HIPERINFLAÇÃO
UM FLAGELO QUE O BRASIL VENCEU
Entre 1980 e 1994, quando é implantado o Plano Real e adotada a moeda de mesmo nome que hoje usamos, o Brasil conviveu com elevados índices de inflação, experimentou sete planos econômicos e adotou seis diferentes moedas no esforço de estabilização monetária empreendido por seguidos governos. A inflação anual média nos anos 80 foi de 330% e entre 1990 e 1994, quando foi implantado o Plano Real, essa média já era de 764% ao ano. Os preços subiam diariamente e os salários dos trabalhadores eram corroídos pela inflação ao longo do mês, o que agravou o quadro de pobreza e desigualdade no país. Embora a hiperinflação tenha explodido nos governos da fase democrática atual, ela foi uma herança da ditadura, que introduziu o mecanismo realimentador da correção monetária e foi negligente com seu crescimento nos anos 70 e 80.
A herança da ditadura
A partir da metade da década de 1970, o esgotamento do ciclo do milagre econômico do regime militar, o endividamento externo elevado e os dois choques do petróleo levam a uma contínua perda de valor da moeda brasileira (que desde 1970 era o cruzeiro). O mecanismo da correção monetária, instituído pelos governos militares em 1967, contribui decisivamente para a realimentação inflacionária e a crescente desvalorização da moeda. No esforço para resgatar o crescimento da fase do milagre e com isso garantir a continuidade do regime, a ditadura foi permitindo que a inflação ganhasse força nos anos 1980, gerando a escalada que alcançaria seu clímax já na era democrática. O gráfico abaixo mostra a evolução da hiperinflação no final do ciclo militar.
veja o gráficoEm busca de crescimento, a ditadura permitiu o crescimento da inflação, legando índices elevados aos governos da transição democrática.
Os trabalhadores, maiores vítimas da hiperinflação
A hiperinflação era danosa a todo o país, prejudicando o planejamento das empresas e afetando as contas dos governos. Mas os trabalhadores eram os mais penalizados. Quando recebiam seus salários no final de um mês de trabalho, eles haviam sido corroídos por índices que chegaram a ser de até 85% ao mês, acumulando perdas no poder de compra. Some-se a isso o fato de que os reajustes salariais e a correção do salário-mínimo jamais repunham inteiramente as perdas causadas pela inflação, especialmente nos períodos em que o país foi submetido a acordos com o FMI e a suas políticas de arrocho salarial. Entre 1982 e 1990, o salário-mínimo perdeu 24% de seu valor, por conta das políticas de combate à inflação focadas na contenção do consumo.
A classe média e os setores mais abastados defendiam seus rendimentos aplicando-os em cadernetas de poupança com diferentes dias de vencimento e no “overnight”, modalidade que os corrigia pela taxa diária da inflação. Já os trabalhadores de mais baixa renda, sem acesso aos bancos e sem rendimentos suficientes para realizar tais aplicações, não tinham como se defender.
As perdas salariais contínuas sofridas pelos trabalhadores tiveram também como resultado o crescimento da desigualdade no período mais agudo da hiperinflação. O índice de Gini, principal indicador da desigualdade social, cresceu de 0,57 em 1981 para 0,63 em 1989. Quando mais alto é este índice, maior é a desigualdade em uma sociedade. Ele começa a decrescer em 1994 e reduz-se com maior velocidade a partir de 2003, com a implantação de políticas de transferência de renda e valorização do salário-mínimo.
Veja o gráfico, ele mostra as perdas do salário-mínimo diante da inflação nos governos do período hiperinflacionário.
Fonte: Revista Brasil, fatos e dados com dados do IBGE.
A luta dos trabalhadores contra o dragão da inflação
As novas gerações de brasileiros, que não viveram a experiência da hiperinflação, desconhecem o impacto que ele tinha sobre a vida real e como os trabalhadores lutavam para defender a corrosão de seus salários pela alta constante dos preços dos produtos.
O dinheiro derretia no bolso, como se dizia na época, e as donas de casa ainda sofriam com as filas ou a falta de produtos quando os planos econômicos baseados no congelamento de preços resultavam no sumiço das mercadorias. Quando havia troca de moeda, as cédulas circulavam com um carimbo indicando seu novo nome e valor.
Os que viveram o período, entretanto, guardam lembranças da luta cotidiana dos trabalhadores contra o flagelo inflacionário, tais como:
O Símbolo O dragão era o símbolo da inflação que devorava os salários e a renda. Sua figura aparecia constantemente na publicidade das lojas em suas promoções de vendas, alertando para a subida inevitável dos preços.
