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O golpe militar de 1º de abril de 1964 interrompeu o processo democrático iniciado pela Constituição de 1946, após a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Cessou também, de forma brutal, o mais amplo movimento de ascensão política das classes populares na história do Brasil até então, em torno de reformas sociais, políticas e econômicas. As chamadas Reformas de Base eram apoiadas naquele momento pelo governo do presidente João Goulart, o Jango, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e por diversas forças políticas e sociais. Pesquisas da época mostram que essa bandeira contava com o apoio da maioria da população. Foi contra esse projeto soberano de desenvolvimento, com ampliação de direitos e justiça social, que se fez o golpe, origem de 21 anos de ditadura no país.
As raízes da disputa entre dois projetos de nação remontam ao final da Segunda Guerra Mundial, período em que o Brasil viveu um acelerado processo de urbanização, industrialização e modernização. Desde o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) travou-se um debate entre a proposta nacionalista, da presença forte do Estado na economia (que havia levado à criação da Vale, em 1942, e da Petrobras, CSN e Furnas na década de 1950); e o modelo dito “entreguista”, que mantinha o país dependente dos chamados “trustes” internacionais em setores como energia, mineração e transportes.
As tentativas de golpe
A primeira tentativa de golpe contra o progresso do movimento democrático e popular ocorreu, de fato, dez anos antes – na campanha pela deposição de Vargas, liderada pela antiga UDN, pela imprensa entreguista (com destaque para o jornal "O Globo") e por chefes das Forças Armadas. A plena consumação política do golpe de 1954 foi frustrada pelo suicídio de Vargas, que provocou uma comoção nacional. Um ano depois, o setor legalista das Forças Armadas impediu novo golpe, ao garantir a posse do presidente Juscelino Kubitschek (PSD), eleito com apoio do PTB varguista e do clandestino, mas influente, Partido Comunista.
Os anos JK foram marcados pela implantação da indústria automobilística, com forte dinamização da economia no país. Foi um período de otimismo nacional (simbolizado na conquista da Copa do Mundo de Futebol de 1958) e renovação cultural, da qual a Bossa Nova, o Cinema Novo e o teatro engajado do Centro Popular de Cultura (CPC) são os melhores exemplos. Num país dominado pelo latifúndio, trabalhadores da terra se organizaram em sindicatos e nas chamadas Ligas Camponesas para lutar pela reforma agrária, que se transformou em tema central do debate político, acuando os setores mais retrógados das elites brasileiras.
A terceira tentativa de golpe contra as forças populares ocorreu em agosto de 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou, sete meses após assumir o cargo. Os ministros militares vetaram a posse do vice-presidente, João Goulart, que estava fora do país no momento da renúncia. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (PTB), comandou então a resistência ao golpe, organizando uma cadeia de emissoras de rádio, a Rede da Legalidade. Brizola conseguiu o apoio do 3° Exército, sediado em Porto Alegre. Pelo Brasil, multidões saíram às ruas exigindo o cumprimento da Constituição e obrigaram os chefes militares golpistas a recuar. Jango tomou posse numa negociação que instaurou o parlamentarismo no país.
No ano seguinte, num quadro internacional marcado pela Guerra Fria, o governo dos Estados Unidos interferiu nas eleições para o Congresso, financiando ilegalmente candidatos conservadores e estimulando a criação de um imenso aparato de propaganda anticomunista (o Instituto Brasileiro de Ação Democrática – Ibad), com apoio de empresários, da grande imprensa e de setores conservadores da igreja católica. Apesar disso, a representação dos partidos progressistas no Congresso cresceu significativamente. O PTB, por exemplo, que nas eleições de 1958 tinha eleito 66 deputados, saltou para 104, contra 91 da UDN e 119 do PSD.