Artistas posam nos bastidores do “Programa Casé”, em 1932. O apresentador Ademar Casé é o 1º sentado à direita (clique para ampliar a imagem). Na fileira de trás aparecem Noel Rosa e Pixinguinha, entre outros (Foto: Iconographia)

A ÉPOCA DE OURO da Música Popular

O período conhecido como a ”época de ouro” da música popular, entre 1930 e 1945, resultou da renovação musical trazida pela criação do samba, da marchinha e de outros gêneros urbanos, do forte crescimento da música caipira, da influência da música nordestina e do aparecimento de um grande número de talentosos artistas — compositores, cantores e músicos. Foi também fruto das inovações tecnológicas, como o rádio, a gravação eletromagnética do som e o cinema falado, que contribuíram para criar uma importante indústria cultural no país. Os artistas tinham lugar garantido nas gravadoras, emissoras de rádio e filmes musicais.

A indústria fonográfica deu um salto. Em vez de forçar a voz nos registros musicais, como era necessário no tempo das gravações mecânicas, os cantores já podiam cantar num tom mais natural e espontâneo, graças à captação elétrica do som. O primeiro artista a se destacar nesse tipo de interpretação foi o cantor Mário Reis.

A Turma do Estácio havia criado, nos anos 1920, o samba como conhecemos hoje, e esse ritmo logo se tornaria a música nacional por excelência. Compositores como Noel Rosa, Ismael Silva, Lamartine Babo e Braguinha produziram uma música urbana que falava do cotidiano dos brasileiros. Pixinguinha e Radamés Gnattali estabeleceram elevados padrões de arranjos e orquestração para nossa música.

Um aparelho de rádio da época: artistas tinham espaço garantido (Imagem: Iconographia)
Marília Batista e Noel Rosa (dir.) apresentam-se na rádio Mayrink Veiga (Foto: MIS-RJ)
Dircinha Batista, em 1939 (Foto: Iconographia)

Durante o Estado Novo nossa música se consolidou, com o sucesso das composições de Ari Barroso, Dorival Caymmi, Ataulfo Alves, Wilson Batista, Mário Lago, Geraldo Pereira, David Násser, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues e Haroldo Lobo, entre outros. Destacaram-se como cantores Mário Reis, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Ciro Monteiro e Carlos Galhardo. Entre as cantoras, além de Cármen e sua irmã Aurora Miranda, Araci Cortes, Emilinha Borba, Araci de Almeida e Dircinha Batista, além de Linda e Marília Batista.

Desenho de Cecília Meireles exalta o Carnaval na praça 11, onde, em 1932, realizou-se o primeiro desfile de uma escola de samba, a do Estácio (Foto: Reprodução)
Ismael Silva (Foto: Iconographia)
Alcebíades Barcelos, o Bide (Foto: Reprodução)

OS BAMBAS DO ESTÁCIO

Ismael Silva, Nílton Bastos, os irmãos Alcebíades (Bide) e Rubem Barcelos, João Mina e Marçal formavam a chamada Turma do Estácio, que criou um samba diferente do tradicional, que era mais parecido com o maxixe.

O novo samba — que passou a usar o surdo, inventado por Bide, e a cuíca, criada por João Mina — favoreceu o desfile dos carnavalescos pelas ruas e logo se tornaria o gênero mais gravado no país naquele período.

Noel Rosa (Foto: Iconographia)
Ataulfo Alves (Foto: Iconographia)
Lupicínio Rodrigues (Foto: Reprodução)
Herivelto Martins (Foto: Iconographia)
Dorival Caymmi (Foto: Iconographia)

GRANDES SAMBISTAS

Responsável por alguns clássicos da música brasileira, como ”Com Que Roupa? ”, ”Último Desejo”, ”Conversa de Botequim”, ”Feitiço da Vila”, ”Tarzan — o Filho do Alfaiate”, ”Três Apitos” e ”Feitio de Oração”, Noel Rosa foi o grande sambista dos primeiros anos do governo Vargas.

Mas não foi o único. O período foi rico para a música brasileira, com o aparecimento de compositores do nível de Ataulfo Alves, Dorival Caymmi, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, Geraldo Pereira, Mário Lago, Wilson Batista e tantos outros.

MALANDRO X TRABALHADOR

O governo Vargas valorizava e enaltecia o trabalhador. O malandro, antes tido como um herói esperto e exaltado em tantas composições, passou a ser criticado pela música e reprimido pela polícia. Wilson Batista e Noel Rosa levaram essa mudança para suas canções.

Em 1933, Wilson Batista louvou o malandro em seu samba “Lenço no Pescoço”: “Meu chapéu do lado,
 Tamanco arrastando,
 Lenço no pescoço,
 Navalha no bolso:
 Eu passo gingando,
 Provoco e desafio.
 Eu tenho orgulho
 Em ser vadio!



Sei que eles falam
 Deste meu proceder,
 Eu vejo quem trabalha
 Andar no miserê…”

Cartaz do DIP de 1939 exalta o trabalho (Foto: Iconographia)
O compositor Wilson Batista (Foto: Reprodução)

Noel não tardou a entrar no debate, lançando, no mesmo ano, “Rapaz Folgado”: “Deixa de arrastar o teu tamanco,
 Pois tamanco nunca foi sandália,
 E tira do pescoço o lenço branco.
 Compra sapato e gravata,
 Joga fora essa navalha 
 Que te atrapalha.

