O curta-metragem “Aruanda” tornou-se um clássico do cinema brasileiro, sendo considerado um dos precursores do Cinema Novo. A partir do final dos anos 1950, os jovens cineastas do movimento produziram uma intensa reflexão sobre o país, na busca da identidade autêntica do homem brasileiro. Apostando em produções independentes e de baixo custo, o Cinema Novo esforçou-se por identificar os problemas mais agudos do homem simples do povo. O filme, nesse sentido, se autojustifica.
“Aruanda”, que significa “terra da promissão”, é um substantivo feminino que deriva de Luanda, capital de Angola e o principal porto da África Ocidental. Luanda era a última imagem africana que ficava na memória daquelas pessoas escravizadas, pois de lá partiam para a América.
No curta de Linduarte de Noronha, a “Aruanda” do Sertão era o quilombo do Talhado, localizado na Paraíba e fundado por descendentes de escravos. Nos créditos de abertura temos a informação de que “os quilombos marcaram época na história econômica do Nordeste [...] Com o tempo, Talhado transformou-se num quilombo pacífico, isolado das instituições do país, perdido nas lombadas do Chapadão Nordestino”.
O filme conta a história da comunidade que foi imaginada como terra da promissão mas que se materializou em meio ao vazio político e à miséria.
“Barravento” foi o primeiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha. Sua realização não pode ser dissociada do efervescente contexto cultural da cidade de Salvador, que inspirou jovens estudantes e intelectuais a fazer cinema. Em “Bahia de Todos os Santos” (1960), de Trigueirinho Neto, e em “A Grande Feira” (1961), de Roberto Pires, a cidade de Salvador foi cenário e, ao mesmo tempo, tema dos filmes. “Barravento” foi gravado em Buraquinho, uma afastada vila de pescadores.
A preocupação inicial de Glauber Rocha foi construir um grande painel sobre o cotidiano dos moradores — o trabalho de pesca, o candomblé, a capoeira e as rodas de samba — para, em seguida, inserir um conflito na narrativa: Firmino (Antônio Pitanga), antigo morador da aldeia que fora morar na cidade grande, chega com promessas de modernidade, afirmando que o candomblé mascarava os problemas sociais e era fonte de alienação do povo, opondo-se à crença local que atribuía o sucesso da pesca à vontade de Iemanjá. Essa leitura dualista da realidade brasileira é o fio condutor da narrativa.
Em “Barravento”, Glauber faz uma leitura crítica da modernidade, que havia entrado por São Paulo e subia para o Norte, ameaçando as tradições afro-brasileiras e tudo que o Brasil, na sua visão, guardava de mais autêntico.
Convidado para dirigir o documentário “Garrincha, Alegria do Povo”, concebido por Luiz Carlos Barreto e Armando Nogueira, Joaquim Pedro de Andrade surpreendeu. A expectativa era de uma produção em tom solene, que abordasse a vida de Mané Garrincha positivamente, embalada pelo bom desempenho da Seleção Brasileira nas duas últimas Copas do Mundo até então.
Narrado por Heron Domingues, apresentador do “Repórter Esso”, o documentário de Joaquim Pedro guarda, de fato, o tom solene ao falar das virtudes do futebol, mas também mostra que esse esporte é regido por interesses políticos e utilizado como mecanismo de fuga social, de alienação, de paixão. “Garrincha, Alegria do Povo” acabaria se tornando uma das primeiras incursões do cinema brasileiro sobre o futebol e seus efeitos sociais.
A escolha de Garrincha foi emblemática por seu estilo de jogar — representava o lado lúdico do futebol — e por ter sido o jogador brasileiro mais identificado com o povo. Garrincha simbolizava o brasileiro das arquibancadas, com sua alegria, sua pobreza, seu sorriso espontâneo.
Não por acaso, desde a década anterior, o futebol tornara-se uma forma privilegiada de pensar o Brasil — “país do futebol”.
O argumento de “Porto das Caixas” foi escrito por Lúcio Cardoso, que já havia entrado para a história da literatura com o romance “Crônica da Casa Assassinada” (1959). O roteiro e a direção, por sua vez, couberam a Paulo César Saraceni, que em 1959 havia dirigido “Arraial do Cabo”. A fotografia ficou por conta de Mário Carneiro, e a trilha sonora, de Tom Jobim. Por todos esses fatores, “Porto das Caixas” foi considerado pela crítica uma das mais amadurecidas produções do Cinema Novo, que em 1962 ainda buscava se consolidar.
O que inicialmente mais chama a atenção no filme é a fotografia, escura e melancólica. A história se passa na pacata cidade de Porto das Caixas, onde vive a protagonista, vivida por Irma Alvarez, uma dona de casa submissa, humilhada pelo marido que, apesar de ser violento, revela nos olhos que sem ela não sabe viver. Saraceni em nenhum momento demonstra compactuar com a protagonista: esforça-se para fugir dos maniqueísmos e ancorar-se nas ambiguidades.
“Porto das Caixas” diferencia-se da chamada trilogia da fome (“Vidas Secas”, “Os Fuzis” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”) por focalizar o ambiente urbano de forma realista e objetiva, sem recorrer a cargas de simbolismos. A cidade é um espaço povoado de pessoas angustiadas, afastadas dos grandes centros e de qualquer possibilidade de ascensão social.
O que moveu o diretor Nélson Pereira dos Santos a adaptar o clássico de Graciliano Ramos para o cinema foi a forte impressão que a grande seca de 1958 lhe causou: “Ao presenciar a chegada daquela gente esquálida, principalmente as crianças, senti-me na obrigação de fazer um filme”.
“Vidas Secas”, lançado em 1963, foi gravado no sertão de Alagoas, terra de Graciliano, de onde foi possível aproveitar ao máximo a luz e a sonoridade para transmitir a realidade. O maior êxito de Nélson foi transpor para a linguagem cinematográfica os vazios que permeiam a obra de Graciliano Ramos. Por causa disso, o filme é marcado por silêncios prolongados e personagens que pouco falam, como se fosse preciso evitar qualquer desperdício de energia.
Esse, em resumo, era o drama de Fabiano e sua família: vidas secas. Desde os anos 1930 a história dos retirantes nordestinos povoou a imaginação cultural brasileira. A canção, o cinema, as artes plásticas e a literatura dedicaram-se intensamente a essa questão que simboliza a existência de dois Brasis: um que atrai e outro que expulsa.
No manifesto “Estética da Fome”, publicado em 1965, Glauber Rocha destaca que “de ‘Aruanda’ a ‘Vidas Secas’, o Cinema Novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens matando para comer, personagens fugindo para comer, personagens sujas, feias, escuras [...]. Ele [o brasileiro] não come, mas tem vergonha de dizer isso”.