O remarcador de preços, profissão extinta O remarcador de preços era uma figura muito conhecida no tempo da inflação. Ele estava sempre em atividade nos supermercados com sua maquininha na mão, colando etiquetas com o novo preço sobre o anterior. Frequentemente um produto, ao ser comprado, vinha com uma série de etiquetas superpostas. Com a estabilização dos preços e o decorrente uso do código de barras, sua figura saiu de cena.
A tática de estocar alimentos Hoje em dia ninguém precisa estocar alimentos e produtos de consumo doméstico para escapar da subida dos preços. No tempo da hiperinflação, a primeira providência dos assalariados era fazer uma boa compra de supermercado para atravessar o mês. Os que ganhavam mais levavam vantagem fazendo estoques maiores. A falta de produtos em tempos de congelamento também estimulava as donas de casa a fazer grandes compras para se prevenir. Nesta época, o “freezer” tornou-se uma necessidade imperiosa para as donas de casa, pois a carne era um dos alimentos que mais subia de preço.
O cheque pré-datado Ele caiu em desuso com o fim da inflação e a popularização dos cartões de crédito mas foi muito utilizado como medida defensiva contra a inflação. Para escapar da inevitável subida dos preços, muitas pessoas faziam compras antecipadas com o cheque pré-datado para a data de recebimento do salário. O comerciante o separava escrevendo nas costas: “bom para o dia tal”.
A ciranda bancária Num tempo em que o acesso à conta bancária era muito restrito, os trabalhadores de mais baixa renda eram privados dos mecanismos defensivos de que se valiam os mais abastados. Um deles era o “overnight”, aplicação financeira que corrigia diariamente os depósitos em conta corrente pela variação diária da inflação. Depois que o Plano Collor acabou com esta aplicação, surgiram um simular, a “contra remunerada”. Tais aplicações, entretanto, exigiam um valor mínimo que excluía os trabalhadores de mais baixa renda. Outro mecanismo muito utilizado foi a abertura de mais de uma caderneta de poupança, cada qual com uma data de aniversário, de modo que os recursos fossem sacados só depois de corrigidos pela variação inflacionária. Os bancos sempre ganharam muito dinheiro com a ciranda financeira deste tempo. Quando estes ganhos cessaram, com o fim da hiperinflação, enfrentaram uma grave crise financeira e foram socorridos pelo governo com o Proer.
Os planos econômicos contra a hiperinflação
A herança inflacionária deixada pela ditadura foi enfrentada pelos governos da fase democrática com diferentes planos, partindo sempre de dois pressupostos: havia um ciclo vicioso que precisava ser quebrado, o da inflação inercial, derivada da corrida dos preços atrás da inflação do mês anterior. E era necessário acabar com a correção monetária, ou indexação, que embora neutralizasse parcialmente os efeitos da inflação a curtíssimo prazo, realimentava a escalada de preços e garantia sua sobrevivência. Os seis primeiros planos produziram resultados temporários, mas foram derrotados pelo retorno da inflação, até à implantação do Plano Real, em 1994, que assegurou a estabilidade do valor da moeda.
Governo Sarney Quatro planos e duas novas moedas
Plano Cruzado Plano Cruzado 2 Plano Bresser Plano VerãoGoverno Collor Dois planos e uma nova moeda
Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano Collor Plano Collor 2Governo Itamar Franco Um plano vitorioso e duas novas moedas, incluindo o Real, que vigora até hoje.
Plano RealPlano Cruzado
Lançado pelo ex-presidente José Sarney em 28 de fevereiro de 1986. Sua medida mais importante foi o congelamento total de preços com base na estratégia de romper a inércia inflacionária, e a adoção de uma nova moeda, o cruzado, com três zeros a menos que o cruzeiro. O plano teve grande apoio popular no início, com os consumidores atendendo ao apelo presidencial para fiscalizarem os preços, e produziu ganhos temporários reais para os assalariados. O congelamento levou a uma explosão de consumo e foi .prolongado mais que o devido por razões eleitorais. Em pouco tempo começaram a faltar produtos nos supermercados. O governo chegou a “desapropriar” bois nos pastos para garantir a oferta de carne. O plano acabou no segundo semestre de 1986, logo depois da eleição geral. Seu principal executor foi o ministro da Fazenda Dílson Funaro.
Plano Cruzado 2
Lançado em novembro de 1986, para enfrentar o desabastecimento provocado pelo congelamento, seu foco era o controle do consumo e do déficit público, com aumento de tarifas e impostos. Os reajustes de preços que se seguiram foram assustadores. Automóveis, 80%, combustíveis, 60% e energia elétrica, 35%, por exemplo. Os demais preços continuariam controlados mas diante do desabastecimento, começaram a ser remarcados e a inflação retornou forte.
