O editor José Olympio (Foto: Arquivo Ed. José Olympio)

LITERATURA

A produção literária brasileira teve um crescimento espetacular a partir dos anos 1930. A quantidade de leitores aumentou significativamente e, pela primeira vez na história, o livro nacional, escrito por autores brasileiros, superou os franceses na preferência do público. O número de editoras, apesar de ainda pequeno, dobrou entre 1936 e 1944. Os editores se identificavam como um grupo portador de uma missão — erradicar a miséria espiritual dos brasileiros.

Essas livrarias e editoras, como a Editora Globo, de Porto Alegre, e a José Olympio, do Rio de Janeiro, tornaram-se polos irradiadores de cultura, locais de encontro de escritores e intelectuais. Conversava-se sobre tudo: o comunismo, o nazifascismo, a crise mundial, a guerra, as ações governamentais, obras literárias, projetos. Os livros passaram a ser produzidos com esmero, a partir de um projeto gráfico mais moderno e bonito.

O INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO

Criado pelo ministro Gustavo Capanema em dezembro de 1937, com a missão de atuar positivamente na formação cultural dos brasileiros, o INL incentivou a fundação de bibliotecas públicas, colaborando na formação de seu acervo e na capacitação técnica dos bibliotecários. O órgão também seria responsável pela elaboração de uma enciclopédia e um dicionário nacionais, obras que, no entanto, não ficaram prontas.

Dentre os quadros do Instituto Nacional do Livro destacaram-se Mário de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e seu primeiro diretor, o poeta, ensaísta e crítico literário Augusto Meyer.

Augusto Meyer, primeiro diretor do Instituto Nacional do Livro (Foto: Iconographia)

Na literatura, muitos Brasis

Novos autores, como José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Abguar Bastos, Erico Verissimo, Dyonelio Machado, Vianna Moog e Ciro dos Anjos apresentaram aos leitores uma literatura rica e inovadora, centrada na vida do homem do povo, dos trabalhadores da cidade e do campo.

A literatura regionalista, como foi batizada, permitiu a todos os brasileiros conhecer de perto os problemas, os sonhos e as culturas do Nordeste e do Sul do país.

Capa da 1ª edição de “Doidinho” (Imagem: Reprodução)
O escritor José Lins do Rego (Foto: Iconographia)

José Lins do Rego

Os romances do paraibano José Lins do Rego abordam a decadência da aristocracia rural e da sociedade patriarcal da Zona da Mata nordestina entre o fim do século 19 e o início do 20, bem como a substituição dos engenhos de cana-de-açúcar pelas usinas. O autor se debruça também sobre fenômenos como a seca, o misticismo e o cangaço. Lins do Rego costumava dividir sua obra em dois ciclos: o da cana-de-açúcar — “Menino de Engenho”, “Doidinho”, “Banguê”, “Fogo Morto” e “Usina” — e o do cangaço, misticismo e seca — inaugurado em 1938 com o romance “Pedra Bonita”. As obras “Moleque Ricardo”, “Pureza”, “Riacho Doce” e “Água Mãe” apresentam características dos dois ciclos.

Capa da 1ª edição de “S. Bernardo” (Imagem: Reprodução)
O escritor Graciliano Ramos (Foto: Iconographia)
Capa do romance mais conhecido de Graciliano Ramos (Imagem: Iconographia)
Capa da edição francesa de “Memórias do Cárcere” (Imagem: Reprodução)

Graciliano Ramos

Graça, como era conhecido pelos amigos, é autor de "Memórias do Cárcere", o mais contundente relato das violências cometidas nas prisões pelo Estado Novo. Obra autobiográfica, narra os dez meses em que esteve preso e só foi publicado após sua morte.

Na década de 1930, Graciliano lançou "S. Bernardo" e "Vidas Secas", que retratam os flagelos da migração e as duras condições de vida dos camponeses do Nordeste, tangidos pela estiagem.

Capa da 1ª edição de “João Miguel” (Imagem: Reprodução)
A escritora Rachel de Queiroz (Foto: Iconographia)

Rachel de Queiroz

A obra da cearense Rachel de Queiroz trata da seca, do coronelismo e do êxodo rural, com destaque para os aspectos psicológicos dos sertanejos. Comunista, a autora de “O Quinze”, “João Miguel”, “Caminho das Pedras” e “As Três Marias” foi presa durante o Estado Novo.

