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Após 21 anos de ditadura militar, o Brasil viveu anos de intensa participação política e de conquistas democráticas que fizeram o país sonhar novamente com um futuro mais justo. No entanto, as agressões aos mais humildes, inclusive com massacres, continuaram. A democracia vitoriosa na luta convivia agora com a derrota diária da injustiça social e a repressão permanente contra os mais pobres. Esse paradoxo está cantado nas 20 músicas que escolhemos para ilustrar este período riquíssimo da nossa história.
1 Democracia 1985
Democracia, me abraça
Com tua graça me tira
Desfaz esta covardia
Democracia não me fere
Mira aqui no meio
Atira no meu receio
É o demo, o demo, o demo
É a democracia
2 Homem primata 1986
Oh! Oh! Oh!
Eu aprendi
A vida é um jogo
Cada um por si
E Deus contra todos
Você vai morrer
E não vai pro céu
É bom aprender
A vida é cruel
Homem primata
Capitalismo selvagem
3 Carta à república 1987
Eu briguei, apanhei, eu sofri, aprendi
Eu cantei, eu berrei, eu chorei, eu sorri
Eu saí pra sonhar meu país
E foi tão bom, não estava sozinho
A praça era alegria sadia
O povo era senhor
E só uma voz, numa só canção
4 Que país é esse 1997
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
5 Protesto do Olodum 1988
Força e pudor
Liberdade ao povo do Pelô
Mãe que é mãe no parto sente dor
E lá vou eu
Declara a nação
Pelourinho contra a prostituição
Faz protesto, manifestação
E lá vou eu Escute a música
6 Perplexo 1989
Mandaram avisar
Agora tudo mudou
Eu quis acreditar
Outra mudança chegou
Fim da censura, do dinheiro, muda nome, corta zero
Entra na fila de outra fila pra pagar
Quero entender, quero entender, quero entender
Tudo o que eu posso e o que não posso
7 Haiti 1993
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina
111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos
Ou quase brancos, quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
E todos sabem como se tratam os pretos
8 A cidade 1994
O sol nasce e ilumina
As pedras evoluídas
Que cresceram com a força
De pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam Vigiando as pessoas
Não importa se são ruins
Nem importa se são boas
E a cidade se apresenta
Centro das ambições
Para mendigos ou ricos
E outras armações
Coletivos, automóveis
Motos e metrôs
Trabalhadores, patrões
Policiais, camelôs
A cidade não para
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
9 Luta de classes 1994
Mas veio o ideário
Da tal Revolução Burguesa
E veio o ideário, veio o sonho socialista
Veio a promessa
De igualdade e liberdade
Cometas cintilantes que se foram pela noite
Existirão enquanto houver um maior
Daí é que vem essa história
Daí a história surgiu
Escravos da Babilônia
Trabalhador do Brasil
10 Rap da felicidade 1995
Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer
Com tanta violência eu sinto medo de viver
Pois moro na favela e sou muito desrespeitado
A tristeza e a alegria aqui caminham lado a lado
Eu faço uma oração para uma santa protetora
Mas sou interrompido a tiros de metralhadora
Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela
O pobre é humilhado, esculachado na favela
11 Assentamento 1997
Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde só vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Ó Manuel, Miguilim
Vamos embora
12 Diário de um detento 1997
O Senhor é meu pastor
Perdoe o que seu filho fez
Morreu de bruços no Salmo 23,
Sem padre, sem repórter
Sem arma, sem socorro
Vai pegar HIV na boca do cachorro
Cadáveres no poço, no pátio interno
Adolf Hitler sorri no inferno
O Robocop do governo é frio, não sente pena
Só ódio e ri como a hiena
Rá-tá-tá-tá, Fleury e sua gangue
Vão nadar numa piscina de sangue
Mas quem vai acreditar no meu depoimento?
Dia 3 de outubro, diário de um detento
13 Meu país 1998
Se nessa terra tudo o que se planta dá
Que é que há, meu país?
Que é que há?
Tem alguém levando lucro
Tem alguém colhendo o fruto
Sem saber o que é plantar
Tá faltando consciência
Tá sobrando paciência
Tá faltando alguém gritar
14 Negócio do Brasil 1998
Pode ser às claras
Ninguém vai notar
Mesmo que algo vaze, vai evaporar
Sua Excelência autoriza aquela venda
E terá parte na sociedade
Sua campanha estará garantida e nos registros
Como de praxe nada vai constar
15 Relampiano 1997
Tudo é tão normal, todo tal e qual
Neném não tem hora para ir se deitar
Mãe passando roupa do pai de agora
De um outro caçula que ainda vai chegar
É mais uma boca dentro do barraco
Mais um quilo de farinha do mesmo saco
Para alimentar um novo João Ninguém
A cidade cresce junto com o neném
16 Purucutruco 2000
Purucutruco nessa terra de maluco
Tem roubo tem safadeza, corrupção e marmelada
Purucutruco tenho vontade de sorrir
Que essa tal de CPI que no fim não dá em nada
Purucutruco pá-pá-pá com meu trabuco
Vocês podem não gostar, mas eu vou falar de novo
Purucutruco pá-pá-pá com meu trabuco
Eles comem caviar e quem paga é o povo
17 Eu despedi o meu patrão 2002
Eu despedi o meu patrão
Desde o meu primeiro emprego
Trabalho eu não quero, não
Eu pago pelo meu sossego
Ele roubava o que eu mais valia
E eu não gosto de ladrão
Ninguém pode pagar
Nem pela vida mais vazia
Eu despedi o meu patrão (eu despedi o meu patrão)
18 Política 1994
Deteriora tanto quanto a coisa pública
Quanto choro, quanta fome, quanta súplica
Quanto nojo de saber que gente estúpida
De mamatas vão vivendo na República
Chegou lá sem declarar riqueza súbita
Joga o jogo de enganar postura física
De enganar figura lá postura cênica
Vem política estúpida e anêmica
Vem política raquítica, cínica
Choque vai, vem inflação de forma cíclica
19 Reengenharia 1998
(...) Eu tive uma ideia genial
Que tal inserir nosso lar na economia global
É muito simples, não tem filosofia
É só fazer a tal reengenharia
No mundo inteiro vai que é uma beleza
Por que não fazer igualzinho lá em casa, hein, princesa?
É só jogar no lixo o que não precisa
A tua mãe, por exemplo, a gente terceiriza
Não se preocupe com a culinária
Agora ficou chique comer porcaria
Ter urticária, o que que há de mal afinal
É só um bocadinho de mesquinharia
20 Povo da periferia 2002
Ah! Olhando pro meu povo vejo a tristeza
Estampada em cada rosto que perdeu a beleza
A vida é embaçada pra quem tá no veneno
Uma mãe vendo os seus filhos com fome, sofrendo
Os mais ricos do mundo só fazem investimentos
Em diversão pra boyzinho, pra coisa ruim e armamento
Quanto ao meu povo investimento é zero
O dia a dia não é fácil, o dia a dia não é belo