1995 20 de abril
Darcy desvenda o povo brasileiro
Essencial para entender o país, livro fala dos desafios do Brasil como nação
O antropólogo Darcy Ribeiro lança o seu último e mais ambicioso livro, “O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil”. A obra foi escrita ao longo de mais de 30 anos, enquanto Darcy trabalhava em outros tantos projetos acadêmicos, políticos e administrativos.
Começou a escrevê-lo no exílio, primeiramente no Uruguai, logo depois do golpe de 1964, angustiado pela pergunta: por que o Brasil ainda não deu certo? Interrompeu-o seguidas vezes, mesmo depois do retorno ao Brasil, para atender ao chamado de outras tarefas. Para concluí-lo, já enfrentando a segunda crise do câncer que o mataria, Darcy fugiu de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e refugiou-se em Maricá (RJ). Lá, terminou esta última e terceira versão, publicada pela Companhia das letras.
Trata-se de uma obra histórico-antropológica em que ele se vale do conhecimento teórico e da vivência política acumulados para elaborar uma interpretação própria da formação do povo brasileiro, a partir de suas três matrizes básicas: os índios que habitavam originalmente a terra, o europeu descobridor-colonizador e os africanos escravizados. Essas culturas tão diferentes entre si dão origem, na visão de Darcy, a um povo singular e a uma organização social que, embora reproduzindo traços da sociedade europeia, incorporam fortemente as outras contribuições.
Diferentemente do que ocorreu em outras sociedades também multiétnicas, aqui não floresceram antagonismos raciais, culturais ou regionais, nem movimentos separatistas vitoriosos. As diferenças, pelo contrário, fortaleceram o sentido de “povo nação”, fundado na diversidade e na língua comum. Estudando as diferentes formações regionais, ele identificou cinco diferentes “Brasis”: o Brasil sertanejo, o Brasil crioulo, o Brasil caboclo, o Brasil caipira e o Brasil sulino.
O amálgama cultural que criou a singularidade também contribuiu, na visão de Darcy, para impedir a percepção mais clara dos abismos de desigualdade entre a massa-povo e as minorias privilegiadas, exceto pelas revoltas dos índios e dos negros contra a escravidão e pelos poucos movimentos insurgentes contra a estrutura social, tais como a Cabanada, Canudos e o Contestado.
O grande desafio do Brasil, para ele, continuava sendo o de mobilizar as energias propiciadas pela diversidade e singularidade de seu povo para construir uma nação mais inclusiva, desenvolvida e justa. A tal projeto, as elites sempre responderam com a força e a violência e algumas vezes com a instauração de ditaduras.
"O Povo Brasileiro" e outras obras de Darcy Ribeiro, como "O Processo Civilizatório" e "Os Índios e a Civilização", são documentos referenciais para a compreensão da formação étnico-cultural e da evolução das sociedades brasileira e sul-americana. Perfilam ao lado de clássicos como "Raízes do Brasil" (Sergio Buarque de Hollanda) e "Casa Grande e Senzala" (Gilberto Freyre).