Em 1983, vítimas da maior seca do século 20, que se arrastava desde 1979, ocuparam a sede do governo do estado do Ceará e saquearam a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) de Canindé. A seca e a fome finalmente ganharam as manchetes dos jornais. Em 1985, 155 cantores e compositores uniram-se contra a pobreza no Nordeste e gravaram um disco, com as vendas revertidas para a causa.
O governo Sarney lançou o Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes (PNLCC), para atender famílias com renda mensal de até dois salários mínimos e crianças de até sete anos. Em que pesem os graves problemas de abrangência e gestão que impediram o sucesso do programa, foi a primeira iniciativa brasileira de distribuição de cupons de alimentos em larga escala.
Artistas contra a fome
Em 1985, artistas brasileiros lançaram o compacto "Nordeste Já", com objetivo de angariar fundos para a população carente do Nordeste. Ouça abaixo um trecho da música "Chega de Mágoa":
No início dos anos 1990, a perspectiva governamental de diminuição da fome no Brasil passava pela desregulamentação do mercado, na expectativa de que o crescimento econômico aumentasse a renda e promovesse a emancipação e o acesso à cidadania. Não deu certo.
O governo Fernando Collor caracterizou-se pela extinção das já raras ações de governo no campo nutricional. Iniciativa importante do período foi a utilização de estoques públicos de alimentos para programas de alimentação, com vistas a diminuir sua perda e apodrecimento. A partir daí, desenvolvem-se os programas de distribuição de cestas básicas para o Nordeste.
O embrião de uma Política Nacional de Segurança Alimentar começou a ser gestado em 1991, por meio de proposta apresentada pelo chamado Governo Paralelo, criado após a eleição de Collor. A proposta veio assinada por Luís Inácio Lula da Silva e por José Gomes da Silva e entregue a Itamar Franco, que substituíra Collor. Alguns de seus marcos iniciais aconteceram durante o governo Itamar, como a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), em 1993, vinculado diretamente à Presidência da República e contando com a presença de ministros e representantes da sociedade civil.
Outra ação importante foi a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em 1994. Dentre as resoluções do Consea destacam-se a descentralização da merenda escolar para municípios e para as próprias escolas, e a prioridade do programa de distribuição emergencial de alimentos (Prodea) como estratégia para combater a desnutrição infantil.
Em 1993 teve início a Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e Pela Vida, iniciativa da sociedade civil liderada pelo sociólogo Herbert de Souza que mobilizou diversas esferas da sociedade durante uma década, incluindo personalidades internacionais. Milhares de comitês de solidariedade e combate à fome foram criados. Apenas em 1994, cerca de 30 milhões de pessoas contribuíram para a campanha, segundo dados do Ibope. A atuação de Betinho foi um dos principais responsáveis pela sensibilização da sociedade brasileira para o tema.
Em 1995, o Consea foi extinto pelo governo Fernando Henrique, e as políticas de combate à fome passaram por um período de fragmentação, com a extinção do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição e a distribuição irregular de cestas básicas, que acabou suspensa em 2000. No início dos anos 2000, com o aumento da pobreza e do desemprego e a intensificação das iniciativas de organismos internacionais – tais como a ONU e o Banco Mundial – visando o combate à fome, houve uma retomada das iniciativas governamentais nesse sentido, com a adoção de programas como o Bolsa Escola (que surge nos âmbitos municipal e estadual) e o Bolsa Alimentação.
36 milhões de famintos
Relembre como era a situação do Brasil em reportagem exibida pelo Jornal Nacional em 2001:
O Consea seria recriado por Lula em 2003, no primeiro mês de seu mandato. Ligado diretamente à Presidência da República, órgão passou a ter em sua composição dois terços de conselheiros pertencentes a organizações da sociedade civil e o terço restante de representante de diversos ministérios. Com essa formação, organizou quatro conferências nacionais entre 2004 e 2015 e teve papel importante na discussão e difusão das ações de combate à fome. Em diversos países da América Latina e África foram criados conselhos semelhantes, inspirados na experiência de participação social brasileira.