1987 25 de setembro
Latas de maconha são jogadas no mar
O "verão da lata" foi o último suspiro libertário da contracultura no Brasil
Latas semelhantes às de leite em pó são encontradas boiando no litoral entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Cada uma tinha um conteúdo surpreendente e inusitado: 1,5 kg de maconha.
Descobriu-se depois que as latas eram transportadas pelo navio Solana Star, procedente de Cingapura com destino a Miami. A embarcação tinha escala programada para o Rio de Janeiro. Diante da suspeita de que a Polícia Federal brasileira faria uma vistoria a bordo assim que o navio atracasse, a tripulação lançou 15 mil latas ao mar sem contar que elas boiariam até alcançar a praia.
Divulgada a descoberta, usuários da droga passaram a fazer incursões ao litoral em busca de latas perdidas, dando origem ao mais improvável verão brasileiro – o “verão da lata”.
O episódio inspirou algumas canções, muitas gírias e algumas lendas urbanas. Também marcou o último suspiro da contracultura no país, cujas manifestações começaram quatro anos após o surgimento do movimento original norte-americano, o Flower Power.
Esse movimento floresceu em 1966, em San Francisco, na Califórnia, e adotou a defesa do uso de drogas, em especial as alucinógenas, como o peiote, a mescalina e o LSD, o pansexualismo, o pacifismo, o misticismo oriental e o modo de viver comunitário. Também manifestou-se na indumentária transgressora que, na origem, misturou traços de vestuário do índio norte-americano e de grupos ciganos – no Brasil, incluiu também a cultura africana.
Os brasileiros também compartilharam com o modelo californiano a opção “drop out”: cair fora da sociedade burguesa, do establishment ocidental, do “sistema”, como então se dizia. Adotaram também o rock como linguagem musical. A separá-los, porém, estava uma visão muito diversa das próprias realidades, expressa principalmente no vocabulário e na temática das canções: o rock norte-americano ferveu ao expor uma visão de mundo contracultural, hedonista, naturalista e solar. As canções brasileiras que melhor caracterizaram o mesmo período evocavam uma atmosfera noturna e sombria, carregada de vazio, desesperança, solidão, exílio, loucura e medo. Essa oposição ao espírito afirmativo da contracultura norte-americana decorria das circunstâncias políticas internas: censura, repressão e alienação.
O ambiente da contracultura desejava “o paraíso aqui e agora” e transplantou para o Brasil o espaço mítico da comunidade de pequena escala, igualitária e firmemente articulada por laços de solidariedade, trabalho e vida comum, bem como as experiências de arte com ela compatíveis. Também marcou o horizonte político de uma parte da juventude brasileira com a valorização da liberdade individual, radicalmente antiautoritária, disposta a desafiar todas as formas de autoridade num espectro amplo: o controle do Estado, das religiões, das convenções sociais, dos paradigmas estéticos, dos tabus. O verão da lata foi uma expressão tardia deste movimento.