América Latina

Uruguai

(Foto: Reprodução)

Os tupamaros 

Nos anos 1960, o Uruguai era conhecido como “Suíça latino-americana”, por ter, entre outras características, um regime democrático relativamente consolidado. Seus dois partidos políticos ocupavam rotativamente o poder e angariavam a predileção dos eleitores: os “blancos” e os ”colorados”. Outros partidos de esquerda, de diversos matizes políticos, nunca obtiveram grande expressão.

O Partido Comunista Uruguaio, fiel à linha política de Moscou, mantinha-se na legalidade e acreditava na linha pacífica para chegar ao poder, não apoiando nenhuma tentativa de luta armada. Por esse caminho também atuava o Partido Socialista, que depois de 1959 adotara a linha castrista.

Manifestação dos Tupamaros, em Montevidéu. Crédito: Reprodução
Manifestação dos tupamaros em Montevidéu (Foto: Reprodução)

O Movimento de Libertação Nacional — Tupamaros (MLN) nasceu em 1962, quando jovens socialistas se indignaram com o trabalho a qual eram submetidos nas plantações de cana-de-açúcar em Bella Unión, no Departamento de Artigas, fronteira com o Brasil. Formaram o Sindicato dos Cortadores de Cana-de-açúcar e pediram a consultoria de um certo estudante de direito que decidiu abandonar a faculdade para ajudar os cortadores. Seu nome era Raúl Sendic, que em pouco tempo se tornaria um dos nomes mais importantes das esquerdas armadas da América Latina.

Sendic liderou, em Montevidéu, marchas e manifestações dos cortadores de cana — trabalhadores que não recebiam salários fixos, moravam em choupanas construídas no meio dos canaviais e trabalhavam até 16 horas por dia. Uma das reivindicações era a desapropriação de 22 mil hectares para distribuir terras aos trabalhadores. Raúl Sendic percebeu que, dentro daquele sistema político, a luta dos cortadores seria infrutífera. Em 1963, rompeu com o Partido Socialista e foi à luta.

José Pepe Mujica, guerrilheiro Tupamaro que passou 15 anos na prisão e posteriormente seria eleito presidente do país. (Foto: Reprodução)
José Pepe Mujica, guerrilheiro Tupamaro: 15 anos na prisão e futuro presidente do Uruguai (Foto: Reprodução)

Os tupamaros — nome que homenageia Túpac Amaru, o imperador inca morto pelos espanhóis em 1571 — não acreditavam nas eleições. De base nacionalista, o grupo foi influenciado pela Revolução Cubana, pela Revolução Chinesa e pelos estudos de Régis Debray. Ao contrário, porém, do que pregavam essas experiências, os tupamaros atuavam nas cidades, por dois motivos: primeiro, porque o pampa uruguaio não era refúgio ideal para guerrilheiros; segundo, porque o país era majoritariamente urbanizado.

Em julho de 1963, Sendic e um grupo de jovens roubaram armas do Clube Suíço com o intuito de empreender ações armadas de grande porte. Da Financeira Monty levaram certa de um milhão de dólares. Relatos da época contam que, quando havia clientes na fila dos bancos assaltados, os guerrilheiros ordenavam aos caixas que registrassem cada depósito, pois assim somente o banco arcaria com o prejuízo. Ao povo, os tupamaros se apresentavam como benfeitores: roubavam caminhões de alimentos e os distribuía nos bairros humildes.

Aloísio Dias Gomide, cônsul brasileiro sequestrado pelos Tupamaros. Crédito: Revista O Cruzeiro
Aloísio Dias Gomide, cônsul brasileiro, no dia de seu casamento. Em 1970, ele foi sequestrado pelos tupamaros (Foto: “O Cruzeiro”/Reprodução)

Com o tempo, os tupamaros começaram a atuar de forma mais violenta, o que significou o isolamento político da organização. Em junho de 1969, incendiaram a sede da General Motors (GM); em 31 de junho de 1970, realizaram dois sequestros: o policial norte-americano Daniel Anthony "Dan" Mitrione, que ministrava aulas de tortura a agentes uruguaios, e o cônsul brasileiro Aloísio Dias Gomide. Mitrione apareceu morto, amarrado e amordaçado, com dois tiros na cabeça, em 10 de agosto. Dias Gomide foi libertado após seis meses de cativeiro.

Em 1973, veio o golpe militar, e os tupamaros entraram em decadência. Nos últimos seis meses de vida da organização, mais de mil militantes foram presos, cerca de 700 só em Montevidéu. Numa autocrítica divulgada na ocasião, o jornal “Correo Tupamaro” anunciou: “Nossas deficiências foram: por um lado, subestimar o inimigo, que era muito mais poderoso do que acreditávamos [...]; por outro, não avaliáramos, em termos justos, a grande capacidade de luta do povo — confiávamos excessivamente nas nossas próprias forças”.

 

Raúl Sendic, líder dos Tupamaros, um dos principais nomes da luta armada  Revista O Cruzeiro da América Latina
Raúl Sendic, líder dos tupamaros (Foto: “O Cruzeiro da América Latina”/Reprodução)

Literatura

Livro: “El Cumpleãnos de Juan Ángel” (1971)
Autor: Mário Benedetti (1920-2009), Uruguai

El cumpleaños de Juan Angel

Mário Benedetti foi um escritor profícuo: publicou mais de oitenta obras, abarcando diversos gêneros, da poesia à dramaturgia. Se, por um lado, seus livros demonstram preocupação com a realidade montevideana — e nisso foi um dos mais importantes cronistas uruguaios —, por outro o autor revela um interesse progressivo na responsabilidade do intelectual latino-americano em “situar-se à altura de seu tempo”, colaborando com a construção de uma sociedade mais justa.

Essa preocupação tornou-se latente em 1971, quando Benedetti retornou de Cuba — para onde se mudara em 1968 — e publicou o romance “El Cumpleãnos de Juan Ángel”. Naquele ano, os tupamaros estavam no auge, e o livro expressa o lado revolucionário do poeta.

Trata-se de uma narrativa experimental, escrita em versos e sem pontuação, na qual acompanhamos a história de Juan Ángel desde os oito anos até o momento em que ingressa na guerrilha urbana e muda de nome. O livro, dedicado a Raúl Sendic, defende explicitamente a revolução:

[…]
la revolución no es jamás sucidio
la revolución ni siquiera es la muerte
la revolución es a la vida más que ninguna otra cosa
aunque pueda morir en ella

[…]

Sugestões de leitura

  • “Cuentos de Amor de Locura y de Muerte” (1917) — Horacio Quiroga
  • “La Vida Breve” (1950) — Juan Carlos Onetti
  • “Nocturnos” (1955) — Idea Vilariño
  • “Las Venas Abiertas de América Latina” (1971) — Eduardo Galeano