1983 - 1984

Povo exige ir às urnas

Diretas-já

A ditadura militar já durava 20 anos quando milhões de pessoas em todo o Brasil foram às ruas em 1984, num movimento de massas sem precedentes, pedir a volta das eleições diretas para presidente e o fim do regime militar. O povo brasileiro já deixara patente seu repúdio à ditadura nas eleições de 1974, quando impôs uma espetacular derrota ao partido oficial, a Arena, votando maciçamente no único partido de oposição permitido, o MDB. Já forçara a “abertura lenta, gradual e segura” com a campanha da anistia, que resultou na lei de 1979. Em 1982, nas primeiras eleições diretas para governador, a oposição ganhara em dez Estados  – e nos mais populosos. Com as grandes manifestações de 1984, na maior campanha cívica já ocorrida no país, as Diretas-Já, o povo brasileiro cobrou o imediato fim do regime militar e o direito de escolher logo seu maior governante.

1983 - 1984

A campanha

Diretas-Já!

Em 1983, um deputado estreante, Dante de Oliveira (PMDB-MT), apresentou uma emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas já na escolha do próximo presidente da República, retirando assim esse poder do Colégio Eleitoral, que apenas sacramentava as escolhas dos altos comandos das Forças Armadas.  

Vista inicialmente com ceticismo, a proposta acabou sendo acolhida como prioridade pelos partidos de oposição, especialmente pelo PMDB, pelo PT e pelo PDT, que avaliaram corretamente que a iniciativa poderia catalisar a insatisfação crescente com o governo Figueiredo, numa conjuntura de inflação alta e arrocho salarial. Assim, a emenda e o tema das diretas entraram não apenas na pauta dos partidos de oposição mas na agenda nacional, no mesmo momento em que os candidatos governistas à eleição indireta – Paulo Maluf, Mario Andreazza e Aureliano Chaves – começavam a disputar os votos dos convencionais do PDS e dos eleitores do Colégio Eleitoral.

Em junho de 1983 o governador Iris Resende, do PMDB, comandou em Goiânia o primeiro comício pelas Diretas, reunindo cerca de cinco mil pessoas. Nos meses seguintes ocorreriam manifestações ainda pequenas em Teresina (PI) e em diversas cidades de Pernambuco (chamadas pelo governador Miguel Arraes). Em 26 de novembro, os dez governadores eleitos pela oposição em 1982 (nove do PMDB e Leonel Brizola, do PDT), assinaram manifesto conjunto apoiando a emenda Dante de Oliveira e exigindo eleições diretas para presidente.

No dia seguinte, 27 de novembro, realizou-se o primeiro comício unificado das Diretas-Já, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo, com participação do PMDB, do PT e do PDT, da UNE, da CUT, da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) e da Comissão de Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de São Paulo. Inicialmente, o comício havia sido convocado apenas pelo PT. No mesmo dia, a CJP planejava realizar uma manifestação contra a intervenção americana na Nicarágua. Depois de muitas negociações, as duas iniciativas acabaram unificadas em torno da bandeira das diretas no comício do Pacaembu. Começou a nascer ali a coordenação suprapartidária da campanha, que contaria com a adesão de mais de 70 entidades da sociedade civil. Um milhão de folhetos foram distribuídos com as palavras de ordem que contentavam todos os organizadores: “Por eleições livres e diretas para presidente da República. Contra o arrocho e o desemprego. Fora o FMI. Contra a agressão dos Estados Unidos aos povos da América Latina”. Quinze mil pessoas compareceram ao comício, dando a largada para a campanha que tomaria conta do Brasil nos meses seguintes. Naquela noite, por coincidência, morreu o senador Teotônio Vilela, um dos grandes nomes da resistência democrática.

Nas semanas seguintes, várias cidades foram palcos de comícios de médio porte até que, em 12 de janeiro de 1984, o comício de Curitiba reuniu mais de 50 mil pessoas, abrindo a temporada das grandes manifestações. Elas dariam um salto no dia 25 de janeiro, quando uma multidão de mais de 300 mil pessoas lotou a Praça da Sé, no centro de São Paulo. 
 
A partir desta data os comícios pipocaram em diferentes capitais e grandes cidades do país: João Pessoa, Maceió, Belém, Rio de Janeiro, Cuiabá, Rio Branco, Manaus, entre outras. Alguns foram maiores, outros menores, mas o clima geral era de franca e generalizada mobilização. Novo recorde de participação foi alcançado em 24 de fevereiro, no comício de Belo Horizonte, que reuniu mais de 400 mil pessoas, sob o comando do governador Tancredo Neves.