Capa da 1ª edição de “Cacau” (Foto: Reprodução)
Jorge Amado (Foto: Iconographia)
Capa da 1ª edição de “Suor” (Foto: Reprodução)

Jorge Amado

A vida e a luta dos trabalhadores, pobres e marginalizados da Bahia é apresentada aos brasileiros de forma poética, nos romances de Jorge Amado.

Entre 1931 e 1945, o autor publicou os romances “O País do Carnaval”, “Cacau”, “Suor”, “Jubiabá”, “Mar Morto”, “Capitães de Areia”, “Terras do Sem-fim” e “São Jorge dos Ilhéus”. Amado também escreveu a biografia de Castro Alves (“ABC de Castro Alves”) e Luís Carlos Prestes (“O Cavaleiro da Esperança”).

Comunista perseguido e censurado, Jorge Amado chegou a ser preso durante o Estado Novo.

Capa de “Safra” (Imagem: Reprodução)

Abguar Bastos

No romance “Safra”, lançado em 1937, o autor paraense apresenta aos brasileiros a realidade dos homens que ganhavam a vida colhendo castanha e sofrendo com os abusos dos donos dos castanhais na Amazônia.

Página de rosto de “Clarissa” (Foto: Reprodução)

Érico Veríssimo

A luta pela sobrevivência numa cidade grande em rápido processo de transformação é o tema das primeiras obras desse grande escritor gaúcho: “Clarissa”, “Música ao Longe”, “Saga” e “O Resto É Silêncio”. Em 1947, Verissimo publicaria o primeiro volume da trilogia que é considerada sua obra-prima: “O Tempo e o Vento”.

O autor Dyonelio Machado (Foto: Reprodução)

Dionélio Machado

Em “Os Ratos”, lançado em 1935, o escritor gaúcho conta um dia na vida de Naziazeno Barbosa, que precisa conseguir dinheiro para pagar sua dívida com o leiteiro. O livro é uma crítica mordaz à mesquinharia de uma sociedade dominada pelo dinheiro, insensível aos problemas da população pobre da cidade grande.

O escritor Vianna Moog (Foto: Iconographia)

Vianna Moog

Em seu romance “Um Rio Imita o Reno”, o gaúcho de São Leopoldo trata da vida em uma cidade fictícia no Rio Grande do Sul, cujos habitantes, já na segunda ou terceira geração no Brasil, ainda se consideravam alemães e nutriam profundo preconceito racial contra os brasileiros, considerados mestiços e inferiores.

O autor Ciro dos Anjos (Foto: Iconographia)

Ciro dos Anjos

Concebido em forma de diário, “O Amanuense Belmiro”, lançado em 1937, sensibilizou uma geração inteira ao mostrar as reflexões do personagem sobre seu cotidiano na cidade de Belo Horizonte, que, embora fosse capital do estado, ainda era extremamente provinciana.

ROMANCE PROLETÁRIO

“Parque Industrial”, de Pagu, e as obras de Oswald de Andrade “A Escada Vermelha”, “A Revolução Melancólica” e “Chão” são exemplos de romance proletário, gênero que procurava retratar a miséria do trabalhador urbano-industrial.

Pagu (Patrícia Galvão), em fotografia do seu prontuário no Dops (Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo)
Capa de “Parque Industrial”, de “Mara Lobo” (Pagu) (Imagem: Iconographia)
Oswald de Andrade (Foto: Iconographia)
Capa da 1ª edição de “A Revolução Melancólica” (Imagem: Iconographia)

POESIA

O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade lançou nesse período dois livros fundamentais: “O Sentimento do Mundo” e “Rosa do Povo”.

Carlos Drummond de Andrade (Foto: Iconographia)
Capa da 1ª edição de “Sentimento do Mundo” (Imagem: Iconographia)
Capa da 1ª edição de “A Rosa do Povo” (Imagem: Iconographia)

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista pela janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

Nosso Tempo

Esse é tempo de partido,
tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.

Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

II

Este é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.

Mudou-se a rua da infância.
E o vestido vermelho
vermelho
cobre a nudez do amor,
ao relento, no vale.

Símbolos obscuros se multiplicam.
Guerra, verdade, flores?
Dos laboratórios platônicos mobilizados
vem um sopro que cresta as faces
se dissipa, na praia, as palavras.

