1997 6 de maio
Vale é privatizada a preço de banana
Governo entrega controle a consórcio em leilão repleto de irregularidades
Às 17h42, o leiloeiro da Bolsa de Valores do Rio, Frederico Runte Jr., bate o martelo, encerrando a venda do controle acionário da maior mineradora de ferro do mundo, a Companhia Vale do Rio Doce, por R$ 3,3 bilhões.
Adiado por oito dias, devido a liminares concedidas pela Justiça a uma avalanche de ações que pediam a suspensão da venda da estatal, o leilão foi iniciado às 12h11, mas ficou suspenso por cinco horas, tempo necessário para que os advogados do governo e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), coordenador do programa de privatização, derrubassem as duas últimas medidas liminares que o impediam. Mas bastaram 13 minutos para que fosse dado o último lance.
Venceu o Consórcio Brasil, liderado pelo grupo Vicunha, que cinco anos antes, no governo de Itamar Franco, adquirira a estatal Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Integravam também o grupo vencedor a Previ e outros fundos de pensão de estatais e fundos de investimentos. Foi derrotado o consórcio Valecon, liderado pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes, franco favorito na disputa até o último minuto.
Na praça XV, em frente à Bolsa do Rio, os manifestantes contrários à venda se envolveram em dois episódios de conflito com a polícia. No primeiro, duas pessoas ficaram feridas; no segundo, sete.
Quando, após o leilão, o ministro do Planejamento, Antonio Kandir, simbolicamente bateu novamente o martelo, uma outra liminar já havia suspendido os efeitos do leilão. A venda só foi concretizada quatro dias depois, com a entrega de um cheque de R$ 3.1999.974.496,00 ao governo pelo presidente da CSN, Benjamin Steinbruch. O fato foi festejado como o maior resultado desde o início das privatizações. A diferença entre o cheque e o valor total do leilão foi destinado ao pagamento de sócios minoritários. A partir daí, o governo transferia o controle da histórica companhia de capital misto criada em 1942 por Getúlio Vargas para um consórcio liderado pela CSN.
A Vale era, então, a maior exportadora de minério de ferro do mundo e controlava dezenas de empresas nos setores de mineração, navegação, portos, celulose e madeira. Tinha em caixa R$ 700 milhões, deduzidas as despesas com a demissão de mais de mil funcionários, feita para livrar o comprador dessas obrigações trabalhistas.
A disputa judicial em torno da venda da Vale, todavia, não foi encerrada com a quitação da compra. Em 2015, ainda existiam em tramitação na Justiça cerca de 70 ações de anulação da venda. As ações haviam sido suspensas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em 2010. O ministro argumentou que elas não poderiam ser julgadas em primeira instância enquanto a Suprema Corte não se pronunciasse sobre o mérito de embargos declaratórios feitos pelo BNDES e de um agravo regimental da Vale privatizada. As ações só voltarão para julgamento em primeira instância depois dessa decisão.
O cheque bilionário de Steinbruch também não encerrou a oposição à privatização da hoje segunda maior mineradora do mundo – não apenas de ferro, mas de níquel, carvão, cobre, manganês e ferroliga. Dez anos depois, num plebiscito informal convocado por movimentos e pastorais sociais e partidos de esquerda votaram 3.729.538 brasileiros e 94,5% se declararam a favor da reestatização da empresa.
A venda da Vale foi a primeira da segunda fase do programa de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso. Antes dele, Collor havia privatizado 12 empresas, e Itamar Franco, 9. Depois da Vale, o governo FHC fez a desestatização de empresas de infraestrutura e da Telebrás.
As ações judiciais contra a privatização da Vale apontavam várias irregularidades no processo, a começar da avaliação da empresa. Duas instituições foram escolhidas para definir o preço mínimo de compra, o Bradesco e a Merril Lynch. Após definição do preço, o Bradesco foi autorizado pelo BNDES a participar do leilão como financiador da CSN. A avaliação que definiu o preço mínimo de venda usou apenas o critério de fluxo de caixa e desprezou as reservas de ferro exploradas pela companhia.
Dois anos antes, a Vale havia informado à Securities and Exchange Comission, dos Estados Unidos, que suas reservas de minério de ferro em Minas Gerais totalizavam 7,918 bilhões de toneladas. O edital de privatização dizia que era apenas 1,4 bilhão de toneladas. Para a instituição americana, em 1995, a Vale declarou que detinha 4,97 bilhões de toneladas de reservas no Pará. O edital acusava apenas 1,8 bilhão de toneladas.
Além disso, houve uma questionável participação do BNDES, coordenador da privatização, na formação do consórcio vencedor, que impediu os fundos de pensão das estatais de integrarem o consórcio de Antonio Ermírio.
O Consórcio Brasil apenas venceu o leilão porque nele estavam os fundos de estatais, especialmente a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil. Após a venda, transformou-se na empresa Valepar, que passou a ter a seguinte composição: a Litel (que reúne os fundos de pensão das estatais) participava com 43%; a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de Benjamin Steinbruch, com 16,3%; a Bradespar, com 17,4% (que no consórcio, via Bradesco, era financiador da CSN); a Mitsui, com 15%; o BNDESpar, com 9,5%; e o grupo Elétron, do Grupo Opportunity, com 0,03%.
Em 2001, por acordo de acionistas, foram descruzadas as ações da CSN e da Valepar, que resultaram na saída de Steinbruch da empresa controladora da Vale. Isso resultou no aumento da participação do governo na Valepar: a soma das ações da Litel e do BNDESpar representam hoje 60,5% de seu capital.