Plano Bresser
Lançado em 12 de junho de 1987, ainda no Governo Sarney mas agora tendo Bresser Pereira no ministério da Fazenda como principal executor. O plano determinou um novo congelamento de preços, dessa vez com validade de três meses e castigou os trabalhadores com a extinção do “gatilho”, medida que garantia aumentos de salários sempre que a inflação chegasse a 20%. A moeda foi desvalorizada em 10% para incentivar as exportações e elevar as divisas, depois da decretação da moratória da dívida externa naquele ano. Em dezembro Bresser Pereira deixou o Ministério da Fazenda com a inflação anual em 363%.
Plano Verão
Lançado em 16 de janeiro de 1989, estando no ministério da Fazenda o economista Maílson da Nóbrega, seu principal executor. O plano aplica um terceiro congelamento de preços durante o Governo Sarney, agora sem prazo definido, e troca o cruzado pelo cruzado novo, com novo corte de três zeros (1.000 cruzados = 1 cruzado novo). Os juros sobem e o governo promete extinguir a correção monetária mas aos poucos os preços são descongelados e a inflação retorna, forçando a prática da indexação. No final daquele ano a inflação chega a 1.972%.
Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano Collor
Lançado pelo primeiro presidente eleito pelo voto direto no dia seguinte à sua posse, em 16 de março de 1990, o plano impõe uma nova troca da moeda, que volta a se chamar Cruzeiro, desta vez sem corte de zeros. A principal medida do plano é o bloqueio de todos os depósitos bancários, inclusive da caderneta de poupança, acima de 50 mil cruzados novos, com o objetivo de reduzir a demanda e o consumo. Os preços são congelados e os salários passam a ser corrigidos pela previsão de inflação do mês seguinte. A falta de liquidez juntamente com a queda na arrecadação e a entrada de produtos importados levam a economia a uma grande recessão. A principal executora do plano foi a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello.
Plano Collor 2
Os efeitos nefastos do primeiro Plano Collor levam ao lançamento do Plano Collor 2 em 31 de janeiro de 1991. Ele traz de volta o congelamento de preços e o arrocho dos salários, além de medidas de incentivo à retomada da produção. Tentando reduzir a indexação, acaba com a aplicação financeira de correção diária, o “overnight”. Menos de um mês depois, empresários e trabalhadores já demonstram grande insatisfação. No final do ano, a inflação já acumula 472%, com a economia estagnada. No ano seguinte o presidente sofre o impeachment e é substituído pelo vice Itamar Franco.
Plano Real
Lançado em 28 de fevereiro de 1994, o Plano Real foi implantado em etapas que começaram com a troca da moeda nesta data. O Cruzeiro novamente perde três zeros e passa a se chamar Cruzeiro Real. No dia seguinte entra em vigor a URV (Unidade Real de Valor), padrão monetário corrigido diariamente, no qual todos os preços passaram a ser convertidos. Esta fase de transição para a adoção da nova moeda, o Real, durou quatro meses. O Real começa a circular em 1º de julho, valendo 2.750 URVs e correspondendo a um dólar. A equipe responsável pela elaboração do plano, liderada pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, embora também avaliasse que a inflação era inercial, adota uma estratégia distinta para combater esse aspecto da escalada dos preços: aposta no alinhamento prévio dos preços antes da mudança da moeda, conseguindo derrubar a inflação no primeiro mês e manter a situação sob controle a partir daí. O dragão da hiperinflação foi vencido. Graças ao sucesso imediato do plano Fernando Henrique elege-se presidente em outubro daquele ano.
As moedas do ciclo hiperinflacionário
Nos sete planos anti-inflacionários adotados pelos governos que se seguiram ao fim da ditadura, de 1985 a 1994, o país teve seis diferentes moedas: cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real e, finalmente, real. Quando havia troca de moeda, as velhas cédulas eram carimbadas pelo Banco Central com o novo nome e valor, e recolocadas em circulação.
Algumas moedas fizeram sucesso mas acabaram desacreditadas pelo retorno da inflação, como o cruzado. Outras tiveram vida curta e já foram esquecidas, como o cruzeiro real. As moedas em metal perderam tanto o valor que em algumas fases praticamente caíram em desuso. Já o volume de cédulas de papel em circulação era enorme. Em janeiro de 1985, mês da eleição do primeiro presidente civil, Tancredo Neves, o custo de uma cesta básica era CR$ 119.722,00. Isso representava um bolo de cédulas de cruzeiros.
