Fundado em 1936, o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince) esteve ligado diretamente ao governo Vargas e tinha por objetivo contar a oficial história do Brasil. Com a deposição de Vargas e o fim do Estado Novo, a orientação do Instituto mudou.
O cineasta mineiro Humberto Mauro, de Cataguases, participou, direta ou indiretamente, da produção de cerca de 300 filmes patrocinados pelo Ince. De 1945 até 1964, ele produziu curtas-metragens recheados de saudade e romantismo: a série Brasilianas. Nesses filmes, o cineasta aborda o mundo rural, valorizando as tradições regionais e folclóricas de um Brasil que cada vez mais se lançava na modernidade capitalista.
“Meus Oito Anos” (1956, 11 minutos) evoca o Brasil exuberante do poeta Casimiro de Abreu (1839-1860); em “Aboio e Cantigas” (1954, nove minutos), ganha as telas o cotidiano dos vaqueiros reunindo a boiada; “Engenhos e Usinas” (1955, oito minutos) retrata, com tristeza, a substituição dos antigos engenhos de cana-de-açúcar pelo progresso das usinas a vapor.
Os filmes da série Brasilianas são uma amostra preciosa da vasta obra do cineasta mineiro, um dos pioneiros do cinema brasileiro.
Fundada em 1941, a Atlântida Cinematográfica dominou a produção cinematográfica nacional por quase 20 anos, lançando películas populares que falavam de um Brasil alegre, carnavalesco. Elas atraíam milhões de espectadores, mas também irritavam os críticos, que só tinham olhos para as novidades europeias.
As chanchadas levaram para as telas as tradições do rádio, do circo e do teatro mambembe — de onde saiu Grande Otelo, que se tornaria um dos principais artistas da Atlântida. Pelo riso e pelo deboche, aqueles filmes relativizaram a ordem social do país — seus protagonistas eram os bêbados, os palhaços, os caipiras, os cantores, os malandros, o homem comum.
O filme “Carnaval Atlântida”, lançado em 1952, é uma metáfora sobre a própria trajetória da companhia: narra a dificuldade de fazer um filme “sério” no Brasil. Na trama, o produtor Cecílio B. de Milho (Renato Restier) pretende adaptar a história clássica de Helena de Troia para o cinema, e para isso contrata como consultor o professor Xenofontes (Oscarito). A empreitada fracassa, mas fica o recado: se não podemos fazer filmes nos padrões hollywoodianos, então precisamos assumir nossa própria identidade — e, no fim, tudo vira samba.
Ao longo dos anos 1940 e 1950, São Paulo, com a Companhia Vera Cruz, e o Rio de Janeiro, com a Atlântida, disputavam a hegemonia na produção cinematográfica. O período ficou conhecido como “a era dos estúdios”. As propostas eram distintas: enquanto a companhia carioca valorizava a alegria do Carnaval e a malandragem, na Vera Cruz paulista a abordagem dos temas sociais regionalistas e “sérios” era mais aceita. Os diretores lançavam olhares distintos sobre o Brasil, que era uma fonte inesgotável de inspiração.
Em 1952, os espectadores conheceram aquele que se tornaria um dos maiores fenômenos do cinema nacional de todos os tempos: Amácio Mazzaropi, que protagonizou o filme “Sai da Frente”, dirigido por Abílio Pereira de Almeida. O enredo era simples: o caminhoneiro Isidoro, que saiu do interior com seu cão “Coronel” para morar em São Paulo, é contratado para levar alguns móveis até Santos. Ao longo do caminho, ele enfrenta uma série de situações cômicas e improváveis — por exemplo, encontrar uma noiva escondida num armário, ou ver seu dinheiro ser comido por um bode. Uma história simples, com a qual as pessoas mais humildes se identificavam.
Para os ambiciosos projetos da Vera Cruz, porém, o filme era modesto demais. Alguns anos depois, a partir de 1958 — quando a Vera Cruz não existia mais —, Mazzaropi fez fortuna com sua própria produtora.
