América Latina

Bolívia

(Foto: Diário La Razón/Reprodução)

1952: o ano em que a revolução chegou ao poder 

A Revolução Boliviana de 1952 foi o ápice de um longo processo, que evidenciou não apenas as contradições sociais do país, mas também atores políticos até então invisíveis: os camponeses e os operários. No início dos anos 1950, 80% dos três milhões de habitantes do país viviam em zonas rurais. Essa população era formada, sobretudo, por comunidades indígenas inseridas numa estrutura agrária marcada pelo latifúndio e por um sistema de trabalho quase servil. Sem direito a terra, sem direito a voto, analfabetos na maioria e com representatividade política mínima, essas comunidades inexistiam no âmbito das instituições.

Victor Paz Estenssoro, eleito presidente pelo Movimento Nacional Revolucionário (MNR).
Concentração, na praça Murillo, onde fica o governo federal, para apoiar o presidente pelo MNR em 1952, Victor Paz Estenssoro (Foto: Diário La Razón/Reprodução)

A classe operária, por sua vez, era menos numerosa, mas estava um passo à frente dos camponeses no que diz respeito às formas de associação política. Seu espaço de atuação, porém, era reduzido, principalmente porque as minas de estanho, que aglutinavam a maior parte desses trabalhadores, eram propriedade de três grandes famílias que compunham “la Rosca”, como ficaram conhecidas as oligarquias do país.

Entre esses dois polos havia uma classe média economicamente estagnada, sem perspectiva de ascensão social: comerciantes, artesãos, funcionários públicos. Essa sólida estrutura social foi balançada por dois acontecimentos que fragilizaram ainda mais a economia boliviana: a Crise de 1929 e a Guerra do Chaco, em 1935.

Desse cenário caótico nasceram três partidos que ajudaram a pavimentar o caminho para a Revolução de 1952: o Partido Operário Revolucionário (POR), fundado em 1935, o Partido da Esquerda Revolucionária (PIR), de 1940, e o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), surgido em 1942. O que ligava esses partidos de diferentes matrizes políticas, embora esquerdistas, era o discurso nacionalista, que atacava a exploração das riquezas do país pelas classes dominantes.

Nas eleições para presidente e para os cargos legislativos, ao longo dos anos 1940, esses partidos galgavam cada vez mais eleitores, deslumbrados com a perspectiva de mudanças. Nesse processo foi fundada a Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros e realizado o 1º Congresso Indígena Boliviano, eventos que centralizaram as demandas das duas classes que sentiam mais fundo as contradições sociais do país.

A Revolução Boliviana de 1952, nas ruas. Crédito: Bettmann /Colaborador - Editorial: 514980858 - Coleção: Bettmann – Getty Images
Nas ruas de La Paz, milicianos da Revolução Boliviana de 1952 após a vitória contra o "exército oligarca" (Foto: Diário La Razón/Reprodução)

Em 1951, finalmente, os três partidos (MNR, PIR e POR) se uniram em torno da candidatura de Víctor Paz Estenssoro, que venceu as eleições para presidente. Entre a eleição e a posse, todavia, pairava o rumor de um possível golpe preventivo, que garantisse às elites econômicas a permanência no controle político do país — principalmente porque o presidente em exercício, Mamerto Urriolagoitia Harriague, havia renunciado pouco antes da divulgação do resultado, entregando o poder a uma junta militar favorável a “la Rosca”.

O golpe preventivo, que era um rumor, acabou acontecendo, mas pelas mãos dos vencedores. O MNR organizou uma insurreição armada com operários e camponeses, armados com as dinamites das minas de estanho e com metralhadoras que vinham dos arsenais de muitos quartéis que aderiram ao golpe. Depois de alguns dias de conflito, a revolução se estabeleceu no poder em 1952.

Logo nos primeiros anos, as mudanças foram profundas: estabeleceu-se o sufrágio universal, nacionalizaram-se as minas de estanho e promoveu-se uma ampla reforma agrária, que deu aos camponeses indígenas a posse de suas terras. Esse processo seria interrompido por outro golpe, em 1964.

Literatura 

Conto: “El Indio Paulino” (1969)
Autor: Ricardo Ocampo (1928- ), Bolívia

Narradores bolivianos (1969) Baptista Gumucio
Capa do livro "Narradores Bolivianos" (1969), de Mariano Baptista Gumucio (org.)

A saltos por la pampa desolada, en medio una nube de polvo, sobre un camino casi imaginario, avanzaba el camión hacia la ciudad [...] apartado entre otros indios, sin hablar con nadie y haciendo esfuerzos por mantener el equilibrio, venía Paulino. […]

Assim começa um dos contos mais importantes da literatura boliviana, uma das menos conhecidas do continente. “El Indio Paulino” é um testemunho irônico e compassivo, que fala da distância que separa as populações indígenas bolivianas dos políticos que falam em seu nome nas cidades grandes.

No conto, os índios são levados de sua casa para desfilar em defesa da reforma agrária em La Paz, pois a Revolução de 1952 fracassara. Paulino, por exemplo, lutava havia tempos por um pedaço de papel que lhe garantisse a posse da terra onde trabalhou por toda a vida. Com os outros índios, ele marchava carregando cartazes cujos dizeres ignorava. Ouvia discursos e promessas que eram quase abstrações, que ele pouco compreendia.

No fim do desfile, a multidão se dispersa, e Paulino volta para casa, onde sua mulher aguarda uma boa notícia: se ele havia, enfim, conseguido a posse legal da terra. A resposta, curta e grossa — “no todavía” (“ainda não”) —, encerra a história.

O conto “El Indio Paulino” incorpora as expectativas e frustrações de uma época específica, em que a revolução social parecia ser a solução ideal para encurtar as distâncias.

Sugestões de leitura

  • “Juan de la Rosa” (1885) — Nataniel Aguirre
  • “Sangre de Mestizos” (1936) — Augusto Céspedes
  • “La Chaskañawi” (1947) — Carlos Medinaceli
  • “Los Deshabitados" (1959) — Marcelo Quiroga Santa Cruz
  • “Los Fundadores del Alba” (1969) — Renato Prada Oropeza