Conheça a história de cada moeda
Cruzeiro (Cr$)
16 de março de 1990 a 31 de julho de 1993
Ao tomar posse, em 15 de março de 1990, o presidente Fernando Collor de Mello anunciou o Plano Brasil Novo, que acabou conhecido como Plano Collor, para enfrentar a escalada inflacionária do final do governo Sarney. Entre as medidas anunciadas, o confisco de todos os depósitos bancários superiores a 50 mil cruzeiros e a troca do cruzado novo pelo cruzeiro como moeda nacional. O plano trouxe recessão e não conteve a inflação, levando o governo a editar, em fevereiro de 1991, o Plano Collor II, que manteve a moeda mas expurgou parte da inflação que deveria corrigir as cadernetas de poupança.
Cruzado (CZ$)
28 de fevereiro de 1986 a 15 de janeiro de 1989
O Plano Cruzado, implantado em 28/1/86, adotou a moeda de mesmo nome, com a supressão de três zeros do cruzeiro. O sucesso da moeda e do plano, baseado no congelamento de preços que foi prolongado por razões eleitorais, dura pouco. Em meio a uma grave crise de desabastecimento, o governo Sarney lança em novembro o Plano Cruzado Novo, que não muda o nome da moeda. A persistência da inflação leva Sarney a baixar ainda o Plano Bresser e depois o Plano Verão, que em 15 de janeiro de 1989 rebatiza a moeda como cruzado novo
Cruzado Novo (NCZ$)
16 de Janeiro de 1989 a 15 de março de 1990
O cruzado novo foi a moeda adotada pelo Plano Verão em janeiro de 1989, no ultimo esforço anti-inflacionário do governo Sarney. O plano voltou a congelar preços e atrelou a nova moeda ao dólar. A inflação, entretanto, voltou a subir, alcançando o recorde de 84,23% no mês de março de 1990, e um índice acumulado nos doze meses anteriores de 4.853,90%. Com a posse de Fernando Collor e a adoção do plano que leva seu nome, em março de 1990, a moeda volta a ser o cruzeiro.
Cruzeiro (Cr$)
15 de maio de 1970 a 27 de fevereiro de 1986
O cruzeiro entrou pela primeira vez na vida dos brasileiros em 1942, no governo Vargas, substituindo o Real, herança portuguesa, que no plural era expresso em “réis”. Em 1967, o regime militar rebatizou a moeda como “cruzeiro novo”, sendo que o adjetivo novo foi cortado em 1970. No final da década, o cruzeiro começou a enfrentar crescente desvalorização, agravada por fatores internacionais, que culmina com uma inflação anual acumulada de 224% no final do Governo Figueiredo.
Cruzeiro Real (CR$)
Primeiro de agosto de 1993 a 30 de junho de 1994
A adoção do cruzeiro real como moeda nacional, suprimindo três zeros do cruzeiro, foi o primeiro passo para a futura implantação do Plano Real. A inflação mensal, no mês de sua adoção, agosto de 1993, foi de 33,53% e chegaria a 42,19% em janeiro de 1994. Foi uma moeda de transição e vida curta. A partir de fevereiro de 1994, todos os preços passaram a ser expressos nela e também em URV – Unidade Real de Valor, padrão monetário que, através de ajustes sucessivos, seria convertido no real.
Real (R$)
Vigente desde Primeiro de Julho de 1994
Durante quatro meses, entre 28 de fevereiro e primeiro de julho de 1994, a população brasileira aprendeu a fazer compras comparando preços em cruzeiro real e em URV, padrão monetário paralelo que se converteria na nova moeda, o real. Quando ela foi lançada, em 1/7/94, já contava com a confiança da população no plano anti-inflacionário. A inflação, que nos primeiros meses do ano girou na casa dos 30% e havia acumulado um índice de 5.153,50% nos doze meses anteriores, caiu para menos de 2% a partir de setembro de 1994.. O ministro da Fazenda responsável pelo plano, Fernando Henrique Cardoso, em outubro de 1994 é eleito presidente da República em primeiro turno.
CORDEL O CRUZADO QUE DERRUBOU A INFLAÇÃO
Autor de "Delfim, deu fim no Brasil" e "Brasil da Nova República, farol do Terceiro Mundo", Gonçalo Ferreira da Silva é um cordelista que se destaca por sua crônica da política brasileira. Em "O cruzado que derrubou a inflação", o poeta narra a grande esperança popular com que foram recebidas as novas medidas econômicas tomadas pelo presidente da República José Sarney, "um presidente do coração do Nordeste", na tentativa de combater aos altos índices inflacionários em 1986. Atos como o congelamento de preços, o chamado feito aos "fiscais do presidente" e a instituição da nova moeda são celebrados no folheto como a grande ruptura com o passado desgraçado de uma ditadura que "sacrificou nossa gente". Nas palavras de Gonçalo, "Este nobre e decisivo/ ato presidencial/assegurou a Sarney/posição especial/inquestionavelmente/como o maior presidente/da história universal.
Leia o cordel