1954 11 de março
O falso pacto de expansão argentina
Perón nunca propôs um novo vice-reino no Prata, mas vale tudo contra Getúlio
O jornal “Tribuna da Imprensa” divulga trechos de um discurso feito quatro meses atrás pelo presidente da Argentina, Juan Domingo Perón, à alta oficialidade de seu país.
A partir de algumas frases retiradas do contexto, a matéria construía a versão de que estava em curso um complô dos “três caudilhos” — os presidentes de Argentina, Brasil e Chile — para promover uma “integração sul-americana num arquipélago de repúblicas sindicalistas contra os Estados Unidos”. Tratava-se de uma tosca deformação de uma proposta de Perón, levada ao Chile, para a criação do Pacto ABC (iniciais dos três países), que, se concretizado, seria o precursor do atual Mercosul.
Juan Domingo Perón era considerado um perigoso populista pelos conservadores brasileiros. Seu fantasma atemorizava as oposições do país porque ele chegara ao poder sem golpe de Estado, graças à mobilização do movimento sindical e ao voto dos trabalhadores. Seu Partido Justicialista (PJ) conquistara seguidas vitórias eleitorais, tinha maioria no parlamento e ofuscava os adversários, que lutavam para não desaparecer no cenário político. Não bastasse isso, ainda tinha o respaldo das Forças Armadas e amplo apoio popular.
A frase reproduzida pela “Tribuna” — e depois exaustivamente explorada por outros jornais oposicionistas — era a seguinte: “Getúlio Vargas esteve absolutamente de acordo com essa ideia de bloco regional ABC”. Para Lacerda, ela confirmaria uma história sem pé nem cabeça que a imprensa conservadora inventara durante a campanha eleitoral de 1950 — quando o “Diário da Noite” noticiou um hipotético plano de Perón para reviver o Vice-Reinado do Prata, com a anexação de Paraguai, Bolívia, Uruguai e ainda os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Segundo a falsa denúncia, o plano contaria com a cumplicidade de Vargas.
Getúlio, porém, jamais se encontrou com Perón, que chegou a perguntar “Será que eu sou algum leproso?” ao embaixador brasileiro Batista Luzardo, numa das inúmeras vezes em que ouviu uma desculpa de Getúlio para não encontrá-lo.
Posteriormente, o presidente brasileiro enviaria um emissário informal à Argentina para justificar-se: enfrentava pressões dos militares, do Congresso, da imprensa e do governo norte-americano. Qualquer pretexto poderia resultar num “golpe preventivo”. A resposta de Perón demorou um pouco, mas veio: “[agora] me dou conta da difícil situação política em que você está envolvido”.