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Com a radicalização da repressão após o AI-5, muitos líderes do movimento estudantil optaram pela luta armada. A sensação era de que haviam sido eliminadas quaisquer condições de manter o combate contra o arbítrio pelas vias legais. Em fevereiro de 1969, foi baixado o Decreto n.º 477, que proibia qualquer atividade política nas universidades e permitia a expulsão de quem o desobedecesse.
Na virada da década de 1970, a UNE manteve-se na clandestinidade, com atuação bastante limitada. Em pequenos congressos, foram escolhidos para a presidência da entidade Jean Marc von der Weid, em 1969, meses antes de ser preso e torturado no Rio de Janeiro, e Honestino Guimarães, que assumira interinamente a presidência após a prisão do colega e foi confirmado no cargo no congresso de 1971.
Ao longo de todo esse período, o ME foi também espaço privilegiado de debates sobre costumes, moral, sexo, drogas e novas formas de sociabilidade. Tais possibilidades alternativas de vida para os jovens foram vistas como perigosas pela ditadura por representarem o rompimento com os padrões culturais e morais vigentes.
O principal grupo político atuante no movimento, com forte presença nas principais entidades estudantis, em especial na UNE, de 1961 a 1972, foi a Ação Popular, conhecida pela sigla AP. Ela teve sua origem na Ação Católica, marcadamente na Juventude Universitária Católica (JUC), de importante atuação na virada da década de 1950 para a década de 1960. O apoio da JUC a João Goulart e seu crescente alinhamento à esquerda renderam-lhe a pecha de comunista, o que levou o episcopado, já em 1962, a proibir os membros do grupo de ocupar cargos de liderança em entidades estudantis. O desdobramento natural dessa proibição foi a dissidência dos jovens de maior vocação política, que vieram a formar a AP. Entre eles estavam Aldo Arantes, presidente da UNE de 1961 a 1962, Vinicius Caldeira Brant (1962-1963), José Serra (1963-1964, cassado por ocasião do golpe), José Luís Guedes (1966-1967) e Luís Travassos (1967-1968), entre outros.
Foi também durante esses dez anos de hegemonia da AP que começaram a despontar as “dissidências” – rachas no Partido Comunista Brasileiro – com destaque para o grupo liderado por Vladimir Palmeira no Rio de Janeiro e o de José Dirceu em São Paulo. Em 1967, Palmeira perdeu a disputa pela presidência da UNE para Luís Travassos, mas confirmou sua eleição para a presidência da União Metropolitana dos Estudantes (UME), entidade estadual do antigo Estado da Guanabara. Conhecida como Dissidência da Guanabara e formada por ex-militantes do Partido Comunista, ela faria a opção pela luta armada em 1969, adotando o nome de Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Na outra ponta da ponte aérea, José Dirceu, que presidia a UEE de São Paulo, pretendia disputar a presidência da UNE. A eleição estava marcada para o 30º Congresso da entidade, organizado clandestinamente na cidade paulista de Ibiúna, entre os dias 12 e 13 de outubro de 1968. José Dirceu tinha o apoio de Vladimir Palmeira e da Dissidência da Guanabara, e a perspectiva era de que haveria uma disputa bastante acirrada no encontro. Mas o local do congresso foi descoberto pela polícia e o sítio invadido. Cerca de 900 delegados foram presos, incluindo os principais líderes. Sufocada, a UNE cairia na mais rigorosa clandestinidade entre 1969 e 1972, mantendo-se alinhada à AP.
Somente em março de 1973, com o assassinato de Alexandre Vannucchi Leme pelo DOI-Codi de São Paulo, o ME voltou a mostrar capacidade de mobilização. Aos 22 anos, Alexandre estudava Geologia na USP e militava na Ação Libertadora Nacional (ALN). Sua morte sob tortura causou revolta entre os estudantes, que realizaram vários protestos no campus da USP. Um grupo de estudantes foi procurar dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, que decidiu rezar uma missa na Sé em memória de Alexandre. Apesar da intimidação policial, a cerimônia reuniu cerca de 3 mil pessoas e marcou o início de uma nova fase de resistência. Em outubro de 1973, novo trauma atingiu o movimento estudantil, com a prisão e o desaparecimento do presidente da UNE, Honestino Guimarães. Seu atestado de óbito seria entregue à família apenas em 1996, e somente em 2013 registrada a causa da morte: atos de violência sofridos sob custódia do Estado. As atividades da UNE permaneceriam suspensas pelo resto da década e seriam retomadas apenas com a refundação da entidade, em 1979.
O segundo semestre de 1974 marcou o início do processo de “distensão”. Na esteira do governo de Ernesto Geisel, em especial após a derrota sofrida pela Arena nas eleições para o Senado, em novembro, os estudantes começaram a reconquistar espaços de atuação, retomando centros e diretórios acadêmicos, reorganizando cineclubes e voltando a promover atividades culturais que mobilizassem os alunos e permitissem algum debate político. Logo as entidades estudantis voltariam a atuar publicamente. No final de 1975, os estudantes da USP conseguiram refundar o DCE, não mais um diretório tutelado, como estabelecia a Lei Suplicy, mas um DCE livre, batizado com o nome de Alexandre Vannucchi Leme.
Na segunda metade de 1970, as forças políticas mais ativas durante o processo de reorganização do movimento estudantil já eram outras. A AP, duramente atingida pela repressão e tendo perdido muitos dos seus militantes para o PCdoB, já não detinha mais a condição de força hegemônica. Outros grupos apareceram, como é o caso da Convergência Socialista e da Liberdade e Luta (Libelu), ambas de inspiração trotskista.
Em São Paulo, no processo de retomada do DCE Livre da USP, a partir de 1975, houve uma polarização entre duas organizações principais: a Refazendo, herdeira da AP, e a Libelu. Nas duas primeiras eleições para o DCE da USP, venceu a Refazendo, na qual militava, entre outros, o futuro ministro Aloizio Mercadante. Na terceira, venceu a Libelu, que tinha entre seus líderes os futuros ministros Luiz Gushiken e Antonio Palocci, bem como os jornalistas Matinas Suzuki Jr., Caio Túlio Costa, Mario Sergio Conti, Eugênio Bucci e Paulo Moreira Leite.