1961 21 de março
CNBB lança Movimento de Educação de Base
Financiado pelo governo, MEB usa o método Paulo Freire de alfabetização de adultos
O presidente Jânio Quadros decreta o reconhecimento oficial ao Movimento de Educação de Base (MEB). A ação será financiada principalmente pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), com ajuda de outros órgãos governamentais, e gerido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que se responsabilizará também pelas instalações.
Com recursos federais, a igreja católica brasileira buscava reproduzir, em escala nacional, a experiência iniciada em Natal pelo bispo d. Eugênio Sales — a instalação de cadeias de escolas radiofônicas destinadas a levar conhecimentos técnicos agrícolas às sociedades rurais. Com o MEB, abraçaria a ideia de alfabetização em massa nas regiões subdesenvolvidas do país. Seus objetivos previam também a educação sanitária, a iniciação agrícola e a formação profissional nas regiões rurais.
O MEB se constituiria num importante instrumento de atuação da ala progressista da igreja católica no campo, atraindo grande contingente de militantes leigos de esquerda, inclusive não católicos.
A ideia surgiu na campanha eleitoral de 1960, quando, ao passar pelo Nordeste, o candidato Jânio Quadros tomara conhecimento das escolas radiofônicas. Impressionado, comprometera-se, caso fosse eleito, a colaborar com a expansão da experiência potiguar a todo o território nacional. O Decreto nº 50.370/1961, que criou o MEB, representa o cumprimento dessa promessa.
A atuação do MEB seria orientada pelo conceito de educação de base, formulado a partir dos princípios estabelecidos pela Unesco, que, em termos gerais, pretendia levar conhecimento às comunidades carentes por meio do processo educacional que incluía mudanças de atitudes e comportamentos, visando libertá-las de sua circunstância social degradante.
No regulamento do MEB, a educação de base era definida, resumidamente, como um “conjunto de ensinamentos destinados a promover a valorização do homem e o soerguimento das sociedades”, por meio: da alfabetização em massa das regiões subdesenvolvidas do país; da educação sanitária; da iniciação agrícola; da iniciação democrática; e da formação profissional. Ou seja, o MEB desencadearia um processo de autoconscientização das massas, transformando decisivamente a realidade social com ações diretas nas comunidades rurais.
A hierarquia do projeto era sólida e bem definida. O Conselho Diretor Nacional tinha sede no Rio de Janeiro e era composto por oito bispos. Tinha funções diretivas e reguladoras e era responsável pela mediação entre a CNBB e o governo federal. Nos primeiros anos do MEB, os bispos d. Eugênio Sales, d. Hélder Câmara e d. José Vicente Távora foram os mais atuantes. Na base da hierarquia estavam as equipes estaduais e locais, responsáveis pela coordenação das Escolas Ecumênicas Rurais Radiofônicas (EERR).
A estrutura do MEB seria frequentada por setores sociais heterogêneos: bispos, padres, freiras, funcionários públicos, estudantes secundaristas e universitários, intelectuais, políticos, militantes partidários e, principalmente, trabalhadores do campo. Até 1963, os quadros seriam compostos, majoritariamente, por leigos, e reuniriam mais de 500 membros.
Em dezembro de 1962, o MEB passaria a adotar o método Paulo Freire de alfabetização de adultos e a Pedagogia do Oprimido, aproximando o ensino da realidade das comunidades rurais e da luta dos trabalhadores rurais pela sobrevivência.
A mais famosa das cartilhas elaboradas pelos professores-locutores, “Viver É Lutar”, seria proibida na Guanabara pelo governador Carlos Lacerda em janeiro de 1964, sob a alegação de que o documento difundia o comunismo. A publicação enfatizava questões como a exploração, a fome e as injustiças sociais e falava da religiosidade sob uma perspectiva progressista. Os trabalhadores rurais, uma vez conscientes dessa condição de exploração, deveriam tornar-se capazes de intervir no contexto político, social e cultural, de acordo com as demandas específicas de sua região.
Outro documento do MEB, “A Igreja e a Situação do Meio Rural Brasileiro”, explicita a preocupação da igreja em colaborar com o desenvolvimento econômico do país, ressaltando a necessidade de integrar a agricultura ao ritmo de desenvolvimento urbano-industrial, que deveria se estender a todas as regiões do país.
O MEB propagava sua leitura dualista da sociedade brasileira, que exibia uma face urbana e industrializada no centro-sul, e outra, no eixo Norte-Nordeste, marcada pelo atraso, más condições de vida e economia agrária.
Para tanto, a CNBB delegaria ao MEB o papel de promover a incorporação de valores como cooperativismo, associativismo, autonomia, promoção do bem comum e sindicalismo na produção agrícola, que constituíam o chamado comunitarismo cristão.
O auge da atuação do movimento se daria em 1963, quando chegou a 15 estados e a 60 sistemas radioeducativos concentrados na região Nordeste e no norte de Minas Gerais. Um mapeamento realizado em outubro de 1963 revela o número desses sistemas em cada estado, com destaque para Pernambuco, com instalações físicas em 9 municípios, a Bahia, em 11, e Minas Gerais, em 14.
Como as emissoras de rádio tinham custo relativamente baixo e amplo alcance de transmissão, as populações localizadas nas cercanias dos sistemas radiofônicos também eram contempladas: Pernambuco, por exemplo, teve 92% de seus municípios beneficiados pelas ondas do rádio; Sergipe, 80%.
O MEB surgiu no momento em que a igreja católica, sob a liderança do papa João 23, passava por intensa reformulação. Ganhava força a ala progressista, que atuava em defesa de reformas estruturais nos países latino-americanos, enfatizando a necessidade de superar as condições históricas e sociais que os caracterizavam.
Vale recordar que, desde meados dos anos 1950, a mobilização das populações rurais era ligada, principalmente, às Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião, ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e às organizações sindicais alinhadas com os interesses governamentais.
Com o MEB, a igreja católica se inseria na efervescência política, social e cultural que desaguaria na luta pelas Reformas de Base.