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Resistência cultural Teatro

O teatro brasileiro já vivia uma fase de ebulição política antes do golpe de 1964, buscando uma dramaturgia que colocasse em cena os problemas da sociedade brasileira e a necessidade de mudanças. Após o golpe, a cena teatral se transforma num espaço de notável vitalidade artística, ousadia cênica e renovação na estética e na linguagem – e também de contestação política, atraindo a fúria censória e repressiva da ditadura. O novo teatro que surge abre os palcos e convoca a plateia a participar de manifestações públicas de oposição, realiza assembleias e reuniões, faz greve contra a censura. Seus atores e diretores participam de passeatas, atos públicos e vigílias cívicas, solidarizam-se com os perseguidos do regime, apoiam militantes e organizações clandestinas de esquerda.

Resistência cultural / Teatro Arena

Cena da peça “Arena conta Tiradentes”

O Teatro de Arena foi fundado em 1953, em São Paulo, mas foi a partir da montagem da peça “Eles Não Usam Black Tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1958, que a companhia se consagrou como espaço inovador e palco para autores nacionais.

Resistência cultural / Teatro Oficina

Cena da peça “Galileu Galilei”, no Teatro Oficina

Entre 1964 e 1968, a censura ainda não era absoluta e o teatro ocupou todas as brechas para protestar e denunciar o que se passava no Brasil. As experiências inovadoras e corajosas do Teatro de Arena e dos grupos Oficina (São Paulo] e Opinião (Rio] transformaram-se em marcos de resistência ao regime. Entretanto, a partir de 1969 tudo passou a ser censurado. O teatro foi particularmente castigado.

Resistência cultural / Teatro O Arquiteto e O Imperador Da Assiria

Rubens Corrêa, o Imperador, e José Wilker, o Arquiteto

Na década de 1970, a força da censura produziu uma inflexão, com maior valorização do espetáculo puro, da teatralidade absoluta e da metalinguagem. As companhias teatrais se transformaram em grupos e estes, em comunidades. Mas, apesar das dificuldades, a vitalidade persistia. O teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, apresentou em 1970 a deslumbrante montagem de “O Arquiteto e o Imperador da Assíria”, do espanhol Fernando Arrabal, dotado de linguagem visual de irresistível poesia.

Resistência cultural / Teatro Tá Na Rua

Encenação do grupo Tá na Rua

Criado no Rio na década de 1980 por Amir Haddad, o grupo Tá na Rua propõe levar o teatro para as ruas das cidades. A encenação ocorre a partir da junção de público e atores, sem elementos cenográficos, privilegiando o improviso e a simplicidade.

Resistência cultural / Teatro Tapa

Cartaz da peça “Apenas um conto de fadas”, primeira peça encenada pelo grupo TAPA. [Acervo: Centro Brasileiro Teatro para a Infância e Juventude.]

Foi fundado em 1974 no Rio de Janeiro e transferiu-se em 1986 para São Paulo. O Tapa desenvolve um cuidadoso trabalho de pesquisa e análise dos processos criativos. Sob a direção de Eduardo Tolentino de Araújo, privilegia a dramaturgia e o apuro cenográfico.

Resistência cultural / Teatro Show Opinião

Nara Leão, João do Vale e Zé Keti encenam o Show Opinião no Rio de janeiro em 1965.

A partir de dezembro de 1964, o espaço inacabado do Shopping Center de Copacabana, no Rio, se transformou em uma das mais importantes trincheiras de resistência à ditadura, levando ao público o show “Opinião”.

escute a música

Resistência cultural / Teatro Somos Todos Brasileiros

A atriz Vanja Orico ajoelhada diante dos caminhões da Tropa de Choque.

Em 1968, uma assembleia de artistas convocada para o Teatro Opinião terminou em passeata de protesto contra a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto. Cercada pelos batalhões de choque da Polícia Militar, a atriz Vanja Orico, de joelhos, lenço branco na mão, impediu a ação policial: “Não atirem. Somos todos brasileiros”.

Resistência cultural / Teatro Augusto Boal

Inquérito do DOPS contra o diretor-dramaturgo Augusto Boal.

Em março de 1971, o dramaturgo Augusto Boal, diretor do Teatro de Arena, foi preso e submetido a torturas. Quando libertado, partiu para o exílio.

Resistência cultural / Teatro Oduvaldo Viana Filho

Cartaz da peça “Rasga Coração”, interditada pela censura.

