1987 Novembro
Livro lança luz ao combate nas trevas
Obra do historiador marxista Jacob Gorender faz balanço da luta armada
Após oito anos de pesquisas e coleta de documentação, o historiador marxista e militante revolucionário Jacob Gorender lança o livro “Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada”. Trata-se do primeiro e talvez do mais importante balanço da ação dos grupos armados de esquerda contra a ditadura e dos violentos confrontos com as forças da repressão entre 1968 e 1975.
Até então praticamente inexistiam registros históricos sobre essa passagem importante da resistência à ditadura, exceto por depoimentos de alguns sobreviventes. Boa parte dos documentos relacionados com a evolução das organizações de esquerda, que nessa fase se fragmentou em inúmeros grupos que desapareciam ou se fundiam no decorrer da luta, haviam desaparecido. Os registros dos órgãos de repressão sobre confrontos, prisões e assassinatos eram inacessíveis ou haviam sido destruídos. Gorender valeu-se parcialmente de sua própria memória de militante, entrevistou sobreviventes de todas as organizações que atuaram no período e pesquisou exaustivamente os 750 processos do Superior Tribunal Militar, reunidos pelo projeto “Brasil: Nunca mais“.
Em sua primeira parte, o livro traz uma análise do período que antecedeu ao golpe militar de 1964 e da consequente crise que se abateu sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB). As críticas à sua linha política produziram cisões importantes, que levariam ao surgimento da Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, e do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), fundado por Mario Alves, Apolônio de Carvalho e pelo próprio Gorender.
O livro reconstitui a trajetória dessas organizações e de outros grupos que se dedicaram à resistência armada e seriam igualmente dizimados, tais como Comando de Libertação Nacional (Colina), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Detém-se com rigor e objetividade sobre os episódios mais dramáticos, como o cerco ao Vale do Ribeira e o assassinato de Carlos Marighella, os sequestros de embaixadores e a morte de Carlos Lamarca no sertão baiano. Ao ser lançado, “Combate nas Trevas” teve grande repercussão pela força das revelações que faz sobre um tema até então pouquíssimo estudado.
Gorender lutou na Segunda Guerra Mundial ao lado da Força Expedicionária Brasileira (FEB), já como militante comunista. Voltando da Itália, manteve uma atuação partidária ativa, combinada com uma permanente intervenção teórica e intelectual. Chegou à cúpula do PCB, com o qual romperia depois do golpe militar. Foi preso e torturado em 1970 e cumpriu dois anos de prisão. Ao sair da cadeia, já sem vínculos partidários, Gorender retomou sua atividade intelectual, mantendo a independência, as convicções e a coerência que fizeram dele um dos mais respeitados pensadores marxistas brasileiros.
Trabalhando sempre fora do circuito acadêmico, sem apoios institucionais, produziu uma obra historiográfica importante, em que se destacam, além de vários ensaios, os livros "O Escravismo Colonial" (1978), "Marcino e Liberatore" (1992) e "Marxismo sem Utopia" (1999). Em 1994, a Universidade Federal da Bahia concedeu-lhe o título de doutor honoris causa. Morreu em 2013.
No cinquentenário do golpe militar, em 2014, a editora Expressão Popular e a Fundação Perseu Abramo reeditaram “Combate nas Trevas”, que estava havia muitos anos esgotado nas livrarias.