2005 6 de junho

Denúncia do 'mensalão' abre crise no governo

Presidente do PTB revela supostas propinas mensais em troca de votos pró-Executivo

Instaura-se a mais grave crise política do governo Lula: a revista "Veja" denuncia esquema de corrupção em licitações nos Correios. As acusações envolvem altos funcionários da estatal indicados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), da base aliada do governo. As denúncias apontam também para o envolvimento do deputado Roberto Jefferson, presidente do partido, no esquema de compra e venda de licitações.

Como desdobramento do caso, Roberto Jefferson concedeu entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" em 6 de junho de 2005, denunciando suposto esquema de propinas mensais pagas a deputados em troca de votos favoráveis a matérias de interesse do governo, cunhando o termo "mensalão".

Ao jornal, Jefferson acusou o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, de ser o mentor do esquema, e Delúbio Soares, tesoureiro do PT, de fazer os pagamentos a deputados do Partido Liberal (PL) e do Partido Progressista (PP). Além disso, denunciou Marcos Valério Fernandes de Souza, dono de agências de publicidade que tinham contratos com órgãos do governo, de ser operador do esquema, arrecadando recursos tanto de empresas estatais e privadas, quanto por empréstimos bancários.

Na forma como foi denunciado, o "mensalão do PT" — como seria batizado pela grande mídia — seguiria o modelo implantado nos anos 1990 em Minas Gerais pelo próprio Marcos Valério, durante gestão do governador tucano Eduardo Azeredo, e que culminara com o financiamento de sua campanha à reeleição em 1998.

Em 9 de junho de 2005, seria instaurada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, e, em 20 de julho, a CPMI da Compra de Votos — cujos resultados seriam incorporados ao relatório da anterior, publicado em julho de 2006.

A partir daí, denúncias relacionadas a cinco partidos (PL, PP, PTB, PMDB e PT) se sucederiam, envolvendo financiamento ilegal de campanhas eleitorais (o chamado "caixa dois") e repasses de dinheiro a partidos em troca de apoio a candidatos.

Dez dias após as denúncias de Roberto Jefferson, José Dirceu pediria demissão do cargo de ministro e reassumiria seu mandato de deputado federal. Ambos teriam seus mandatos cassados pelo plenário da Câmara Federal ainda em 2005.Também seria cassado o presidente do PP, Pedro Corrêa.

Em 12 de agosto, o presidente Lula afirmaria, em pronunciamento, ter sido “traído por práticas inaceitáveis” das quais nunca tivera conhecimento. Reiteraria ainda que todas as denúncias seriam investigadas a fundo, e os culpados, punidos.

Em 30 de março de 2006, o procurador-geral da República Antônio Fernando Barros denunciaria o "mensalão" no STF como um esquema criminoso que envolvera a prática dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, evasão ilegal de divisas e formação de quadrilha. O procurador apresentaria denúncia contra 40 nomes, apontando o ex-ministro José Dirceu como o chefe do esquema.

Em 2 de agosto de 2012, o STF daria início ao julgamento da Ação Penal 470, que se estenderia por 53 sessões ao longo de quatro meses. Todas as sessões seriam transmitidas ao vivo pela TV. Até o dia 13 de agosto, a as emissoras divulgariam, em média, duas reportagens por minuto sobre o tema.

Ao final do julgamento do STF, 25 dos 38 acusados — das 40 pessoas denunciadas inicialmente, uma morrera, e a outra fizera acordo com o STF — seriam condenados por algum crime, entre eles Roberto Jefferson, José Dirceu, Marcos Valério e Delúbio Soares e outros parlamentares do PP, PMDB, PT, PL e PTB.

Seria bastante contestada pela defesa dos réus a aplicação, pelo STF, da “teoria do domínio do fato”, criada por Hans Wezel nos anos 1930, segundo a qual é autor, e não apenas partícipe do crime, aquele que decidiu e orientou a ação criminosa a subordinado seu, mesmo que não tenha participado diretamente dela. A controvérsia central seria a necessidade (ou não) de provas de que a hierarquia partidária tivesse participado das decisões. Tais provas, contra alguns acusados, nunca apareceriam, mas isso não impediria sua condenação.

Nomes como os ex-ministros Luiz Gushiken e Anderson Adauto, o ex-deputado Professor Luizinho e o marqueteiro Duda Mendonça seriam absolvidos por falta de provas. Em 2014, novo julgamento no STF absolveria José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino (presidente do PT na época das denúncias) e mais cinco réus, do crime de formação de quadrilha no mensalão.

Em dezembro de 2015, o fundador do PSDB e ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo seria condenado pela Justiça mineira a 20 anos de prisão, pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, no que ficaria conhecido como "mensalão tucano". O processo contra Azeredo tramitaria no STF até março de 2014, quando a corte decidiria encaminhá-lo à Justiça estadual.

Embora condenado, até 2017 Azeredo esperaria em liberdade o julgamento de recurso interposto contra a decisão de primeira instância.