1934 - 1935

Profundas transformações

A construção do Estado Nacional

O Estado brasileiro passou por profundas transformações depois que Getúlio Vargas chegou ao poder. Antes dele, durante a República Velha, o equilíbrio dos presidentes dependia da coordenação das oligarquias regionais, que, na prática, mandavam nos estados e, indiretamente, no país. A maior parte das políticas públicas era definida pelos governadores, quase todos grandes senhores de terra, com liderança restrita às fronteiras de suas regiões.

Os partidos políticos também se organizavam por estados, ou seja, não tinham um projeto nacional. Em questões fundamentais como saúde, educação e trabalho não existiam políticas gerais para todos os brasileiros. Washington Luís, último presidente da República Velha, governou com sete ministérios: Justiça e Negócios Interiores; Marinha; Guerra; Relações Exteriores; Fazenda, Viação e Obras Públicas; e Agricultura, Indústria e Comércio.

Ao assumir o governo em 3 de novembro de 1930, ainda como presidente do Governo Provisório, Getúlio tomou algumas medidas que começaram a mudar a cara de nosso país. No primeiro mês de mandato, criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, chamando para a responsabilidade do governo federal a formulação de políticas nessas duas áreas. Dias depois, organizou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, sinalizando que, em seu governo, as questões relativas aos trabalhadores, inclusive suas relações com os patrões, seriam administradas pelo governo federal. Outra medida importante nesses primeiros dias de governo foi a reformulação do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

As mudanças profundas promovidas por Getúlio só foram possíveis graças a outro decreto, editado em 11 de novembro de 1930, que dissolveu o Congresso Nacional, as assembleias legislativas estaduais e as câmaras municipais. Assim, o poder de legislar ficou concentrado nas mãos de Getúlio durante um bom tempo.

E ele não parou por aí. Suspendeu as garantias constitucionais e nomeou interventores federais de sua confiança para comandar os estados. Esses interventores, por sua vez, ficaram encarregados de nomear os prefeitos dos municípios. Com isto, substituiu-se o federalismo exacerbado da República Velha, baseado no comando de coronéis fazendeiros, e concentraram-se os poderes nas mãos do governo central.

A partir daí o governo federal assumiu o papel de grande formulador de políticas e de coordenador do desenvolvimento do país. Para atingir esse objetivo, Getúlio se uniu aos novos atores emergentes na vida nacional: os empresários e trabalhadores, ligados à indústria, e a classe média, que ocuparia importantes posições na administração pública.

Essa nova arquitetura institucional lançou as bases para a industrialização do Brasil e para a expansão do mercado interno, o que representou uma mudança profunda na antiga economia do país, baseada apenas na agricultura de exportação. O custo político dessa modernização foi o autoritarismo.

Getúlio Vargas ficou no poder por cerca de quinze anos, período em que governou praticamente por decretos. Assumiu o Governo Provisório em 3 de novembro de 1930; depois de um breve regime constitucional (1934-1937), governou como ditador até ser deposto, em 29 de outubro de 1945.

1934 - 1935

A reforma do Estado

O Estado Nacional se transforma

Na República Velha, os poucos funcionários públicos eram nomeados e demitidos pelos coronéis, pois representavam seus interesses e não tinham nenhum compromisso com a nação. Sem eliminar completamente o clientelismo, Getúlio instituiu o concurso para o ingresso nas carreiras públicas e a estabilidade para os servidores. Essas ações permitiram à máquina estatal funcionar com base em critérios mais racionais e eficientes. Novas carreiras foram criadas, ampliando o mercado de trabalho e abrindo espaço para intelectuais e técnicos no governo.

Para assessorar o governo federal na formulação de políticas e na gestão dos diversos setores da economia, saúde, educação e do próprio aparelho estatal, Getúlio criou uma série de conselhos, formados por técnicos e representantes da sociedade.

Na gestão de recursos naturais, Getúlio nacionalizou as águas e as riquezas do subsolo, promulgando o Código de Minas, juntamente com o Código de Águas. Para o aproveitamento dessas riquezas, principalmente do minério do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, Getúlio fundou a Companhia Vale do Rio Doce. Com essas medidas, e os recursos advindos dos Acordos de Washington, garantiu a produção e a exportação de minério de ferro, abrindo mais uma importante fonte de renda para a União.

