1962 11 de outubro
João 23 abre concílio e populariza igreja
Vaticano 2º debate os rumos da fé católica em tempos de Guerra Fria
Numa histórica cerimônia na basílica de São Pedro, o papa João 23 abre o Concílio Ecumênico Vaticano 2º e dá início aos trabalhos. Nesse concílio, serão discutidos os rumos da fé católica num mundo que acaba de passar pelo segundo conflito mundial e está se dividindo em dois, por causa da Guerra Fria.
O concílio — para o qual foram convocados 2.540 prelados, que vinham se preparando há dois anos — aparelharia a igreja para os novos tempos e anteciparia várias discussões da 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em 1968. Após essa conferência, realizada na Colômbia, seria formulada a Teologia da Libertação, corrente teológica que marcaria profundamente a ação da ala progressista da igreja católica no Terceiro Mundo.
Concílios ecumênicos são encontros de bispos católicos do mundo inteiro com o objetivo de definir ou reorientar a doutrina da fé e fortalecer ou reformar a organização da igreja. A ideia de convocar um novo concílio frequentara a mente de vários papas antes de João 23, principalmente porque o Vaticano 1º fora interrompido devido à Guerra Franco-Prussiana, iniciada em 1870.
Para o Concílio Vaticano 2º, o 21º da história católica e o segundo realizado no Vaticano, foram convocados todos os bispos, superiores maiores das ordens e congregações religiosas, universidades e faculdades de teologia espalhadas pelos continentes. Entretanto, muitos não puderam participar, por ficarem retidos em seus países pelos governos comunistas, como China e União Soviética.
O papa João 23 fizera a convocação para um concílio pastoral, e não dogmático, e isso definiria a diferença entre esse conclave e os 20 anteriores — que produziram dogmas, isto é, verdades absolutas e condutas obrigatórias.
O Vaticano 2º resultaria em 16 documentos oficiais, indicando novos caminhos para a igreja com base nas três grandes questões identificadas por João 23: preparar-se para interferir na realidade; atrair novamente os cristãos que haviam se afastado da igreja; e pôr a fé a serviço da solução de problemas sociais cada vez mais graves.
As reformas litúrgicas — principalmente a orientação para que as missas fossem realizadas na língua de cada país, e não mais em latim —, o encorajamento à participação de laicos (pessoas não pertencentes ao clero) na vida da igreja e o reconhecimento de Deus nas demais religiões (o ecumenismo) seriam orientações de ordem prática, destinadas a reaproximar de seus fiéis a igreja católica.
O conteúdo social das decisões, embora ofuscado pela modernização ritual, teria grande importância. Um mês antes da abertura do concílio, em discurso, o papa havia acenado nessa direção: “A igreja se apresenta tal como ela é e quer ser: a igreja de todos e, particularmente, a igreja dos pobres”.
As nações emergentes, segundo João 23, iriam passar por uma transformação radical no terreno das realizações materiais e na prática religiosa, principalmente por causa do aumento da pobreza e das migrações constantes do interior para as grandes cidades. Para essa realidade, as recomendações do concílio para a América Latina e o Brasil se baseariam em três pontos fundamentais: amizade, fé e culto.
A amizade, ou solidariedade entre o povo, seria imprescindível no contexto das migrações que elevavam a população das capitais do país, principalmente São Paulo. A solidariedade seria o único meio de dar acolhida favorável a esses brasileiros.
A fé, o segundo fundamento do concílio, seria a única possibilidade para uma vida futura, e por isso era necessário que o povo lesse a Bíblia. As comunidades e paróquias de todas as regiões passariam então a distribuí-la a preços módicos, e rádios das arquidioceses e outros meios de comunicação transmitiriam diariamente reflexões bíblicas.
Já o culto teria sido um ponto difícil de aplicar no Brasil — segundo consideraria o cardeal Paulo Evaristo Arns, anos depois. A solução encontrada foi organizar pequenos grupos de reflexão bíblica e levar o povo a viver em comunidade, responsabilizando-se pelos irmãos que chegavam de outras partes.
O programa Amizade, Fé e Culto abriria novas veredas para os migrantes e também para os católicos locais que viviam afastados dos cultos.
O Concílio Vaticano 2º só seria concluído em dezembro de 1965, já no papado de Paulo 6º, dois anos após a morte de seu idealizador. Em 2014, João 23 seria canonizado pelo papa Francisco.