1964 - 1964

Um golpe contra os brasileiros

O golpe militar

O golpe de 1964 foi a maior tragédia da história política brasileira. Instalou uma longa e brutal noite de terror e interrompeu o rico processo democrático que marcou as duas décadas anteriores. Centenas de milhares de pessoas foram presas e dezenas de milhares torturadas. Mais de 400 brasileiros foram mortos pelos órgãos de repressão – e muitos deles figuram como desaparecidos até hoje. Os direitos de expressão, manifestação e organização foram suprimidos. 
 
O golpe investiu também contra os direitos e conquistas dos trabalhadores. Promoveu forte concentração de renda: os ricos ficaram mais ricos, e os pobres mais pobres. Apoiado pelos Estados Unidos, o regime enquadrou o Brasil, o maior e mais populoso país da América Latina, nas diretrizes que vinham de Washington. A soberania nacional foi submetida a poderosos interesses externos.
 
A população, em meio a enormes dificuldades, soube encontrar brechas e abrir caminhos para resistir e reconquistar a democracia. Saiu desse período terrível mais forte, mais madura e mais experiente. A duras penas, aprendeu que a democracia pertence ao povo e não pode ser tutelada por ninguém.
 
Ditadura, nunca mais!

 

1964 - 1964

Uma década de golpes

O golpe militar

O golpe militar de 1º de abril de 1964 interrompeu o processo democrático iniciado pela Constituição de 1946, após a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Cessou também, de forma brutal, o mais amplo movimento de ascensão política das classes populares na história do Brasil até então, em torno de reformas sociais, políticas e econômicas. As chamadas Reformas de Base eram apoiadas naquele momento pelo governo do presidente João Goulart, o Jango, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e por diversas forças políticas e sociais. Pesquisas da época mostram que essa bandeira contava com o apoio da maioria da população. Foi contra esse projeto soberano de desenvolvimento, com ampliação de direitos e justiça social, que se fez o golpe, origem de 21 anos de ditadura no país.

As raízes da disputa entre dois projetos de nação remontam ao final da Segunda Guerra Mundial, período em que o Brasil viveu um acelerado processo de urbanização, industrialização e modernização. Desde o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) travou-se um debate entre a proposta nacionalista, da presença forte do Estado na economia (que havia levado à criação da Vale, em 1942, e da Petrobras, CSN e Furnas na década de 1950); e o modelo dito “entreguista”, que mantinha o país dependente dos chamados “trustes” internacionais em setores como energia, mineração e transportes.

As tentativas de golpe

A primeira tentativa de golpe contra o progresso do movimento democrático e popular ocorreu, de fato, dez anos antes – na campanha pela deposição de Vargas, liderada pela antiga UDN, pela imprensa entreguista (com destaque para o jornal "O Globo") e por chefes das Forças Armadas. A plena consumação política do golpe de 1954 foi frustrada pelo suicídio de Vargas, que provocou uma comoção nacional. Um ano depois, o setor legalista das Forças Armadas impediu novo golpe, ao garantir a posse do presidente Juscelino Kubitschek (PSD), eleito com apoio do PTB varguista e do clandestino, mas influente, Partido Comunista.

Os anos JK foram marcados pela implantação da indústria automobilística, com forte dinamização da economia no país. Foi um período de otimismo nacional (simbolizado na conquista da Copa do Mundo de Futebol de 1958) e renovação cultural, da qual a Bossa Nova, o Cinema Novo e o teatro engajado do Centro Popular de Cultura (CPC) são os melhores exemplos. Num país dominado pelo latifúndio, trabalhadores da terra se organizaram em sindicatos e nas chamadas Ligas Camponesas para lutar pela reforma agrária, que se transformou em tema central do debate político, acuando os setores mais retrógados das elites brasileiras.

A terceira tentativa de golpe contra as forças populares ocorreu em agosto de 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou, sete meses após assumir o cargo. Os ministros militares vetaram a posse do vice-presidente, João Goulart, que estava fora do país no momento da renúncia. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (PTB), comandou então a resistência ao golpe, organizando uma cadeia de emissoras de rádio, a Rede da Legalidade. Brizola conseguiu o apoio do  3° Exército, sediado em Porto Alegre. Pelo Brasil, multidões saíram às ruas exigindo o cumprimento da Constituição e obrigaram os chefes militares golpistas a recuar. Jango tomou posse numa negociação que instaurou o parlamentarismo no país.

No ano seguinte, num quadro internacional marcado pela Guerra Fria, o governo dos Estados Unidos interferiu nas eleições para o Congresso, financiando ilegalmente candidatos conservadores e estimulando a criação de um imenso aparato de propaganda anticomunista (o Instituto Brasileiro de Ação Democrática – Ibad), com apoio de empresários, da grande imprensa e de setores conservadores da igreja católica. Apesar disso, a representação dos partidos progressistas no Congresso cresceu significativamente. O PTB, por exemplo, que nas eleições de 1958 tinha eleito 66 deputados, saltou para 104, contra 91 da UDN e 119 do PSD. 

1964 - 1964

A véspera do golpe

O golpe militar

Em janeiro de 1963, Jango recuperou os poderes presidenciais por meio de um plebiscito que aboliu o parlamentarismo. Nada menos que 82% dos eleitores voltaram a favor do presidencialismo contra 18% que apoiaram o parlamentarismo. Mas as forças conservadoras aos poucos deixaram claro que não tolerariam mudanças significativas. Sem maioria no Congresso, Goulart buscou apoio nos sindicatos e na Frente Parlamentar Nacionalista, adotando a proposta das Reformas de Base: agrária, urbana, universitária e do sistema bancário, além do direito de voto para analfabetos e de eleição para cabos e sargentos. 