 Com chapéu do lado deste rata
 Da polícia quero que escapes
 Fazendo um samba-canção.
 Já te dei papel e lápis,
 Arranja um amor e um violão.

 Malandro é palavra derrotista,
 Que só serve pra tirar
 Todo o valor do sambista.
 Proponho ao povo civilizado
 Não te chamar de malandro
 E sim de rapaz folgado.”

Com a implantação do Estado Novo e o surgimento das leis trabalhistas, Wilson Batista acabou se rendendo aos novos tempos. É o que se vê em “O Bonde de São Januário”, gravada em 1940: Quem trabalha é que tem razão,
 Eu digo e não tenho medo de errar:
 O bonde São Januário
 Leva mais um operário,
 Sou eu que vou trabalhar.



Antigamente eu não tinha juízo
 Mas resolvi garantir meu futuro.
 Vejam vocês: sou feliz, vivo muito bem,
 A boemia não dá camisa a ninguém.
 É, muito bem!

João de Barro, mais conhecido como Braguinha (Foto: Reprodução)
Lamartine Babo (Foto: Reprodução)
Assis Valente (Foto: Iconographia)

A MARCHINHA

Lamartine Babo e Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga, também chamado de João de Barro) foram os autores de grandes marchinhas carnavalescas, que exaltavam a mulher e faziam a crônica do cotidiano, superando os sambas na preferência dos carnavalescos. Outros compositores do gênero foram Noel Rosa, Assis Valente e Nássara.

Dentre os sucessos, destacam-se “A. E. I. O. U.” (Noel e Braguinha), “Formosa” (Nássara e J. Rui), “Good Bye, Boy” (Assis Valente), “Moreninha da Praia” (Braguinha), “Pirata” (Braguinha e Alberto Ribeiro), “Pierrô Apaixonado” (Noel e Heitor dos Prazeres), “Mamãe, Eu Quero” (Vicente Paiva e Jararaca), “Pastorinhas” (Noel e Braguinha) e “Yes, Nós Temos Bananas” (Braguinha e Alberto Ribeiro).

Ary Barroso, 1942 (Foto: Iconographia)

SAMBA-EXALTAÇÃO

“Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, ao exaltar nossas belezas e a grandeza do Brasil, foi o primeiro dos chamados samba-exaltação, que logo se tornaram bastante populares e agradaram enormemente as autoridades do Estado Novo.

CINEMA MUSICAL

A mistura de comédias com música fez grande sucesso no cinema desse período. “A Voz do Carnaval”, dirigido por Ademar Gonzaga e Humberto Mauro e lançado em 1933, abriu o ciclo da comédia musical brasileira, elevando Cármen Miranda à condição de grande estrela da nossa música e do cinema. Outros sucessos se seguiram.

“Alô, Alô, Brasil” (1935), de Wallace Downey, Alberto Ribeiro e Braguinha, trazia cantores, comediantes e apresentadores do rádio, como Cármen e Aurora Miranda, Francisco Alves, Almirante, Mário Reis, Ari Barroso, César Ladeira, Virgínia Lane e outros.

Aurora e Cármen Miranda em cena de “Alô, Alô, Carnaval” (1936) (Foto: Iconographia)
Cármen Miranda no filme “Banana da Terra” (1939) (Foto: Reprodução)
Cena de “O Descobrimento do Brasil” (1937), de Humberto Mauro (Foto: Iconographia)

“Alô, Alô, Carnaval” (1936), sequência do “Alô, Alô, Brasil”, teve direção de Ademar Gonzaga e Wallace Downey e foi uma superprodução da Cinédia que apresentava Cármen Miranda, Francisco Alves e Mário Reis como estrelas principais. Típica comédia musical do tempo áureo do rádio brasileiro, trouxe para a tela os grandes astros das emissoras de então, como Lamartine Babo, Almirante, Oscarito e as irmãs Linda e Dircinha Batista. É nesse filme que Cármen e Aurora Miranda cantam “Cantores do Rádio”, de Alberto Ribeiro, Babo e Braguinha.

Alô, alô Carnaval. Crédito: Reprodução.

“Banana da Terra” (1939), de Rui Costa, foi o último filme de Cármen Miranda no Brasil, e dele só sobreviveu o trecho em que ela canta “O Que É Que a Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi. Foi também nesse filme que Cármen se vestiu de baiana pela primeira vez. Além dela, o filme tinha no elenco Oscarito, as irmãs Linda e Dircinha Batista, Aluísio de Oliveira (do Bando da Lua), Emilinha Borba, Almirante, Alvarenga, Ranchinho, Aurora Miranda, Orlando Silva e Virgínia Lane.

Banana da Terra. Crédito: Reprodução.

“O Descobrimento do Brasil” (1937), de Humberto Mauro, teve apoio do governo brasileiro, por meio do Instituto Nacional do Cinema Educativo, órgão do Ministério da Educação e Saúde Pública, e produção do Instituto do Cacau da Bahia. A pesquisa histórica foi realizada por Edgar Roquette Pinto, Afonso Taunay e Bernardinho José de Souza. O ponto de partida do roteiro foi a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Manuel 1º de Portugal descrevendo as características físicas e humanas das terras descobertas. Suas imagens tentam construir uma representação harmônica do passado. Com trilha sonora de Heitor Villa-Lobos, o filme representou o país no Festival de Veneza de 1938.

O descobrimento do Brasil. Crédito: Reprodução.