O prêmio teatral mais importante da época era concedido pelo Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro. A partir de 1968, o certame foi suspenso por conta da premiação da peça “Papa Highirte”, de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. A peça foi proibida pela censura. Reinstituído em 1975, o prêmio foi dado à peça “Rasga Coração”, também de Vianinha e imediatamente censurada.

Resistência cultural / Teatro Bailei Na Curva

Cena da peça “Bailei na curva”, do grupo “Do Jeito que dá”.

“Bailei na Curva”, de 1984, trouxe uma avaliação da história do Brasil desde 1964 do ponto de vista dos jovens nascidos na década de 1960.

Resistência cultural / Teatro A Lira dos 20 Anos

Cena da peça “A lira dos vinte anos” que aborda a luta armada contra a ditadura militar.

“A Lira dos 20 Anos”, de Paulo César Coutinho, foi encenada em 1985 e apresentou um balanço emocionado da história de uma geração que pegou em armas.

Resistência cultural / Teatro Living Theatre

Julian Beck e Judith Malina presos na cidade de Ouro Preto em 1971.

O grupo norte-americano Living Theatre, com seu conceito de teatro político, tornara-se referência internacional para a vanguarda teatral entre as décadas de 1960 e 1970. Em 1971, o grupo instalou-se em Ouro Preto (MG] e deu início aos preparativos para uma montagem inédita, “O Legado de Caim”. Contava com alguns brasileiros entre seus novos integrantes, que acabariam todos presos, acusados de subversão. Os estrangeiros foram expulsos do país.

Resistência cultural / Teatro O Rei Da Vela

Cena da apresentação da peça “O Rei da Vela”.

A partir da lendária montagem de “O Rei da Vela”, seu espetáculo-manifesto, o grupo Oficina passou a reivindicar um teatro capaz de romper com os “mil métodos de dominação do imaginário burguês”, de balançar a plateia, de perturbá-la radicalmente no seu cotidiano.

Resistência cultural / Teatro Roda Viva

Cena da peça Roda Viva apresentada no Teatro Galpão, 1969, em São Paulo (SP].

Com a montagem de “Roda Viva”, o grupo Oficina estabeleceu um teatro que era prolongamento do que acontecia nas ruas naquele tempo. Dizia seu diretor José Celso Martinez Corrêa: “Havia a força das passeatas, havia a força de Roda Viva”.

Resistência cultural / Teatro Na Selva Das Cidades

Cena da montagem da peça “Na Selva das Cidades”, de Bertolt Brecht, em São Paulo (SP]

A peça “Na Selva das Cidades”, uma leitura expressionista e anárquica de Bertolt Brecht, provocou escândalo com a cena de nudez da atriz Ítala Nandi, a primeira do gênero no teatro brasileiro, e acirrou a veia radical e a violência da linguagem do grupo Oficina. O cenário polêmico, concebido por Lina Bo Bardi, era totalmente construído com o lixo da cidade de São Paulo, literalmente destruído em cada sessão juntamente com os demais elementos de cena. A força do espetáculo voltava-se contra o próprio espaço da representação.

Resistência cultural / Teatro Musicais Arena

Cena da peça Arena conta Zumbi.

Em 1965, o Teatro de Arena deu início aos musicais que combinavam arte e política e falavam de liberdade por intermédio de personagens históricos: “Arena Conta Zumbi” e “Arena conta Tiradentes”.

escute a música

Resistência cultural / Teatro Liberdade Liberdade

Vianinha, Odete Lara, Napoleão Muniz Freire e Luísa Maranhão em cena da peça “Liberdade, Liberdade”.

Em 1965, estreou no Rio de Janeiro uma produção conjunta do Teatro de Arena e do grupo Opinião: “Liberdade, Liberdade”, escrita por Millôr Fernandes e Flávio Rangel. O espetáculo reunia canção, humor e resistência política, falando da liberdade por meio de uma montagem de textos históricos. A peça terminava com o ator principal, Paulo Autran pronunciando sob uma luz cenográfica a palavra “resisto”. Participaram também da montagem Nara Leão, Oduvaldo Vianna Filho e Thereza Rachel.

escute a música

Resistência cultural / Teatro O Homem De La Mancha

Cena da peça “O homem de la Mancha” de Flavio Rangel.

Em 1972, o diretor Flavio Rangel levou ao palco “O Homem de La Mancha”, com canções de Chico Buarque de Hollanda. O musical tinha Paulo Autran no papel de Dom Quixote e o texto valia-se da história de Miguel de Cervantes para falar de liberdade.