Num ambiente de radicalização política, Jango adotou medidas nacionalistas, como a criação da Eletrobrás, e restrições à remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior. No dia 13 de março de 1964, em comício para 300 mil pessoas na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, ele assinou decretos de encampação de refinarias, de tabelamento dos aluguéis e de desapropriação das margens de rodovias para a reforma agrária. A oposição respondeu com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em que a classe média saiu às ruas de São Paulo de rosário nas mãos, pedindo a deposição do governo “comunista”.

No dia 25 de março, a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais realizou uma assembleia comemorativa aos seus dois anos de fundação, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos. O ministro da Marinha, Silvio Mota, que havia proibido a reunião, mandou um destacamento de fuzileiros para prender os líderes, mas a tropa aderiu aos companheiros. Os rebeldes entregaram-se no dia seguinte e foram anistiados pelo presidente Jango.

Acusado de promover a quebra da hierarquia militar, Jango de fato perdeu apoio entre oficiais legalistas. Os grandes jornais pregavam abertamente a derrubada do governo. “Chega!”, “Basta!” e “Fora!” foram os títulos de uma sequência de editoriais de primeira página do liberal "Correio da Manhã". Na noite de 30 de março, Jango denunciou a articulação golpista contra as forças populares, em discurso na Associação dos Sargentos e Suboficiais da Guanabara. Foi seu último ato público como presidente do Brasil.

Conspiração

Naquele momento, a conspiração militar e civil já contava com o aval dos Estados Unidos – articulado por seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon. Parte da frota naval daquele país deslocava-se à costa brasileira, para apoiar o golpe em caso de resistência. Era a Operação Brother Sam. Os militares golpistas aguardavam o comando do general Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército e principal interlocutor dos EUA nas Forças Armadas, para derrubar o governo. Os governadores de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul estavam articulados com os conspiradores, assim como os principais dirigentes empresariais.

1964 - 1964

O golpe

O golpe militar

O golpe militar foi precipitado pelo comandante da 4ª Divisão de Infantaria, general Olímpio Mourão Filho, oficial de pouca expressão, que pôs seus recrutas em marcha de Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro na manhã de 31 de março. Nas horas seguintes, diante da falta de reação do dispositivo militar de apoio a Jango, que temia a eclosão de um guerra civil, os principais chefes militares foram se alinhando com o esquema golpista.  O general Arthur da Costa e Silva, um dos principais chefes do movimento sedicioso, autonomeou-se ministro da Guerra (Exército), em nome da “revolução”.

Também falhou a articulação do Comando Geral dos Trabalhadores para decretar greve geral contra o golpe. Sindicalistas e defensores da legalidade foram presos nas principais cidades. O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, foi deposto e preso pelo comandante militar da região. A resistência civil, concentrada na sede da União Nacional do Estudantes (UNE), foi violentamente atacada por policiais civis e militares, que incendiaram o prédio da entidade na praia do Flamengo. Protestos foram reprimidos em todo o país.

Jango voou do Rio para Brasília, onde a oposição encenava uma farsa na noite de 1º de abril. O presidente do Senado, Auro Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República, alegando falsamente que o chefe de Estado teria fugido do país. No dia seguinte tomava posse, interinamente, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, que por duas semanas se comportou como refém dos ministros militares. Consumado o golpe, Jango deixou o Brasil pela fronteira sul para exilar-se no Uruguai. Odiado pelos golpistas, o então deputado Leonel Brizola tomou o mesmo destino. 

Durante uma semana de anarquia institucional, milhares de pessoas foram presas sem qualquer formalidade. Porões de navios foram transformados em cárceres. No Recife, o ex-deputado e líder comunista Gregório Bezerra foi amarrado a um jipe do exército e arrastado pelas ruas. Em Belo Horizonte, a sede do jornal popular "O Binômio" foi invadida e destruída. Políticos ligados ao governo Jango buscaram asilo em embaixadas. Sindicalistas e militantes de esquerda entraram na clandestinidade.

No dia 9 de abril, finalmente, os três ministros militares apresentaram-se ao país como “Comando Supremo da Revolução” e editaram um Ato Institucional  – o primeiro de uma série de atos arbitrários. O AI-1 suspendeu as garantias constitucionais e determinou a eleição, pelo Congresso, de um presidente para completar o mandato de João Goulart (até janeiro de 1966), com amplos poderes para mudar a Constituição. No mesmo dia foi divulgada a primeira lista de cidadãos com direitos políticos cassados por dez anos – uma centena, entre parlamentares, militares, sindicalistas e intelectuais.

Intimidado e mutilado pelas cassações, o Congresso entregou a presidência ao general Castelo Branco no dia 15 de abril. Menos de um ano depois, seu mandato seria prorrogado até 1967, com o cancelamento das eleições previstas para 1965. As listas de cassações se sucederam até o penúltimo governo militar. Fruto do desrespeito à Constituição e à democracia, o regime de 1964 iria se tornar a cada dia mais autoritário, repressor e brutal; uma ditadura com todas as letras, cruel e assassina.