Alberto Cavalcanti saiu do Brasil para fazer cinema na Europa em 1922. Lá construiu uma carreira sólida, atuando nas vanguardas francesas e no documentarismo social em Londres. Voltou ao país em 1949, seduzido pela proposta da Companhia Cinematográfica Vera Cruz.
Dos trabalhos que dirigiu aqui, “O Canto do Mar” é o que melhor expressa a visão de Cavalcanti sobre os problemas sociais do país. “Canto do Mar” foi um dos primeiros longas-metragens brasileiros de ficção a abordar o problema da miséria causada pela seca.
O filme foi recebido com espanto, e Cavalcanti, por ter ousado mostrar a miséria de um Brasil profundo, ainda não descoberto pelo cinema, foi acusado pela crítica de ser comunista e “desnacionalizado”. Ao retratar o drama dos retirantes, ”O Canto do Mar” levou para as telas imagens nada convencionais, muito pouco otimistas para a ascendente classe média paulistana, que vivia o sonho do Brasil moderno.
Mas não foi apenas isso que distinguiu a obra. Alberto Cavalcanti, exigente com os detalhes, produziu um filme bem-acabado e rico em sonoridade, incorporando o frevo, o maracatu, os pregões e as cantigas populares e religiosas. Cavalcanti falou da brasilidade.
Pouco depois de lançar “O Canto do Mar”, Cavalcanti, que mostrara a brasilidade em sua obra, voltou decepcionado para a Europa.
Talvez de forma apressada, muita gente associou a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, fundada na cidade de São Paulo em 1949, ao modelo hollywoodiano, o que acabou criando um estigma. A influência do modelo norte-americano de fato existiu, mas o estúdio também se inspirou nas escolas de vanguarda europeias. A proposta da Vera Cruz era conciliar os temas regionais com a qualidade estética dos modelos estrangeiros de diferentes tradições, mas “O Cangaceiro” foi uma das poucas tentativas bem-sucedidas.
Seu enredo narra a trajetória de um bando de cangaceiros que percorre o interior do país aterrorizando a população e fugindo das autoridades públicas. Liderado pelo capitão Galdino Ferreira (Mílton Ribeiro), o bando é retratado sob a óptica da violência: os homens matam, roubam e sequestram pessoas indefesas. Teodoro (Alberto Ruschel), um dos subordinados de Galdino, torna-se o protagonista da história ao desafiar o comando e decidir deixar de ser cangaceiro.
O filme, que teve os diálogos escritos por Rachel de Queiroz, colaborou decisivamente para a fixação do tema do cangaço no cinema nacional. A brasilidade de “O Cangaceiro” revela-se na aplicação do modelo norte-americano de western à realidade social específica do sertão.
O filme teve sucesso estrondoso, dentro e fora do Brasil — chegou a ser premiado no Festival de Cannes. O prestígio, no entanto, não foi suficiente para amortizar as dívidas acumuladas pela companhia, que logo decretou falência.
principalmente depois da repercussão de “Este Mundo É um Pandeiro” (Watson Macedo, 1947), que chamou a atenção de Luiz Severiano Ribeiro, na época o maior exibidor de filmes do país.
Isso foi essencial para a longevidade da companhia, que, para não perder espaço nas salas de exibição, precisou produzir filmes em ritmo acelerado — e a possibilidade de fracasso das paródias era bem pequena. A mais notável delas foi “Nem Sansão Nem Dalila”, dirigida por Carlos Manga e lançada em 1954, inspirada no premiado clássico “Sansão e Dalila” (1949), do diretor Cecil B. DeMille.
O filme brasileiro conta a história do barbeiro Horácio (Oscarito), que por acidente esbarra em uma máquina do tempo e viaja para Gaza no século 4º a.C. Ali vivia Sansão, que tinha uma força descomunal por causa de sua peruca milagrosa. Horácio convence Sansão a trocá-la por um isqueiro e, graças à força adquirida, passa a governar Gaza como um ditador bonachão. A comédia ganha então claros contornos políticos — em diversos momentos, Horácio imita Getúlio Vargas em seus discursos dirigidos aos “trabalhadores de Gaza”.
Isso mostra que as paródias da Atlântida não eram meras cópias “malfeitas” de Hollywood, mas interpretações do Brasil.