1960 3 de outubro
Jânio é o presidente, mas o vice é Jango
Eleitor despreza conchavos e mistura água e óleo ao eleger a chapa Jan-Jan
Pela primeira vez desde a proclamação da República, um candidato de oposição vence as eleições presidenciais: Jânio Quadros. Chega assim ao poder, encabeçando uma aliança com vários pequenos partidos, a União Democrática Nacional (UDN) — a mesma que tentara impedir a posse de Juscelino, em 1955, e cuja oposição desmedida levara Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954.
O mato-grossense Jânio Quadros havia feito uma meteórica carreira desde que conquistou uma cadeira de vereador, em São Paulo, em 1947, elegendo-se depois deputado estadual, prefeito da capital e governador do estado nas eleições seguintes. Na disputa pela sucessão de Juscelino Kubitschek (PSD), ele obteve 48% dos votos, contra 28% do candidato do PSD, Henrique Teixeira Lott, que foi apoiado por JK, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelas esquerdas.
As articulações para as eleições de 1960 começaram já no ano anterior, nas convenções dos principais partidos: UDN, PTB e Partido Social Democrático (PSD). Apesar do crescimento de sua bancada parlamentar na eleição de 1958, os liberal-conservadores da UDN estavam divididos.
A corrente ligada a Juracy Magalhães, então governador da Bahia e presidente da legenda, apostava na viabilidade de uma candidatura própria. Carlos Lacerda e seus apoiadores, ao contrário, defendiam o apoio a Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo.
Na óptica lacerdista, Quadros, apesar de não ser filiado ao partido, encarnava o moralismo político e a ortodoxia econômica defendida pelos udenistas. Carismático e bastante popular, ele seria a chance de a UDN chegar à Presidência da República pela primeira vez.
Na convenção do partido, em março de 1959, as correntes lideradas por Lacerda e Juracy Magalhães se enfrentaram. Diante da tensão, Jânio renunciou à sua candidatura, mas logo foi dissuadido da ideia por Lacerda e Afonso Arinos. Acabou sendo escolhido como candidato por larga maioria udenista.
Para o cargo de vice-presidente, a UDN lançou primeiramente o governador de Sergipe Leandro Maciel, que seria posteriormente substituído por Mílton Campos.
O PSD também enfrentou dificuldades internas para escolher seus candidatos. A aliança com o PTB estava abalada desde os conflitos entre o vice-presidente João Goulart e Lucas Lopes, o ministro da Fazenda de Juscelino, em torno da política salarial do governo. Jango defendia ajustes dos salários com ganhos reais para os trabalhadores, enquanto Lopes dizia não haver condições para tais aumentos.
Os planos de JK estavam voltados para as eleições de 1965, quando pretendia reeleger-se presidente da República — a legislação da época não previa a reeleição. Inicialmente ele tentou negociar o apoio de seu partido à candidatura do udenista Juracy Magalhães. A política desenvolvimentista de seu governo havia aumentado a dívida externa, descontrolado as contas governamentais e elevado a inflação. Seu sucessor teria que adotar uma política impopular de austeridade econômica, e JK buscava transferir esse ônus para a UDN. Ao fim de um mandato impopular de um presidente udenista, ele se elegeria em 1965 pregando a retomada de seu projeto desenvolvimentista.
As divisões na UDN inviabilizaram o plano de JK, e a união pragmática do “voto urbano do PTB com o voto rural do PSD” acabou prevalecendo. O PSD lançou o marechal recém-promovido Henrique Teixeira Lott como candidato a presidente, apostando em seu prestígio como representante do Exército democrático e legalista.
Não havia consenso também no PTB acerca das eleições de 1960. A recente dissidência de Fernando Ferrari, fruto da disputa com João Goulart pela presidência do partido, havia deixado marcas: o partido estava dividido, e a tensão interna era constante. A prioridade do projeto petebista era a realização das reformas de base. A candidatura de Jango à Presidência chegou a ser cogitada, mas, depois de alguma negociação com o PSD, decidiu-se pelo apoio a Henrique Teixeira Lott.
O marechal era visto como um nacionalista democrático, sensível a algumas pautas da esquerda. Sua promessa de realizar a reforma agrária nas terras da União, sua defesa do voto dos analfabetos e seu compromisso em limitar a remessa de lucros para o exterior convergiam com o programa de reformas defendido pelo PTB. E assim João Goulart foi lançado como candidato a vice-presidente na chapa de Lott. O Partido Comunista do Brasil (PCB) e as esquerdas do PTB, entretanto, não estavam convencidos do reformismo do marechal.
Com a campanha, logo surgiu o Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), que deu expressivo apoio à sua candidatura. Seu jingle e o símbolo da campanha — uma vassoura para “varrer a corrupção” e moralizar a política — ganharam as ruas.
Graças a seu estilo demagógico — comia sanduíches de mortadela com os eleitores, espalhava caspa no paletó e aparecia nos comícios com roupas puídas —, aproximara-se do eleitor urbano do PTB. De outro lado, seu discurso moralista, com críticas contundentes à corrupção, à inflação e ao empreguismo conquistara o eleitorado conservador de tendência udenista.
Jânio teve ainda a seu favor o fato de disputar as eleições com um adversário que, embora fosse um homem público respeitado, não tinha nenhum carisma e se recusava a fazer promessas que não tivesse certeza de poder cumprir.
No decorrer da campanha, surgiram os comitês Jan-Jan, defendendo a eleição de Jânio para presidente e a reeleição de João Goulart para vice — naquela época, votava-se no presidente e no vice individualmente. Abertas as urnas, Jango conseguiu superar por 300 mil votos o candidato a vice na chapa de Jânio, Mílton Campos (UDN).
Durante a campanha, Jânio renunciou outras vezes à candidatura, num sinal ainda não decifrado do que viria a fazer mais tarde.