Escute um trecho

Resistência cultural / Teatro Gota D`agua

Bibi Ferreira em “Gota d’agua”

Em 1975, a peça “Gota d’Água” transplantou para um subúrbio carioca a trama clássica de “Medeia”, do grego Eurípedes. Escrita por Chico Buarque e Paulo Pontes, com um cenário arrebatador e a interpretação memorável de Bibi Ferreira, a peça tinha uma forte carga de crítica política e social. Com mais de 12 mil versos e rimas em linguagem popular, “Gota d’Água” fala da miséria e da pobreza dos brasileiros que viviam nas favelas e periferias durante a crise econômica que castigava o país após o fim do “milagre econômico”. O espetáculo ficou um ano em cartaz e foi visto por mais de 200 mil espectadores.

Escute a música Gota d’água
Veja um trecho do vídeo

Resistência cultural / Teatro Ultimo Carro

Cena da peça “O Último Carro”.

“O Último Carro”, de João das Neves, traz de volta o Teatro Opinião para o centro da vida cultural brasileira em 1976. Com um cenário que dá ao espectador a sensação de viajar num trem de subúrbio, a peça narra a dura realidade dos moradores da periferia que dependem desse meio de transporte para chegar ao trabalho ou voltar para casa.

Resistência cultural / Teatro Ponto de Partida

Cena da peça “Ponto de Partida”.

A peça “Ponto de Partida”, de Gianfrancesco Guarnieri, é montada em 1976 para denunciar o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-Codi paulista. Numa aldeia medieval sufocada pelo medo e pela tirania, um poeta amanhece misteriosamente enforcado na praça e o inquérito é construído para manter o crime impune. “É preciso saber das coisas”, diz o narrador da peça, acrescentando que “é preciso saber o quanto é perigoso saber das coisas”.

Escute a musica Ponto de Partida

Resistência cultural / Teatro A Morte De Danton

Cena da peça “A Morte de Danton” encenada no metrô do Rio de Janeiro ainda em construção.

“A Morte de Danton”, de Georg Büchner, dirigida por Aderbal Freire Filho em 1977, é um libelo em defesa da liberdade e foi encenada no espaço subterrâneo do metrô em construção no Rio de Janeiro.

Resistência cultural / Teatro Cacilda Becker

A atriz Cacilda Becker, 1960.

Mais importante atriz da história do teatro brasileiro, Cacilda Becker não apenas liderou passeatas contra o arbítrio como esteve na linha de frente de todas as manifestações do meio cultural contra a censura.

Resistência cultural / Teatro Stanislaw Ponte Petra

STANISLAW PONTE PRETA
Sergio Porto ao lado de suas personagens.

Stanislaw Ponte Preta era um personagem criado pelo jornalista Sergio Porto e que ganhou vida própria: tinha família – tia Zulmira, primo Altamirando, Rosamundo – e uma opinião clara sobre o cotidiano, os costumes e a cena política brasileira. Em 1966, Stanislaw Ponte Preta (ou Sergio Porto] levou ao palco uma revista musical, o “Show do Crioulo Doido”, em que narra a história de um compositor de escola de samba que enlouquece tentando explicar em um único samba-enredo a “atual conjuntura” – a história do Brasil após o golpe de 1964.

Escute a música Samba do crioulo doido

Resistência cultural / Teatro Febeapa

Exemplar de “Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País”

Crítico mordaz da ditadura, Stanislaw Ponte Preta também publicou em três volumes o “Festival de Besteira que Assola o País – Febeapá”. Cada volume reúne um punhado de notícias veiculadas na imprensa, todas acompanhadas do comentário irônico do autor. No conjunto, formam um amplo painel sobre as ações da ditadura. O alvo predileto do Febeapá: a prepotência, o absurdo do arbítrio e a ignorância dos militares.

Resistência cultural / Teatro Dois Perdidos numa Noite Suja

Berilio Faccio e Plínio Marcos em cena de “Dois perdidos numa noite suja”.

Plínio Marcos é o autor de “Dois Perdidos numa Noite Suja”, encenada pela primeira vez em 1967. Suas peças introduziram personagens até então ausentes do palco: marginais, lúmpens, sem nenhuma concessão ao lírico. Foi o dramaturgo mais proibido e perseguido pela censura. Durante a ditadura militar, 18 peças de sua autoria foram vetadas.