe precisou derrubar um grande jequitibá que obstruía a passagem. Quando a árvore tombou, um enorme galho se desprendeu da copa e despencou exatamente sobre a barraca de Sayão, que descansava.
O engenheiro morreu aos 57 anos, antes de chegar ao hospital. Seu corpo foi o primeiro sepultado no Campo da Esperança, em Brasília, a cidade que ajudara a construir.
Ernesto Silva
Nascido no Rio de Janeiro em 1914, o “doutor Ernesto Silva”, como era chamado, conheceu em estado bruto a região que sediaria Brasília, o que lhe valeu a alcunha de “o pioneiro do antes”. Médico pediatra, era também oficial do Exército. Em 1954, integrou a Comissão de Localização da Nova Capital, nomeada pelo então presidente Café Filho. Depois fez parte da Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal, presidida pelo marechal José Pessoa, a quem sucedeu no cargo em 1956. Logo depois, foi nomeado diretor da Novacap.
Embora tivesse ficado apenas três meses à frente da Comissão de Planejamento, ele acelerou a desapropriação de terras na região demarcada e firmou convênio com o estado de Goiás para viabilizar a demarcação das fronteiras do novo Distrito Federal. Foi também o responsável pelos preparativos do concurso que escolheria o projeto urbanístico do plano piloto de Brasília. Elaborou o edital e fixou as regras do certame, valendo-se do Memorial Preliminar para a Futura Capital do Brasil, elaborado em 1955 pelos urbanistas Raul Pena Firme, Roberto Lacombe e José de Oliveira Reis. Esse projeto já previa os contornos do lago Paranoá, que serviriam de referência para o urbanista Lúcio Costa na elaboração de sua proposta vencedora.
A diretoria da Novacap dispunha de amplos poderes, podendo tudo providenciar para atender às exigências da construção da nova cidade. Ernesto Silva era responsável pelo Departamento de Educação e Difusão Cultural, mas, como só depois da inauguração essa área ganharia existência formal, ele tratou de garantir assistência educacional para os filhos dos operários. Enquanto elaborava o Plano Educacional, optou por instalar uma sala de aula no pavilhão de sua diretoria, o que foi feito em apenas dois dias. Contratou dois professores — Amábile Andrade Gomes e Mauro da Costa Gomes —, que se revezavam lecionando para turmas diurnas e noturnas.
Quando, em 28 de maio de 1958, chegaram a Brasília 5 mil retirantes, expulsos do Nordeste pela seca, Ernesto Silva foi encarregado de resolver a situação. Os flagelados invadiram primeiro a Cidade Livre, depois se concentraram ao longo da estrada Brasília-Anápolis, em condições extremamente precárias. Ernesto foi ao local, subiu num caixote e falou à multidão, explicando que seria criada uma cidade-satélite, onde poderiam ganhar seus próprios lotes e construir suas moradias. A Novacap se comprometia a transportá-los para o local e construir barracos provisórios nos lotes. Embora desconfiados, os retirantes concordaram com a transferência, e teve início o cadastramento das famílias.
Quando os caminhões chegaram, porém, os retirantes voltaram atrás, com exceção de uma família, que aceitou ser transferida. Diante do impasse, Ernesto e o engenheiro Mário Meireles voltaram ao local e conseguiram convencer outras famílias. Pouco depois, dona Sarah Kubitschek, mulher de Juscelino e presidente da Fundação das Pioneiras Sociais, enviou uma ambulância para permanecer no local.
A Novacap construiu os primeiros barracos e fez as obras de infraestrutura necessárias, como rede de água e mais de mil fossas sépticas. Em dez dias, todos os retirantes estavam assentados. Logo vieram as escolas, o hospital e o comércio. Assim nasceu Taguatinga, hoje a maior e mais próspera cidade do Distrito Federal fora do Plano Piloto.
Durante a construção de Brasília, Ernesto Silva desempenhou diversas funções, incluindo atividades ligadas a saúde, urbanização e cultura. Como pediatra, cuidou das primeiras gerações de brasilienses. Participou da criação da Fundação Hospitalar do Distrito Federal e da construção do Hospital de Base, na época chamado de Hospital Distrital.
Morou o resto da vida na cidade que ajudara a construir. Morreu em 2010, aos 95 anos.