A votação da emenda foi marcada para o dia 25 de abril e os comícios, ganhando dinâmica própria, alastraram-se por todo o país.  Os líderes maiores – Ulysses, Lula, Brizola e os governadores – já não conseguiam estar presentes em todos os eventos, que se sucediam em cidades como Florianópolis, Porto Alegre, Goiânia, Londrina, Natal, Petrolina, Uberlândia. Em alguns Estados, foram marcados comícios simultaneamente em várias cidades. A campanha seguiu num crescendo até o grande comício da Candelária, no Rio de Janeiro, que congregou mais de um milhão de pessoas no dia 10 de abril – a maior manifestação de rua da história do Brasil até aquele momento. Com a data da votação se aproximando, a comissão marcou o comício de encerramento para o dia 16 de abril em São Paulo. Um milhão e meio de pessoas ocuparam o Vale do Anhangabaú, batendo o recorde de comparecimento do Rio de uma semana antes. 

1983 - 1984

O Senhor Diretas

Diretas-Já!

Presidente do PMDB, o maior partido da frente de oposição, Ulysses Guimarães foi a personalidade que mais se destacou na campanha, o que lhe valeu o título de Senhor Diretas e grande popularidade. Se a emenda fosse aprovada, seria o candidato natural do PMDB à Presidência da República.

1983 - 1984

Os dez governadores

Diretas-Já!

A campanha foi possível, inclusive do ponto de vista logístico e operacional, porque em 1984 a oposição já governava dez Estados importantes, conquistados nas primeiras eleições diretas para governador desde 1965: nove do PMDB e um do PDT. Na montagem dos comícios, eles garantiram, além do apoio político, a estrutura logística necessária. Onde não havia um governador aliado, a realização dos comícios demandava maior esforço da coordenação nacional. Os dez governadores, portanto, foram atores importantes na campanha:  

•    Franco Montoro (PMDB), São Paulo
•    Tancredo Neves (PMDB), Minas Gerais
•    Leonel Brizola (PDT), Rio de Janeiro
•    José Richa (PMDB), Paraná
•    Iris Resende (PMDB), Goiás
•    Gerson Camata (PMDB), Espírito Santo
•    Jader Barbalho (PMDB), Pará
•    Wilson Martins (PMDB), Mato Grosso do Sul
•    Gilberto Mestrinho (PMDB), Amazonas
•    Nabor Júnior (PMDB), Acre

1983 - 1984

Lula, o sindicalista na política

Diretas-Já!

Outro grande protagonista da campanha das Diretas-Já foi o então presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Seu partido foi o primeiro a chamar um comício em São Paulo, o do Pacaembu, que acabou sendo organizado em parceria com outras legendas e a Comissão Justiça e Paz. O líder sindical do final dos anos 1970, um dos fundadores do PT, concorrera ao governo de São Paulo em 1982. Nas Diretas-Já, era um líder político ovacionado nos comícios e muitas vezes precisava intervir para conter as vaias a outros oradores, defendendo a política de unidade na campanha. Lula indicou como representante do PT na comissão coordenadora o secretário-geral do diretório paulista, José Dirceu, que formou com o publicitário Mauro Montoryn, indicado pelo governador Franco Montoro, uma dupla incansável na organização das manifestações. 

 

1983 - 1984

Brizola, o trabalhismo na primeira linha

Diretas-Já!

Eleito governador do Rio de Janeiro numa campanha memorável, Leonel Brizola deu um passo decisivo para a unificação do campo das oposições na campanha das Diretas-Já ao assinar o manifesto dos dez governadores a favor da Emenda Dante de Oliveira e ao convocar os trabalhistas de todo o país a sair às ruas. Grande orador, dono de uma personalidade carismática e de uma grande liderança, Brizola arrebatava as multidões nos comícios.

No PDT, além de Brizola, outro nome de destaque foi o do então presidente do partido, Doutel de Andrade, sempre presente nos atos públicos quando o governador do Rio não podia comparecer. 

1983 - 1984

Osmar Santos, a voz dos palanques

Diretas-Já!

Osmar Santos já era um consagrado narrador esportivo e apresentador de televisão quando aceitou o convite para ser o locutor oficial dos comícios da campanha das Diretas-Já, tarefa que desempenhou não apenas com profissionalismo mas com paixão. Sua atuação vibrante ao anunciar os oradores, informar sobre as dimensões do evento e o andamento da campanha tornou-se uma marca do movimento.

 

1983 - 1984

Dante, em poucos meses um nome nacional

Diretas-Já!

Dante de Oliveira, que no início de 1983 precisava se esforçar para ser ouvido por jornalistas e políticos quando falava de sua emenda propondo a volta das eleições diretas, tornou-se em pouco tempo uma personalidade nacional. Discursou em quase todos os comícios, vestindo seu característico terno branco, sendo sempre muito aplaudido.

1983 - 1984

Os artistas na campanha

Diretas-Já!

