1961 25 de agosto
Jânio renuncia e surpreende o país
Ato abre grave crise institucional; Jango é vetado pelos militares; Mazzilli assume
Em curta mensagem enviada ao Congresso nacional por meio do ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, o presidente Jânio Quadros renuncia ao mandato de presidente da República. Em outra mensagem, anexa à primeira, Jânio se declara “esmagado pelas forças” que o “intrigam” e o “difamam”.
Era 25 de agosto de 1961, Dia do Soldado, uma sexta-feira. De manhã, sem dar nenhum sinal da decisão que abalaria o país horas depois, o presidente compareceu ao desfile militar na Esplanada dos Ministérios, passou a tropa em revista, ouviu a leitura da ordem do dia e hasteou a bandeira — tudo como manda o rito.
Aos jornalistas que o interrogaram sobre a acusação do governador da Guanabara, Carlos Lacerda — de planejar um golpe para aumentar os poderes presidenciais —, negou tudo.
Voltou para o palácio, mandou chamar os ministros militares e comunicou oficialmente que estava renunciando ao cargo. Diante dos olhares atônitos, enfatizou: “Com esse Congresso não posso governar. Organizem uma junta e dirijam o país”.
Assinou a carta de renúncia, determinou ao ministro da Justiça que a encaminhasse ao Congresso somente às 15 horas, e às 11 horas embarcou no avião presidencial rumo à base área de Cumbica, em São Paulo. Ao ajudante de ordens que o acompanharia, instruiu a levar consigo a faixa presidencial.
Já em São Paulo, diria a seu secretário de Imprensa, Carlos Castelo Branco: “Não farei nada para voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará nas ruas, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do meu governo”.
O que Jânio pretendia com a renúncia, ele nunca explicaria direito. Os historiadores, no entanto, concordam que seu gesto tinha a intenção de causar uma comoção nacional que o reconduzisse triunfalmente ao cargo com mais poderes — e, de preferência, sem o Congresso para importuná-lo.
A oposição parlamentar vinha crescendo rapidamente, sobretudo pela ação dos trabalhistas que, com o aval dos movimentos populares e em rota de aproximação com os comunistas, repudiavam sua política econômica que desvalorizara a moeda, dobrara o preço do pão, aumentara as tarifas de ônibus, restringira o crédito e congelara salários.
Renunciar era uma forma de sair do palco para não se desgastar, e diversas vezes Jânio usou esse recurso como uma arma ameaçadora — sempre com sucesso.
Mas a renúncia à Presidência da República revelou-se um arriscado e desastrado cálculo político. Jânio apostou na crise política que adviria de sua decisão — os militares dificilmente concordariam em empossar o vice-presidente João Goulart. Imaginou também que, na China, Jango não teria tempo de articular sua posse antes de o veto militar se consumar. Além disso, supôs que o Congresso só examinaria sua renúncia na segunda-feira, o que daria tempo para uma mobilização popular em seu favor.
O Congresso, porém, que se mantivera em queda de braço com Jânio desde a posse, não demoraria mais do que duas horas para reunir os parlamentares, ler a renúncia e dar posse provisória ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli.
Começava assim mais um capítulo da história da democracia brasileira pós-1946, que se desdobraria no movimento militar para impedir a posse de Jango, nas consequentes articulações políticas e na resistência popular pela manutenção da ordem constitucional.
Uma semana depois da renúncia, Jânio mandaria devolver a faixa presidencial e, no porto de Santos, tomaria um navio rumo à Inglaterra.