Getúlio acreditava que cabia ao Estado promover a industrialização do país, especialmente nas indústrias de base, como a siderurgia, capazes de sustentar o desenvolvimento e estimular o surgimento de novos setores. Os fatos confirmariam sua estratégia: a Companhia Siderúrgica Nacional foi o grande motor da nossa industrialização.

As informações sobre a população, a produção industrial, a produção agrícola e as riquezas minerais foram centralizadas, com a formação do Conselho Nacional de Estatística. Getúlio também criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), que se tornaria o grande gerente da administração pública, realizando estudos, recomendando a criação de organismos de Estado e coordenando as relações entre os órgãos.

Os conselhos, as comissões e os institutos estabeleceram novos mecanismos de formulação e implantação de políticas públicas, reduzindo a interferência das oligarquias, e passaram a apresentar soluções técnicas — e não apenas políticas — para as questões nacionais.

Nesse sistema hierarquizado introduzido por Getúlio, as decisões eram tomadas pela alta burocracia estatal e implantadas localmente pelos agentes estaduais e municipais. Dessa forma, os estados também eram estimulados a criar órgãos encarregados de implantar as políticas definidas pelo governo federal. Para Getúlio, o Estado tinha o papel de abrir novas frentes, viabilizando o que estava além da coragem e da capacidade do empreendedor privado.

1934 - 1935

A regulamentação do trabalho

O Estado Nacional se transforma

Logo ao assumir a Presidência, em 1930, Getúlio criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Através dele, passou a interferir diretamente nos assuntos relacionados ao mundo do trabalho, orientado por dois objetivos fundamentais: impedir a organização autônoma dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, conquistar seu apoio mediante a concessão de direitos.

Getúlio promulgou leis trabalhistas, como a jornada de 8 horas diárias, o descanso semanal remunerado e as férias; regulou o trabalho da mulher e do menor; também instituiu a carteira de trabalho, fixou o salário mínimo regional e criou as Comissões e Juntas de Conciliação e Julgamento, embriões da Justiça do Trabalho.

Na área da previdência social, foram estabelecidos os institutos de aposentadoria e pensão para quase todas as categorias de trabalhadores urbanos administrados por patrões, fossem empregados, fossem representantes do governo federal. Ficaram fora dessa rede de proteção os trabalhadores rurais, os autônomos e os trabalhadores domésticos.

O governo acabou com a autonomia das organizações sindicais, que, atreladas ao aparelho estatal, converteram-se em instrumentos de conciliação dos interesses de patrões e trabalhadores.

Assim, se por um lado Getúlio instituiu uma série de leis e direitos para os trabalhadores, por outro manteve os sindicatos e associações sob estrito controle, impedindo que ultrapassassem limites rígidos e se tornassem instrumentos de reivindicações e lutas.

1934 - 1935

Educação e saúde

O Estado Nacional se transforma

Os anos de Getúlio no governo, particularmente com Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde Pública, foram essenciais para a criação de um sistema educacional no Brasil.

Nomeado em 1934, Capanema ficou no comando da pasta até 1945. Nesse período, estabeleceu-se que a educação pública deveria ser financiada pelo Estado, enquanto o ensino privado deveria ser subsidiado pela União. O sistema educacional foi unificado em todo o território nacional, e obrigatoriamente em língua portuguesa. O governo federal assumiu a regulamentação e a fiscalização da educação em todos os níveis.

Getúlio visava criar um sentimento de brasilidade, construir no trabalhador brasileiro uma identidade positiva, e via na educação um dos principais fatores no planejamento e na execução desse plano. Foi assim que o Ministério da Educação e Saúde Pública se transformou num importantíssimo campo de disputa para a definição dos rumos do país.

Enquanto os conservadores católicos, liderados por Alceu Amoroso Lima, propunham uma educação preocupada em formar pessoas “tementes a Deus”, os integrantes do movimento Escola Nova, como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, defendiam a necessidade de um ensino laico, capaz de formar cidadãos e dirigentes para o país.

A reforma do ensino secundário deixou claras as disputas entre as diferentes visões da educação que deveria atingir os jovens brasileiros. Educação humanista ou técnica? Ensino generalizante e clássico ou profissionalizante? A solução encontrada foi o ensino secundário, de matriz clássica humanista, e a criação de todo um sistema de ensino profissional que daria origem ao que hoje conhecemos como “sistema S” — Senai, Senac, Sesi, etc.

