1956 25 de setembro
Orfeu e Eurídice sobem o morro
Vinícius e Jobim levam ao palco versão carioca e popular da tragédia grega
Entra em cartaz, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, “Orfeu da Conceição”, história da mitologia grega adaptada para as favelas cariocas, em parceria inédita do poeta Vinícius de Moraes com o músico Tom Jobim.
O Municipal recebeu cenários de Oscar Niemeyer, que ocupou o palco com rampas e escadas para representar as subidas e descidas dos morros do Rio, onde se passa a história de amor de Orfeu e Eurídice.
O protagonista é um sambista negro. Na leitura de Vinícius, Orfeu, filho de um músico e de uma lavadeira, apaixona-se por Eurídice. A paixão desperta o ciúme e a ira de Mira, sua ex-namorada, que manipula Aristeu, apaixonado por Eurídice, a matá-la. Numa terça-feira de Carnaval, Orfeu desce o morro à procura de Eurídice — uma alusão à descida ao Inferno do mito original. De volta à favela, Orfeu é morto por Mira e por outras mulheres.
O mito de Orfeu reúne os principais temas poéticos da obra de Vinícius: a aliança entre a música e a poesia, a presença marcante da mulher, a obsessão pela morte e a fé no amor absoluto.
Ronaldo Bôscoli aproximou os diálogos do linguajar popular dos morros. Os atores eram negros: Haroldo Costa interpretou Orfeu, Lea Garcia deu vida a Mira, Dirce Paiva foi Eurídice, e Abdias Nascimento, Aristeu. A peça ficaria em cartaz durante uma semana, com casa lotada todos os dias — mas a temporada foi curta demais para cobrir os gastos.
Uma das canções do espetáculo, “Se Todos Fossem Iguais a Você”, já prenunciava a bossa nova. Igualmente importante na história da música brasileira seria uma gravação feita pela dupla, em que Vinícius recita o monólogo de Orfeu com a voz do sambista Roberto Paiva ao fundo, acompanhado pela orquestra regida por Tom Jobim.
Em 1959, o diretor francês Marcel Camus dirigiria “Orfeu Negro”, com roteiro de Jacques Viot adaptado de “Orfeu da Conceição”. O filme receberia a Palma de Ouro e o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Apesar da visibilidade internacional que a película deu à sua peça, Vinícius não aprovou o resultado, pois trazia uma visão europeia do Brasil, marcada pelo exotismo e por estereótipos.
Além disso, nenhuma das canções de Vinícius e Tom para o teatro foi aproveitada — a dupla compôs três músicas inéditas para o filme, entre elas, “A Felicidade”, gravada por Agostinho dos Santos. Mas o sucesso internacional ficou com “Manhã de Carnaval”, de Luís Bonfá e Antônio Maria.
O poeta assistiu ao filme pela primeira vez ao lado do presidente Juscelino Kubitschek. Irritado, abandonou a sessão antes que as luzes se acendessem.