1931 - 1934

Uma grande reviravolta

O Estado e os trabalhadores

A Revolução de 1930 marcou o início de uma grande virada na história do Brasil. O presidente da República assumiu efetivamente o comando político do país, que na Primeira República estava a cargo das oligarquias estaduais, especialmente as de São Paulo e Minas Gerais. Um personagem, até então completamente desprezado, virou central nas políticas de Estado: o trabalhador.

A escravidão havia durado muito tempo por aqui. Ela começou no início da colonização portuguesa, no século 16, e durou até 1888. Negros escravizados não eram considerados seres humanos. O trabalho não valia nada, e continuou sendo visto como algo desprezível mesmo depois da Abolição e durante toda a Primeira República. Washington Luís, o último presidente antes de Getúlio, tratava as lutas dos trabalhadores como caso de polícia — e foram muitas as lutas dos trabalhadores, por respeito e pela regulamentação do trabalho.

Getúlio mudou tudo isso. Para ele, o trabalho não era castigo nem desonra, muito pelo contrário. Vargas acreditava que o trabalho dignifica o homem, porque pelo trabalho o ser humano se integra à sociedade e participa da construção da civilização. Muito mais do que um meio de ganhar a vida, o trabalho é um meio de servir à pátria, um direito e um dever, uma atividade essencial que realizava o indivíduo e o tornava um cidadão, mas ao mesmo tempo uma obrigação ética com a sociedade e o Estado.

O discurso do governo de Getúlio afirmava que todos os trabalhadores, independente da função que exerciam — manual ou intelectual —, tinham valor. Pois cada um deles, exercendo seu ofício com seriedade, colaborava para o engrandecimento e desenvolvimento do Brasil. Segundo Getúlio, o trabalhador era bom e honesto, e, com o apoio do poder público, construiria uma vida melhor para si e sua família.

1931 - 1934

Quem discorda vai pro pau

O Estado e os trabalhadores

Pouco depois de tomar posse como presidente do Governo Provisório, ainda em 1930, Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde. Com grande protagonismo dentro do governo, essas pastas foram decisivas para pôr a questão social no centro das ações do Estado.

Getúlio era autoritário e acreditava que Estado democrático era aquele que incluía os trabalhadores no projeto e no orçamento da nação. Por isso, na sua visão, ditadura não era o oposto da democracia. Pelo contrário, na ditadura ele podia reprimir livremente quem não estivesse de acordo com seus planos de inclusão controlada, impedindo assim que movimentos sociais, parlamentares e outros atores políticos atrapalhassem suas ações em prol da nação brasileira. Em seu governo, militantes foram presos e torturados, líderes dos trabalhadores, expulsos do Brasil, e sindicatos, fechados.

A repressão deu um salto a partir de 1935, quando a esquerda, liderada pelo Partido Comunista do Brasil, formou a Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma frente ampla composta por socialistas, comunistas, católicos e democratas que combatiam o fascismo e o imperialismo e lutavam pelos direitos do cidadão. Pouco mais de três meses depois da fundação, a ANL foi declarada ilegal, e seus membros, perseguidos pela polícia política de Getúlio. A radicalização, que vinha crescendo desde a promulgação da nova Constituição, em julho do ano anterior, explodiu. O governo definiu que seu principal inimigo era a ameaça comunista — e mandou descer o pau. Sindicatos identificados com a ANL foram fechados, sindicalistas e políticos, espancados, presos e torturados.

A repressão aumentou ainda depois que militares de esquerda, liderados pelos comunistas, se insurgiram em Natal, Pernambuco e na capital da República, em novembro de 1935. Foi decretado estado de sítio em todo o território nacional. O governo se outorgou o direito de intervir nos sindicatos em caso de atividades oposicionistas e greves ilegais. As prisões ficaram lotadas, a tortura correu solta, pessoas foram assassinadas ou, como Olga Benário, entregues aos nazistas. Em 10 de novembro de 1937, Getúlio fechou o Congresso e instaurou a ditadura do Estado Novo. O direito de greve foi abolido, manifestações públicas foram duramente reprimidas, e participantes das assembleias sindicais tiveram de apresentar atestados de ideologia.

O longo silêncio, que começara em 1935, aumentou em 1937 e durou até 1942.

Assim, ao mesmo tempo em que deu reconhecimento, direitos e proteção ao trabalhador e sua família — motivo das lutas trabalhistas desde o início do século —, Getúlio também reforçou o controle do Estado sobre o movimento operário, tirando-lhe a independência, o direito de fazer política e de lutar por novas conquistas. Quem não rezava por sua cartilha era duramente reprimido.