Capanema empenhou-se no fortalecimento do ensino universitário, certamente o mais ambicioso segmento de seu programa de reformas educacionais. A formação das elites teve prioridade sobre a alfabetização das massas. O ministro acreditava que, dessa forma, as classes privilegiadas estariam aptas a melhorar o ensino primário, pois haveria um grupo de notáveis capazes de movimentar, desenvolver, dirigir e aperfeiçoar todo o mecanismo de nossa civilização.

No que se refere à saúde pública, em 1937 foi criado o Serviço Nacional de Febre Amarela, o primeiro nessa área a atingir dimensão nacional. Em 1939, foi a vez do o Serviço de Malária do Nordeste. Também foram construídos hospitais, colônias e asilos para o tratamento de outras endemias, como a tuberculose e a lepra.

No início de 1941 foram criados os Serviços Nacionais de Saúde, com o objetivo de debelar surtos epidêmicos e estabelecer métodos de controle e prevenção de doenças, em parceria com as delegacias federais de saúde e governos estaduais.

O governo federal, por meio das equipes técnicas que atuavam nos estados, compostas por médicos sanitaristas, guardas sanitários, enfermeiras e engenheiros, procurava aumentar sua presença nos recantos mais remotos do país, conjugando centralização política com alguma forma de descentralização administrativa.

O Departamento Nacional de Saúde do ministério implantou, em 1938, uma política de capacitação de quadros técnicos para os serviços nacionais e estaduais.

1934 - 1935

A questão rural

O Estado Nacional se transforma

Vastas áreas do território brasileiro estavam fora controle da União e constituíam o que o governo chamava de enormes “vazios territoriais” — terra virgem que a qualquer momento podia ser tomada por estrangeiros.

Além desse imenso território “intocado” — os índios que nele viviam não contavam, pois não eram considerados donos de terras —, o campo vinha perdendo um grande contingente de mão de obra, que partia para as cidades em busca de emprego, direitos trabalhistas e independência em relação aos latifundiários. As cidades começaram a ficar superpovoadas, o que aumentava os conflitos urbanos. Para Getúlio, a solução do problema da cidade passava pelo campo: era vital retomar o processo de ocupação do território nacional.

Era preciso, portanto, conquistar o interior do país de forma ordenada, com a fundação de cidades, a construção de rodovias e ferrovias e a criação de colônias agrícolas apoiadas pelo Estado. Dessa forma, seria possível organizar e estimular a agropecuária e fixar o homem no campo, melhorando suas condições de vida. 

O governo Vargas tomou uma série de iniciativas: centralizou as informações censitárias, a fim de ter um quadro preciso da distribuição da população no território nacional; subdividiu a administração dos estados do Norte e do Centro-Oeste, com a criação dos territórios federais do Amapá, Rio Branco (atual Roraima), Guaporé (atual Rondônia), Iguaçu e Ponta Porã; investiu na colonização do norte do Paraná; criou o Plano Geral Nacional de Viação; fundou o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), com a missão de construir estradas para interligar cidades e regiões do país.

Mas a grande ação governamental para ocupar o nosso território foi a “Marcha para o Oeste”. O programa, lançado oficialmente em 1940, já estava previsto desde o início do governo Vargas, com o intuito de retomar, pela ação dos sertanistas, a saga dos bandeirantes, desbravando o interior do Brasil. A mudança da capital de Goiás para a recém-construída Goiânia — inaugurada em 5 de julho de 1942 — foi parte desta iniciativa.

A Fundação Brasil Central, responsável pela Expedição Roncador-Xingu, foi uma das iniciativas da “Marcha para o Oeste” — fartamente explorada pelo DIP — para divulgar ao povo brasileiro os avanços na conquista dos “vazios territoriais”. Getúlio chegou a ceder seu piloto oficial ao fotógrafo Jean Manzon — que trabalhava para o DIP e para “O Cruzeiro” —, para uma reportagem fotográfica sobre o descobrimento das primeiras aldeias xavantes. As imagens dos índios armados de arco e flecha enfrentando o avião tiveram imensa repercussão.