A nova classe trabalhadora
Pela primeira vez, classe C é maioria no Brasil
Entre 2003 e 2010, 32 milhões de brasileiros saíram da pobreza e entraram na classe média. No ano de 2008, pela primeira vez, a maior parte da população pertencia à classe C, graças à diminuição das classes D e E. O aumento no emprego, no salário mínimo e a oferta de crédito foram fundamentais para que a economia entrasse em um ciclo de expansão e impulsionasse a renda das famílias.
O surgimento e expansão de uma nova classe trabalhadora, produtora e consumidora consistiu em uma novidade para o país, com implicações na economia, na cultura e no comportamento.
Emprego, crédito e renda
A nova classe trabalhadora
A ascensão da classe média veio acompanhada do aumento na oferta de emprego, na renda, no crédito e no acesso a bens e serviços. Ela foi comum em diversos países emergentes na primeira metade do século 21, mas foi particularmente notável no Brasil. A estabilidade econômica e o crescimento do mercado interno contribuíram para um cenário de picos de consumo: recordes de venda de veículos, eletrodomésticos e viagens aéreas foram recorrentes. Ao mesmo tempo, também aumentou o número de matriculados nos ensinos superior e técnico.
Em 2002, 44% da população pertencia à classe C — composta por pessoas com renda familiar mensal de 2,5 a 11 salários mínimos. Oito anos depois, ela correspondia a 52% dos brasileiros, enquanto a classe E encolhia de 30,5% para 18,5%. No topo da pirâmide, as classes A e B passariam de 13% para 15,5%.
Potencial de consumo de quase R$ 1 tri por ano
Junta, a nova classe trabalhadora tinha potencial de consumo anual de quase R$ 1 trilhão, o equivalente ao PIB conjunto de Argentina, Portugal, Uruguai e Argentina. Dessas pessoas, 59% tinham cartão de crédito, e 52,7%, conta bancária. Elas gastavam o seu dinheiro com serviços (23,16%); depois com alimentos e bebidas (18,49%); e saúde e beleza (8,32%), de acordo com o instituto de pesquisa Data Popular.
Dos jovens da classe C, 68% estudaram mais do que seus pais, e a diferença de renda deles em relação aos jovens das classes A ficava em torno de 2%, devido à universalização do acesso ao ensino.
Por tudo isso, os jovens da classe C passaram a desempenhar um papel importante de formadores de opinião no seio da família. Enquanto os pais das classes de mais baixa renda ocupavam no mundo do trabalho funções eminentemente braçais, como as de doméstica ou pedreiro, seus filhos entravam no mercado nas áreas de vendas e de serviços, que exigem mais conhecimento formal.
Jovem, negra e conectada
Mulher jovem e negra com renda domiciliar em torno de R$ 2.295,00. Esse era o perfil dominante da nova classe C que emergia na primeira década do século 21 e chegava a 2011 com cerca de 104 milhões de pessoas (para uma população geral de 193 milhões). Desses 104 milhões, 51% eram mulheres, 48% negros e pardos. E nada menos do que 52,5% possuíam computador e 57,6% tinham acesso à internet.
O boom do consumo
A nova classe trabalhadora
A partir de meados da década de 1990, o Brasil passou a testemunhar o crescimento do mercado consumidor da classe trabalhadora, acentuado em 2003. Em 2010, as pessoas que ganhavam no máximo 10 salários mínimos movimentavam R$ 760 bilhões ao ano. De cada 100 cartões de crédito, 69 estavam nas mãos de indivíduos das classes C, D e E.
O fortalecimento do poder de consumo da nova classe média imprimiu diferentes padrões estéticos ao mercado anteriormente elitizado: o alegre, colorido e extravagante reivindicava espaço num mundo de comedimento e tons pastel.
Em 2010, 100% dos integrantes da classe C tinham TV em cores, 89% tinham celular, 69% moravam em casa própria, 52% computador, 34% internet banda larga e 22% carro próprio. E ainda: 51,6% tinham máquina de lavar roupa (contra 33,6% em 2001), e 96,3% dispunham de geladeira (em 2001, eram 85,1%).
Entre 2000 e 2010, a frota de veículos no Brasil cresceu 119%, passando de 29,5 milhões em 2000 para 64,8 milhões em 2010 — mais de 35 milhões de novos veículos passaram a circular nas ruas brasileiras no período.
As vendas de motos atingiram seu ápice em 2008, com crescimento de 20,6% em relação ao ano anterior. As principais impulsionadoras dessa expansão foram as motos populares de 50 a 150 cilindradas, vendidas a preços baixos e em condições dilatadas de crédito e pagamento.
Tradicionalmente consideradas um sinal de distinção de classe destinado às elites, as viagens aéreas se multiplicaram e se democratizaram no Brasil. Entre 2003 e 2010, o número de passageiros em trajetos domésticos e internacionais mais do que dobrou: passou de 32,5 milhões para 71,7 milhões de pessoas por ano.
Substituir jornadas interestaduais de ônibus com duração de mais de um dia por algumas poucas horas de avião significava também uma nova concepção de uso do tempo e maior mobilidade — social e geográfica. A nova classe média ampliou seus horizontes culturais, conhecendo outras regiões do país e mantendo contato mais frequente com suas cidades de origem e parentes distantes.
A voz e a estética da classe C
A nova classe trabalhadora
Essa nova classe média se consolidou como grande produtora e consumidora também no mercado cultural. Na música, surgiu o funk ostentação, caracterizado pela glorificação do consumo e pela afirmação de identidade e de pertencimento a partir da periferia. Seus artistas atingiram a fama especialmente graças à divulgação de clipes pela internet — que não obedece à lógica das grandes gravadoras.
Enquanto o funk ostentação surgia em São Paulo, o tecnobrega paraense fazia sucesso nacional, assim como o forró eletrônico cearense e a nova cena do brega romântico pernambucano.
A classe trabalhadora brasileira reivindicou e ocupou espaços de criação de seu próprio capital simbólico, com voz própria, sem intermediários. Cresceu o número de publicações de escritores e poetas da periferia — é o caso, por exemplo, do movimento Literatura Marginal, capitaneado por Ferréz, autor de livros como “Capão Redondo” e “Manual Prático do Ódio”.