Muitos foram os artistas que se engajaram na campanha das diretas, mas pela entrega militante ao movimento destacaram-se a atriz Christiane Torloni, que sempre fazia uma fala rápida nos comícios ao lado de Ulysses Guimarães, e a cantora Fafá de Belém, que emprestava sua voz e estilo ao Hino Nacional, além de cantar outras canções, como “Coração de Estudante”. Chico Buarque foi um grande apoiador, compondo depois a música “Pelas Tabelas”, inspirada na campanha, que comemora a adesão do povo às Diretas quando diz: “quando vi todo mundo na rua de blusa amarela”. O amarelo da bandeira foi a cor símbolo da campanha. Foram também muito ativos o ex-jogador de futebol Sócrates, os atores Mario Lago e Gianfrancesco Guarnieri, as atrizes Dina Sfat, Maitê Proença e Renata Sorrah, os cantores Martinho da Vila e Jards Macalé e o cartunista Ziraldo. É imensa a lista de nomes do meio artístico, cultural e intelectual que se engajaram na campanha de um modo ou de outro. 

1983 - 1984

Apesar da mídia

Diretas-Já!

No início da campanha das Diretas, boa parte da chamada grande imprensa ignorou as manifestações ou deu pouca importância ao movimento, não escalando repórteres para a cobertura nos Estados mais distantes do eixo Rio-São Paulo e dando pouco espaço para as matérias sobre o assunto. A Rede Globo de Televisão ignorou os primeiros comícios em seus telejornais. No máximo, mostrou-os sem destaque em telejornais locais. O primeiro grande comício de São Paulo, na praça da Sé, que reuniu mais de 300 mil pessoas, foi apresentado pela TV Globo rapidamente, junto com outros eventos relacionados ao aniversário da cidade, que se comemorava naquele dia. A cobertura digna do momento, com flashes ao vivo, como já faziam as outras emissoras, só aconteceu mesmo a partir do grande comício da Candelária. A emissora já enfrentava então enorme desgaste. Naqueles meses, foram ouvidos os primeiros gritos de “abaixo a Rede Globo”. 

A partir do deslanchamento da campanha, com o comício da praça da Sé, os jornais impressos cobriram a campanha com ênfases variadas. A "Folha de S.Paulo", que antes havia apoiado a ditadura, destacou-se pela cobertura do movimento desde o início, expressando claramente seu apoio em editoriais e de um selo especial criado para as notícias da campanha.

1983 - 1984

O general e seu cavalo contra o povo

Diretas-Já!

Uma semana antes da votação, o governo decretou as Medidas de Emergências, dispositivo de força legal que substituiu o AI-5 para ser acionado em casos de ameaça à ordem pública. O presidente João Baptista Figueiredo escalou o general Newton Cruz, chefe do Comando Militar do Planalto, para executá-las. No dia da votação, prefeitos mobilizados pelo ex-senador Orestes Quércia, presidente da Frente Municipalista, chegaram com caravanas vindas de diversos pontos do país. As galerias da Câmara foram ocupadas logo cedo, embora a votação estivesse marcada para a noite. No início da tarde, houve um blecaute no Distrito Federal e em alguns municípios limítrofes, que durou duas horas. Logo depois, tropas militares comandadas pessoalmente pelo general Newton Cruz, montado num cavalo branco, ocuparam posições ao longo dos prédios dos ministérios e o no gramado defronte ao Congresso. Ali também a multidão começava a se aglomerar para acompanhar a votação. No início da noite houve um grande buzinaço na cidade. Logo depois, começou a pancadaria, com os manifestantes sendo perseguidos por cavalos, pelotões armados e bombas de gás lacrimogêneo. Dentro do plenário, começou a votação.

 

1983 - 1984

Os ausentes derrotam o povo

Diretas-Já!

Depois de muitos discursos, disputas regimentais e questões de ordem, a votação finalmente aconteceu. Quando o painel se abriu, um grande silêncio tomou conta do plenário, o silêncio da derrota. A emenda obtivera 298 votos a favor, 22 a menos do que os 320 necessários para atingir o quórum de dois terços. Apenas 65 governistas tiveram coragem de votar contra. A derrota foi selada principalmente pelos 113 deputados ausentes. Muita gente chorava. Outros se olhavam perplexos, perguntando como aquilo poderia ter acontecido. Ulysses, a imagem da derrota, alquebrado e mudo, foi conduzido por um grupo protetor a seu gabinete. Apoiava-se em duas mulheres que choravam muito: Maria da Conceição Tavares e Cristina Tavares. 
 
No dia seguinte à derrota, os moderados do PMDB começaram a preparar a nova estratégia, o lançamento da candidatura de Tancredo Neves ao Colégio Eleitoral. A campanha das Diretas-Já, apesar da derrota na Câmara, tinha isolado de tal forma a ditadura e liberado um vigor democrático tão grande no país, que o general presidente João Baptista Figueiredo não conseguiria emplacar seu sucessor no Palácio do Planalto.