O governo de Getúlio reescreveu a história dos direitos sociais, apresentando-os não como uma conquista dos trabalhadores, mas como uma dádiva de seu governo, como se ele fosse um visionário dotado de generosidade e sensibilidade social, capaz de antecipar as demandas sociais e criar leis e ações de proteção à família trabalhadora. Ao fazer isso, esperava obediência e até mesmo sacrifícios dos operários, como a ampliação da jornada de trabalho durante a guerra.

O ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho, fazia uma palestra semanal dirigida aos trabalhadores no programa “Hora do Brasil”. No cargo desde 1942 até o final do Estado Novo, ele exerceu um papel importante na consolidação da imagem de Getúlio como o “pai dos pobres”.

Mais informações sobre o programa “Falando aos trabalhadores” podem ser encontradas no extra “A Era do Rádio”.

1931 - 1934

Só tem benefício quem tem ofício

O Estado e os trabalhadores

Na Era Vargas, só era considerado cidadão aquele que trabalhava, produzia riquezas, tinha carteira de trabalho assinada, era sindicalizado e entendia que a labuta diária era ao mesmo tempo um direito seu e um dever para com a pátria. Os desempregados, mendigos, criminosos e subversivos não eram considerados parte do povo. Não tinham cidadania — e pagavam caro por isso.

Durante o período em que governou, Getúlio regulamentou o trabalho da mulher e do menor, a jornada de 8 horas de trabalho, as férias, a aposentadoria, o salário mínimo e mais uma série de garantias e direitos que foram reunidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que passou a vigorar em 1943.

Também no governo de Vargas foi regulamentada a Justiça do Trabalho, e a União investiu na criação de um sistema público de saúde, na educação, alimentação, habitação e previdência social.

1931 - 1934

Sindicatos enquadrados

O Estado e os trabalhadores

Getúlio assumiu o controle sobre os sindicatos a partir da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Em fevereiro de 1931, foi criado o Departamento Nacional do Trabalho (DNT), no âmbito do ministério. O DNT podia destituir diretorias de associações de trabalhadores, sindicatos, federações e confederações, ou mesmo fechar definitivamente essas organizações.

Em março de 1931, a Lei da Sindicalização estabeleceu que só poderia existir um único sindicato por categoria profissional, exigindo a “abstenção, no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer propaganda ideológica sectária, de caráter social, político ou religioso”. A partir daí não haveria mais competição entre propostas concorrentes, nem lutas nos sindicatos ou nas ruas. Só os trabalhadores sindicalizados nas entidades reconhecidas pelo Ministério do Trabalho tinham direito aos benefícios sociais e trabalhistas. A estrutura sindical se verticalizou: os sindicatos municipais de uma categoria — por exemplo, os comerciários — se reuniam numa única federação por estado. Todas as federações estaduais conformavam uma só confederação nacional. Foram proibidas as comemorações do 1º de maio.

A carteira de trabalho passou a ser emitida pelo Departamento Nacional do Trabalho a partir de março de 1932. Só com ela os trabalhadores podiam se associar ao sindicato, ter direito a férias, apelar para as Juntas de Conciliação e Julgamento e obter empréstimo nas caixas de aposentadoria e pensão. Em novembro desse ano, foram criadas as Comissões Mistas de Conciliação, o primeiro passo para a criação da Justiça do Trabalho, que seria instituída na Constituição de 1934 e regulamentada em maio de 1939. Formadas por representantes tanto dos sindicatos dos patrões quanto dos empregados e lideradas por representantes do Ministério do Trabalho, as comissões atuavam como mediadoras nas disputas trabalhistas.

Em junho de 1939, foram baixadas novas regras para a sindicalização: os sindicatos só poderiam funcionar se fossem oficiais, ou seja, reconhecidos pelo ministério, e estavam proibidos de se engajar na política e de se filiar a organizações trabalhistas internacionais. Pelo decreto, “toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do Ministério do Trabalho: nele nascerão; com ele, crescerão; ao lado dele se desenvolverão; nele, se extinguirão”.

Em 1940 foi criado o imposto sindical. A partir daí todo empregado — sindicalizado ou não — teria descontado em folha, uma vez por ano, o valor correspondente a um dia trabalhado. Do total arrecadado, 60% ficavam com o sindicato da categoria do trabalhador, 15% iam para a federação, 5% para a confederação e 20% para o Ministério do Trabalho. Foi assim que os sindicatos garantiram uma renda certa para sua manutenção, o que contribuiu para burocratizar o setor — mesmo com poucos sócios, os sindicatos já recebiam o dinheiro vindo de toda a categoria, o que dispensava a necessidade de campanhas de sindicalização. Resultado: em pouco tempo, surgiram os chamados pelegos — dirigentes sindicais ligados ao Ministério do Trabalho, sem compromisso com as lutas dos trabalhadores e absolutamente dependentes dos recursos do imposto sindical. Os pelegos eram aliados do governo e também dos patrões, pois amansavam a categoria — e, em troca, recebiam favores.