A escuridão estende-se mas não elimina
o sucedâneo da estrela nas mãos.
Certas partes de nós como brilham! São unhas,
anéis, pérolas, cigarros, lanternas,
são partes mais íntimas,
e pulsação, o ofego,
e o ar da noite é o estritamente necessário
para continuar, e continuamos.

III

E continuamos. É tempo de muletas.
Tempo de mortos faladores
e velhas paralíticas, nostálgicas de bailado,
mas ainda é tempo de viver e contar.
Certas histórias não se perderam.
Conheço bem esta casa,
pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se,
a sala grande conduz a quartos terríveis,
como o do enterro que não foi feito, do corpo esquecido na mesa,
conduz à copa de frutas ácidas,
ao claro jardim central, à água
que goteja e segreda
o incesto, a bênção, a partida,
conduz às celas fechadas, que contêm:
papéis?
crimes?
moedas?

Ó conta, velha preta, ó jornalista, poeta, pequeno historiador urbano,
ó surdo-mudo, depositário de meus desfalecimentos, abre-te e conta,
moça presa na memória, velho aleijado, baratas dos arquivos, portas rangentes, solidão e asco,
pessoas e coisas enigmáticas, contai;
capa de poeira dos pianos desmantelados, contai;
velhos selos do imperador, aparelhos de porcelana partidos, contai;
ossos na rua, fragmentos de jornal, colchetes no chão da costureira, luto no braço, pombas, cães errantes, animais caçados, contai.
Tudo tão difícil depois que vos calastes…
E muitos de vós nunca se abriram.

IV

É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso
na esquina. Tempo de cinco sentidos
num só. O espião janta conosco.

É tempo de cortinas pardas,
de céu neutro, política
na maçã, no santo, no gozo,
amor e desamor, cólera
branda, gim com água tônica,
olhos pintados,
dentes de vidro,
grotesca língua torcida.
A isso chamamos: balanço.

No beco,
apenas um muro,
sobre ele a polícia.
No céu da propaganda
aves anunciam
a glória.
No quarto,
irrisão e três colarinhos sujos.

V

Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.

Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.
O esplêndido negócio insinua-se no tráfego.
Multidões que o cruzam não veem. É sem cor e sem cheiro.
Está dissimulado no bonde, por trás da brisa do sul,
vem na areia, no telefone, na batalha de aviões,
toma conta de tua alma e dela extrai uma porcentagem.

Escuta a hora espandongada da volta.
Homem depois de homem, mulher, criança, homem,
roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa,
homem, homem, mulher, homem, mulher, roupa, homem,
imaginam esperar qualquer coisa,
e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se,
últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa,
já noite, entre muros apagados, numa suposta cidade, imaginam.

Escuta a pequena hora noturna de compensação, leituras, apelo ao cassino, passeio na praia,
o corpo ao lado do corpo, afinal distendido,
com as calças despido o incômodo pensamento de escravo,
escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir,
errar em objetos remotos e, sob eles soterrados sem dor,
confiar-se ao que bem me importa
do sono.

Escuta o horrível emprego do dia
em todos os países de fala humana,
a falsificação das palavras pingando nos jornais,
o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,
os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,
a constelação das formigas e usurários,
a má poesia, o mau romance,
os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,
o homem feio, de mortal feiura,
passeando de bote
num sinistro crepúsculo de sábado.

VI

Nos porões da família
orquídeas e opções
de compra e desquite.
A gravidez elétrica
já não traz delíquios.
Crianças alérgicas
trocam-se; reformam-se.
Há uma implacável
guerra às baratas.
Contam-se histórias
por correspondência.
A mesa reúne
um copo, uma faca,
e a cama devora
tua solidão.
Salva-se a honra
e a herança do gado.

VII

Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos
para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,
dores de classe, de sangrenta fúria
e plácido rosto. E há mínimos
bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,
lesões que nenhum governo autoriza,
não obstante doem,
melancolias insubornáveis,
ira, reprovação, desgosto
desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.
Há o pranto no teatro,
no palco? no público? nas poltronas?
há sobretudo o pranto no teatro,
já tarde, já confuso,
ele embacia as luzes, se engolfa no linóleo,
vai minar nos armazéns, nos becos coloniais onde passeiam ratos noturnos,
vai molhar, na roça madura, o milho ondulante,
e secar ao sol, em poça amarga.
E dentro do pranto minha face trocista,
meu olho que ri e despreza,
minha repugnância total por vosso lirismo deteriorado,
que polui a essência mesma dos diamantes.

VIII

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.